- Morte de Ibn Momade não abranda o horror de terrorismo e povoação nas ilhas coloca Palma num barril de pólvora
- Chefe da localidade confirmou à nossa reportagem a morte de 13 pessoas e 03 estão a receber cuidados hospitalares. Mais de 500 sobreviventes estão refugiados na vila de Mocímboa
- Jornalista do Evidências testemunhou tumulto da população refugiada no bairro 25 de Junho, quando a força ruandesa fazia patrulha
- Al-shabaab dissipam dúvidas e assumem a morte do seu principal líder
Os terroristas atacaram, na última sexta-feira, a aldeia de Naquitengue, posto Administrativo de Mbau, que dista a 30 quilómetros da Vila de Mocímboa da Praia. Os Al-Shabaab, como são tratados localmente, vinham trajados com fardamento de exército para confundir a população local e convocaram uma reunião, onde, depois de isolar as mulheres, selecionaram minuciosamente homens mauni (muçulmanos) dos macondes (cristãos) e mataram 13 destes últimos a metralhadora. No mesmo momento, os insurgentes reagiram à morte do seu líder, Ibn Omar, e prometeram, em resposta, atacar a vila de Mocímboa da Praia. Essa reação desfaz as dúvidas que pairavam sobre o anúncio do chefe do Estado Maior General, Joaquim Mangrasse. De modo geral, há uma tendência de pouca actividade dos terroristas, mas a 90 km de Mocímboa da Praia, em Palma, há fortes indícios de que os terroristas estejam a usar as mais de 10 ilhas, como ponto de retaguarda e de concentração de novos recrutas.
Nelson Mucandze, em Cabo Delgado
Era para ser uma sexta-feira (15) comum na aldeia de Naquitengue, no posto Administrativo de Mbau, no distrito de Mocímboa da Praia, até o momento em que o pequeno Selemane foi interpelado por um grupo de mais de 20 homens trajados de uniformes militares, a perguntar a casa do líder da localidade.
O traje militar desajustado e nalguns casos acompanhado de chinelos no lugar de botas, a imundice e adolescentes empunhando espingarda com o cano rastejar pelo chão levou o adolescente a concluir sem margem de erro que se tratava de Al-Shabaab e, logo, respondeu que não conhecia o chefe da localidade. Mas quando foi colocado a escolher entre a sua vida e a do seu líder da comunidade cedeu e conduziu os insurgentes até o centro da aldeia, onde convocaram uma reunião e separaram a povoação em três grupos. Os Al-Shabaab colocaram, primeiro, as mulheres de um lado e separaram os homens em dois grupos, muanis e macondes, conforme os nomes. Os primeiros, é quase consensual que todos são muçulmanos e os macondes, cristãos. São estes últimos que foram massacrados à metralhadora. No local, morreram 12 pessoas e quatro ficaram feridos, mas um não resistiu e veio a morrer no caminho de fuga para vila de Mocímboa da Praia. O ministro da Defesa fala de 10 mortos.
Neste momento, mais de 500 pessoas que acabavam de retornar às suas casas estão refugiadas no bairro 25 de Junho, na vila de Mocímboa da Praia.
“Perguntaram se conhecia a casa do líder, a criança disse que não conhecia. E eles disseram ‘então, vamos matar-te e deixar o líder’, e o rapaz, com medo de morrer, disse ‘vamos’. Quando chegaram na minha casa eu já tinha saído para à mata porque tinha recebido a informação de que os terroristas tinham entrado e queriam a mim”, conta João Lâmpada, líder comunitário de Naquitengue, com um ar de pânico.
Lâmpada, que estava envolvido na contagem das pessoas que iam chegando no centro de acolhimento improvisado na Escola Primária 25 de Junho, bairro com mesmo nome, detalhou à nossa reportagem que da mata testemunhou tudo. “Muitas pessoas tentaram fugir para vila (Mocímboa da Praia) e os Al-Shabaab disseram que todos devem voltar para reunião na comunidade e quem tentasse fugir para vila (Mocímboa da Praia) seria morto. Levaram as pessoas que estavam a fugir para a aldeia, e quando chegaram dividiram as pessoas em dois grupos, homens e mulher. Nos homens, começaram a chamar os muani para passar para outro lado e os macondes mandaram permanecer”, disse o líder de Naquitengue.
