Decisão Manuel Rodrigues quebra tabu na Frelimo

OPINIÃO

Alexandre Chiure

A recusa, por parte do governador da província de Nampula, de avançar como cabeça-de-lista do partido Frelimo nas sextas eleições autárquicas na cidade com o mesmo nome, representa uma viragem na forma como as coisas vêm sendo conduzidas naquela formação política, no poder desde 1975.

O normal é que se cumpram missões, no âmbito da filosofia segundo a qual “tens que ser querido para te quereres”. Nessa base, até agora era tabu um quadro do partido receber uma tarefa e mostrar-se indisponível para a cumprir, como aconteceu com Manuel Rodrigues.

A doutrina que é seguida e que passa de geração em geração de membros e simpatizantes da Frelimo reza que não há espaço para alguém recusar e muito menos questionar qualquer que seja a missão conferida, sobretudo quando esta tem o selo da Comissão Política do partido.

Pelo que foi publicado em alguns jornais da praça, os cabeças-de-lista, pelo menos de cinco municípios, foram impostos pela direcção máxima do partido contra a vontade das bases, e surpresa das brigadas. Foram mencionados os casos dos municípios de Maputo, Matola, Beira, Quelimane e Nampula, os três últimos governados pela oposição, nomeadamente a Renamo e o MDM.

Tanto a Frelimo, como outros partidos não têm o direito de impor candidaturas e, sobretudo, de destacar um membro para concorrer a certos cargos sem o seu consentimento. Isso é um atentado à democracia interna desses mesmos partidos.

A ser verdade o que foi publicado em relação aos cabeças-de-lista da Frelimo para os cinco municípios, não está correcto surpreender os membros e, mais do que isso, impor as suas candidaturas. Antes de tudo é preciso ouvir as pessoas. Ter a sua sensibilidade a respeito do assunto, particularmente se se sentem confortáveis com a ideia ou não. Nestas coisas de eleições é de bom-tom que haja cumplicidade entre o partido e o querido.

Pelo menos no caso de Manuel Rodrigues, alguns jornais da praça publicaram que ele só tomou conhecimento de que era a aposta do seu partido horas antes da votação, em que ganhou com 100 por cento dos votos, o que, a ser verdade, não está certo.

Por outras palavras, quer dizer que ele não teve tempo sequer para avaliar se vale a pena avançar ou não, sendo que ao aceitar o posicionamento da Comissão Política, tem de estar consciente de que terá de suspender as suas funções de governador, cujo mandato termina em Janeiro de 2025, e assumir uma posição de subalternidade, ao ter que se tornar, em caso de vitória, presidente de um município.

É preciso admitir que os tempos são outros. As dinâmicas são outras. A forma como se fazia política ontem não é a mesma de hoje. Há algumas práticas que devem ser abandonadas para o bem da democracia interna dos partidos. Se antes bastava decidir para que se cumprisse sem comentários, nem reclamações, hoje é diferente. Antes de qualquer decisão é preciso ouvir as pessoas.

Se Manuel Rodrigues tivesse sido auscultado para se aferir se a posição do seu partido estaria em consonância com a sua no sentido de se tornar cabeça-de-lista em Nampula, não estaria hoje a embaraçar a formação política de que é membro com a sua manifestação de indisponibilidade. Significa que não foi bem feito o trabalho de casa. Alguma coisa falhou e o resultado está à vista.

O seu “não”, que se consumou, fica na história e abre um precedente para que nas próximas ocasiões outros quadros do partido sigam o exemplo. Entenda-se que manifestar indisponibilidade não deve ser visto como um problema, nem desobediência à direcção do partido, mas, isso sim, uma questão de coerência da parte de Manuel Rodrigues.

O visado avaliou a situação e concluiu que estava bem como governador, para além de que era baixar de categoria tornar-se presidente de um município. A outra questão é que não há certeza se ganharia eleições ou não em Nampula, um terreno movediço. Dizer não é também um exercício democrático. Todos têm a liberdade de se mostrar a favor ou contra propostas em seu nome.

Muitos, talvez por falta de coragem, são obrigados a ocupar cargos que não fazem sentido nenhum exercer, tendo em conta a sua actual posição social ou capital político. Não é lógico, por exemplo, que um ex-presidente da Assembleia da República, figura número dois na hierarquia política do país, seja hoje um simples deputado da AR.

Não é razoável que uma antiga presidente do parlamento moçambicano, órgão que tem como uma das atribuições fiscalizar as actividades do governo, tenha aceitado assumir o cargo de ministra. Entre os cabeças-de-lista da Frelimo, temos dois governadores (Maputo e Nampula) e uma secretária de Estado de Sofala que, do ponto de vista hierárquico e se este partido ganhar as eleições, vão assumir cargos manifestamente inferiores, designadamente os de presidentes dos municípios.

Há momentos na vida que não devemos aceitar exercer algumas funções ou cargos de chefia e confiança pura e simplesmente porque o que conquistamos até essa altura é algo maior em comparação com o que nos propõem fazer.

É humilhante, por exemplo, alguém que foi governador de uma província admitir que seja nomeado administrador. Não faz sentido um ex-ministro aceitar o cargo de director de uma simples instituição. Seria caricato, por exemplo, o ex‑presidente Armando Guebuza e Joaquim Chissano assumirem pastas de ministros. Será por ganância de poder ou tal procedimento configura aquela máxima segundo a qual não se negam missões? Não sei, não.

Facebook Comments