A Sétima Mulher do Chavisso

OPINIÃO

Estevão Chavisso

Numa madrugada de Março, em finais de 1980, a Sétima Mulher do Chavisso deixou as áridas terras de Manjacaze para tentar a vida em Maputo. Na memória, fragmentos de uma vida miserável no interior da província de Gaza alimentavam a esperança de um recomeço numa capital ainda em construção.  Era tudo novo e um universo cheio de possibilidades.

Na bagagem, além da mala quase vazia, um cartão com o endereço da sua irmã, que a devia acolher em Maputo, era o bem mais precioso que levava. Com a cabeça encostada ao vidro de um dos famosos machimbombos do empresário António Oliveira, a Sétima Mulher do Chavisso pensava na vida que deixara em Gaza, mas, principalmente, no seu futuro na cidade grande.

Maputo era o oposto da vida simples que dominava os seis bairros do distrito de Manjacaze. Apesar das dúvidas, ela tinha uma única certeza: era preciso sair da miséria que a atormentou desde que veio ao mundo e, agora, Maputo era o futuro.

Feitos os quase 300 quilómetros da estrada que separa Maputo de Gaza, a Sétima Mulher do Chavisso estava finalmente no terminal da Junta da capital, a cidade que foi palco das histórias que tanto o seu pai lhe contou à volta da fogueira no interior de Manjacaze.

Os edifícios “gigantes”, a dinâmica de uma economia de rua e a agitação de uma sociedade “esperta” foram, de imediato, um choque profundo para aquela menina do interior, mas não dava para voltar. Aliás, o bilhete era só de ida.

A Sétima Mulher do Chavisso se instalou na casa da sua irmã mais velha em Polana Caniço (subúrbios de Maputo). A missão dela em Maputo era clara: ajudar a família da irmã mais velha com as infinitas tarefas domésticas, enquanto estudava durante a noite.

Foram quase oito anos de uma rotina desgastante que a obrigava a levantar às 04:00 e ir à cama às 22:00, mas, para a Sétima Mulher do Chavisso, tudo era melhor do que a vida miserável da qual fugiu no interior de Manjacaze.

O seu primeiro emprego como servente, alguns anos mais tarde, no então Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Marinha Mercante e Pesca, deu-lhe alguma folga para deixar a casa da sua irmã e se instalar, sozinha, numa flat da 24 de Julho (na cidade grande), mas continuava a ser uma vida no limiar da pobreza.

Este exercício, na corda bamba da sobrevivência, servindo oficiais da marinha, prevaleceria por anos, até que, numa tarde de Abril de 1989, à saída do trabalho, uma barulhenta buzina de um Toyota Hino de 15 toneladas chamou-lhe a atenção. Era Chavisso, um “madjodjoni boa pinta” que, em Changana, pedia-lhe um minuto para uma “conversa rápida”.

O minuto pedido por aquele “madjodjoni boa pinta” transformar-se-ia , alguns anos depois, num bebé de quase quatro quilos e uma vida de espera, já que a menina que fugiu do interior de Manjacaze seria a sétima mulher na lista daquele “ Machangana”.

Ao volante daquele Toyota Hino, a vida de Chavisso era na estrada, enquanto aquela menina que saiu do interior de Gaza para conhecer o Mundo o esperava, agora carregando o seu filho, em Maputo, numa casa que Chavisso comprou exclusivamente para que ela esperasse por ele.

Diferente das quatro irmãs, ela nunca sequer sonhou com véu e grinalda. O perfil de Chavisso não abria espaço para tamanha audácia. Aliás, ela sabia que não era a primeira e, sem dúvidas, não seria a última a cair na lábia daquele “Machangana boa pinta” que caçava mulheres com o braço pendurado na janela de um Toyota Hino de 15 toneladas.

Além de ser a sétima da lista e a mais nova, ela carregava a “desvantagem” de ser a única mulher de Chavisso que vivia na cidade. Era preciso convencer a família tradicionalista e, principalmente, as outras rivais (todas em Chibuto) de que era digna da posição.

Chavisso acreditava que prover era sinónimo de amor e, por isso, morreu sem a verdadeira ideia da quantidade de noites em que ela se fechou no quarto para chorar a ausência de um homem que ela partilhava com outras seis mulheres.

Chavisso a amava, sem dúvidas, embora nunca tivesse conseguido expressar verbalmente este sentimento. De onde Chavisso vinha (Chibuto), a melhor prova de amor de um homem para uma mulher era uma mesa farta.

Embora ausente, estava claro o quão Chavisso a fazia feliz. O sorriso fulminante que a tomava sempre que ouvisse o barulho do motor daquele Toyota Hino ao virar da esquina era pura prova disso.

Naquela manhã de Novembro de 1994, ela levantou cedo para tratar do pequeno-almoço da família. Chavisso tinha de voltar à estrada depois de uma rápida passagem por Maputo. Sem saber, a imagem de Chavisso sentado à mesa com filho de quatro anos era último episódio de uma ideia de família que ela tanto lutou para ter.

Chavisso morreu algumas horas depois daquela refeição, após o despiste do semicolectivo em que ele seguia em Nelspruit, a caminho de Joanesburgo. A única coisa que ela lembra daquele dia é um beijo rápido de Chavisso e a promessa de retorno que nunca vai acontecer.

Embora ciente de que Chavisso, desta vez, foi-se definitivamente, ela esperou por mais de 10 anos para voltar a cair na lábia de qualquer homem.  As noites fechada no quarto a chorar multiplicaram-se, agravadas pela miséria que voltava a sua vida com a ausência do provedor. E o menino ouviu e viu tudo, impotente, na altura.

A pão e água, entre lágrimas nas madrugadas e a miséria de uma mãe viúva, a Sétima Mulher do Chavisso criou sozinha a criança, que, até hoje, em cada sorriso e em cada detalhe, lembra-lhe sempre a lábia daquele “Machangana boa pinta”, com o braço pendurado na janela de um Toyota Hino, que pediu um “minuto” em 1989 em Maputo.

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