Prosseguindo, explicou que chamaram o homem da metralhadora, que começou a massacrar todos que tinham ditos para permanecer. Foi em meio a tiros que os outros grupos começaram a fugir. Não houve perseguição.
No terreno, Juliana Mateus, que trazia no colo sua filha menor, explicou à nossa reportagem que teria voltado para a sua aldeia em Junho passado, depois de ter se refugiado, por dois anos, no distrito de Nangade. E dois meses depois volta a deixar aldeia em meio a uma tentativa de se reerguer. “Ainda não tenho informação de onde está o resto da minha família”, disse, em resposta à nossa reportagem, enquanto tentava organizar seus pertences na sombra de uma mangueira que geralmente é usada como sala de aula.
É um ataque que ocorre três semanas depois de anúncio, pelo Chefe do Estado Maior General, Joaquim Mangrasse, da morte dos principais líderes do terrorismo. Em uma semana, numa operação denominada “Golpe Duro”, foram contabilizados 30 cabecilhas. A fonte exclusiva desta informação é o executivo, que já acostumou a sociedade de uma narrativa triunfalista que expõe os êxitos do exército, porém oculta as baixas. No entanto, a promessa de vingança é por si uma confirmação de que os insurgentes estão a sofrer baixas das principais lideranças dos terroristas conforme anunciado pelo Estado Maior General.
Um tumulto testemunhado pela nossa reportagem
Enquanto a nossa reportagem recolhia depoimentos dos deslocados, circulava a velocidade do vento a informação de que os terroristas estavam nas redondezas. E antes que ninguém se certificasse da veracidade destas informações, as mais de 500 pessoas desesperadas, com memórias do horror do dia interior, começaram a fugir para tudo que é lado, criando um tumulto, e foi preciso um jovem corajoso, um professor local, a bradar aos céus que não se tratava de terroristas, mas de uma posição das forças ruandesas que estava na mata, numa actividade de rotina.
“É uma agitação desnecessária, são as forças militares que estão a fazer as suas actividades”, disse, para uma população que no dia anterior (15) viu terroristas com trajes de militares a massacrarem e a prometer atacar Mocímboa da Praia.
Enquanto a estes cenários sangrentos em Mbau, há, de forma geral, uma relativa calma em vários distritos que até princípio do ano em curso, o relato de ataques era frequente. Em termos estatísticos, é seguro afirmar que os focos dos ataques tendem a diminuir. Até na estrada N380, onde a travessia de Macomia até Owasse é garantida pela escola, há viaturas que arriscam e atravessam desacompanhadas da escola. A nossa reportagem viu in loco uma aparente tendência de confiança dos automobilistas que operam no troço Pemba – Palma, embora há quem diga que não se trata de confiança, mas de falta de opções.
No caso de Palma, que se mostra mais povoada do que Mocímboa da Praia, há todo o esforço de se limpar todos os vestígios de destruição. A nossa reportagem percorreu os 40 km do sangrento troço vila da Palma – Pundanhar, onde dezenas de viaturas foram incendiadas pelos terroristas, mas o governo já removeu todo o vestígio de destruição. Aqui não há sinais de guerra e as dores cicatrizaram na alma dos que vivenciaram.
O mesmo não se vê em Mocímboa da Praia, onde até no centro da volta mantém-se nítida a imagem da guerra, com os postos de abastecimento destruídos, única agência do Millennium Bim em escombros, um cenário que se vê igualmente com as instituições públicas, cujos edifícios continuam sem previsão de serem melhoradas. O troço Pundanhar foi usado como estrada de ligação entre Palma e Nangade, Mueda e Montepuez até Pemba, quando os terroristas ocuparam Mocímboa da Praia. Mas quando os terroristas se aperceberam desse troço, começaram a perpetuar ataques em Pundanhar, a estratégia, desde princípios dos ataques, foi isolar o distrito de Palma, quando se mostrava impossível ocupar.
No centro da vila de Palma, o movimento estranho de jovens que pululam no centro da vila com argumento de que estão à procura de emprego chama atenção não apenas para quem entra pela primeira vez, mas para autoridades locais que estiveram atentos nos primeiros sinais de terrorismo.
Povoação suspeita nas ilhas coloca Palma num barril de pólvora
O distrito de Palma tem 10 ilhas habitáveis, nomeadamente Vamize, Quiriamimbe, Quifuque, Tecomaji, Ronque, Metunde, Vumba, Quissungura, Quimesse e Suavo. Curiosamente, desde que o distrito que acolhe o maior projecto de gás, avaliado em pouco mais de 20 mil milhões de dólares, foi recuperado e fortificado pelas resistentes e sofisticadas bases ruandesas, assistiu o movimento suspeito de ocupação. E há fortes indícios de que as ilhas estejam a ser usadas como pontos de concentração de recrutas, o que pode ser um rastilho para colocar Palma num barril de pólvora.
A denúncia vem de Valentim Dienga, líder comunitário de Palma-Sede, que enfatiza que desde “a nossa retomada nesta vila, no dia 29 de agosto de 2021, há entrada de estranhos”.
Questionado sobre o que mudou, respondeu que “aqui na Vila Sede estamos a ver movimento da entrada descontrolada. As pessoas vêm e não querem se apresentar nas estruturas do bairro e lá quando saem não despedem nos seus quarteirões, não levam aquela declaração do bairro, mas com a tendência de dizer que nós vamos a Cabo Delgado, distrito de Palma, para irmos procurar emprego. Aqui não há emprego, só há empresa e a empresa ainda não começou com o recrutamento das pessoas e essas pessoas estão aqui cheias e não temos maneira de fazer voltar. Estão nas nossas casas, estão nas ilhas. Este é o fenómeno estranho que vivenciamos agora”.
Ele observa que os perfis desses novos ocupantes das ilhas coincidem com dos jovens que ingressam nas fileiras dos terroristas, de jovens oriundos de Nampula, sem domínio da língua local e que entram via alto mar. Aliás, é mesmo pela língua que percebem que não se trata de jovens locais.
“Nós perguntamos a Total e disse que ainda não iniciou com o recrutamento, agora essa pessoa que chama pessoas de fora onde é que trabalha? As pessoas saem de Nacala e passam em alta maré e não há autorização agora de sair um barco de Nacala com pessoas para cá”, anota Dienga, sublinhando que é preciso fazer baixar as entradas.
Em jeito de comparação, Abudo Momad, um outro integrante da estrutura local, afirma que a povoação actual nas ilhas é superior a anos antes do terrorismo. “Em Quifuque tem cinco mesquitas. Uma ilha pequena, eu fui hoje está cheia de pessoas. Até você, se for, agora, até lá e dizer que vai dormir, terá medo; o movimento é elevado. Foram os da acção marítima, mas nem conseguiram trabalhar, voltaram porque era muita gente. E aquelas pessoas não são nativas, são visitantes e se tiver lá nativos não chegam nem 500 pessoas, num universo de mais de 1500 pessoas, e a maior parte deles são de Nacala. O que pretendem naquele lugar?”, questiona.
Antes da ecolsao do terrorismo, as ilhas, de acordo com líderes locais, eram ocupados por pescadores que em nenhum momento fixavam casas permanentes, um cenário que, coincidentemente, ganhou outro cenário, na medida em que não são apenas fixadas casas, mas mesquitas. Dienga não tem dúvidas que se trata do mesmo modus operandi dos terroristas usado anteriormente. “A maioria das pessoas que estavam nessa guerra convidaram os nossos irmãos, enganaram-nos com emprego e são esses que estão lá; se calhar para enganar novamente, para nos enganar de novo”.
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