Funcionários públicos voltam a passar feriado nacional sem salários

DESTAQUE POLÍTICA
  • MEF não assume falta de liquidez e diz que houve erros nas folhas
  • Folhas de salários deram entrada no dia 07 e só no dia 21 é que se detectou supostos erros
  • Governo procura a todo custo esconder uma indisfarçável falta de liquidez
  • Na terça-feira passada, Governo voltou a recorrer aos bancos para pedir emprestado dinheiro
  • Recorrentes atrasos estão a gerar onda de descontentamento na função pública

Depois de passarem o dia da independência (25 de junho) sem salário, os funcionários públicos, passaram o 25 de Setembro, Dia das Forças Armadas, que este ano calhou com um feriado longo, sem o salário. O Executivo de Filipe Nyusi, que desde a aprovação da Tabela Salarial Única (TSU) enfrenta crise de liquidez, alega que o atraso se deveu à erros nas folhas de salários, mas Evidências apurou que as mesmas foram submetidas em tempo útil, ou seja, até o dia 07 de Setembro e o alegado erro só foi detectado e comunicado no dia 21, quando em condições normais o pagamento devia iniciar no dia seguinte (22). O Governo não quis mais uma vez assumir, mas continua a enfrentar uma grave crise de liquidez, que fez com que mais uma vez voltasse aos bancos para tentar se capitalizar através de Bilhetes de Tesouros, cavando ainda mais fundo o buraco da dívida pública interna que já estava acima do admissível.

Reginaldo Tchambule

O que antes era impensável na função pública, está agora a se tornar regra. Pela segunda vez consecutiva, os funcionários públicos voltaram a ter o dissabor de passar um feriado nacional, que calhou com um fim de semana longo, sem o seu santo salário, em virtude de mais um atraso e a justificação do Governo simplesmente não convence.

Tal como aconteceu no dia 25 de Junho do presente ano, em que os funcionários públicos passam o feriado sem dinheiro, desta vez o dia das Forças Armadas também foi cinzento para mais de 90 por cento dos funcionários públicos, pois o governo não conseguiu pagar os seus salários, que normalmente começam a cair nas contas a partir do dia 22 de cada mês.

O atraso dos salários comprometeu a festa de várias famílias moçambicanas chefiadas por funcionários públicos. Para passarem a festa e o fim-de-semana longo, muitos dos funcionários optaram por se endividarem nos agiotas e nos famosos contentores.

Armando Mangana, jovem de 32 anos de idades, seis dos quais inteiramente dedicados à educação, não esconde o descontentamento pelo facto de não ter recebido o salário a tempo e hora de fazer os seus programas.

“A situação não foi das melhores. A maioria dos meus amigos e familiares fizeram programas para Macaneta, Bilene ou Ponta do Ouro, mas eu não tive como, porque sequer sei quando é que o salário vai entrar e não queria me comprometer com diividas. Nos últimos meses já não há certeza da data do salário. Assim, é normal entrar no próximo mês”, desabafou, adiantando que “alguns colegas tiveram que ir aos agiotas para terem alguma coisa para alegrar as suas famílias”.

Segundo Mangana, há já colegas, sobretudo professores, que prometem se “vingar” nas urnas no dia 11 de Outubro.

“Mas daqui a nada vão precisar de nós para votarmos e garantirmos a vitória como MMVs. Já estamos cansados e este ano não vamos aceitar sermos usados”, desafafou.

Primeira vez que forças armadas passam 25 de Setembro sem salários

A situação foi de tal forma grave que até os donos da festa, os elementos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), passaram o seu feriado sem salários, facto que nunca aconteceu, o que afectou sobremaneira a sua moral, numa altura em que alguns se encontram em empenhamento em Cabo Delgado combatendo ferrozmentente o terrorismo.

“Não há nada. Nas Forças Armadas apenas uma minoria é que teve salários. Por exemplo, subunidade onde estou, estimo em 80% que até agora estamos sem salários. Os nossos governantes são insensíveis. Foi a primeira vez que passamos 25 de Junho e Setembro com problemas de salários.  Em 11 de serviço, excepto Junho de 2018, quando houve descoberta de mestrados falsos, que recebemos dia 28 de Junho”, desabafou um experiente militar com a patente de Sargento.

Outro militar, disse ao Evidências que depois de ter recebido o salário de Junho em Julho e o salario de Julho e Agosto de forma atempada, esperava que este mês a situação se mantivesse mas foi debalde.

“Quando no mês passado recebemos os salários dentro do tempo pensava que os problemas estavam esquecidos, mas parece que não. Nunca desde que me juntei as forças armadas celebramos nosso feriado sem salários, mas este ano é o segundo feriado. Como é que o militar vai estar moralizado assim?”, indagou.

MEF continua a não assumir crise de liquidez e alega haver erros nas folhas

A situação de atrasos salariais verifica-se de forma recorrente desde a introdução da Tabela Salarial Única (TSU) que veio se sobrecarregar o orçamento do Estado, levando o Governo a uma crise de liquidez sem precedentes, tal como o Evidências tem vindo a alertar desde Março passado, contudo, o Executivo de Filipe Nyusi continua sem assumir que não tem dinheiro para pagar a todos os funcionários de uma só vez, passando a adoptar um pagamento escalonado.

Em Julho passado, o Governo alegou problemas técnicos para justificar o atraso no pagamento dos salários de Junho. Na altura, a ministra da Administração e Função Pública, Ana Comoane, chegou a desdramatizar dizendo que não era mal nenhum os funcionários e agentes de Estado passarem o Dia da Independência sem salários.

Desta vez, o Governo volta a justificar o atraso alegando problemas de erros nas folhas de salário enviadas ao Ministério das Finanças. A informação foi transmitida às repartições de recursos humanos e finanças, mas não houve nenhum pronunciamento público formal sobre a falta de salários.

Segundo fontes do Evidências, o alegado erro só foi reportado na passada quinta-feira (21), ou seja, um dia antes do dia estipulado para os salários e o ministério dirigido por Max Tonela, que tem sido o rosto do descalabro das finanças públicas desde que substituiu no cargo Adriano Maleane, devolveu as folhas para alegada correção.

No entanto, esta justificação convence, mesmo que se assuma que haja erros, os mesmos não podiam afectar a quase totalidade dos funcionários públicos, como está a acontecer neste momento.

O Governo garantiu que o salário vai começar a cair nas contas dos funcionários e agente do Estado entre dias 26 de Setembro e 04 de Outubro, por sinal, outro feriado, desta feita do Dia da Paz. Quer isto dizer que o salário vai entrar depois de começar a campanha eleitoral.

Evidências apurou de uma fonte que conhece os meandros das finanças públicas que as folhas salariais, normalmente são submetidas até ao dia 07 de cada mês para permitir que o salário seja processado até ao dia 22, mas o alegado erro, que é usado para empurrar a crise com a barriga só foi supostamente reportado no dia 21, ou seja, passadas duas semanas, o que mostra que pode não ser necessariamente a verdadeira causa da falta de salários, mas sim a crise de liquidez que o Governo teima em não assumir.

Para além de salários, o Governo tem estado com dificuldades para pagar aos fornecedores de bens e serviços já facturados, uma coisa que não se via há décadas, afectando a capacidade do sector privado que tem o Estado como um dos principais clientes.

Um dos indícios mais evidentes desta crise é que o Governo voltou, na passada terça-feira, a recorrer aos bancos para poder emprestar dinheiro para fazer face a sua despesa. Numa única emissão de Bilhetes de Tesouro, através da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM) o Governo pretende contrair uma dívida de 3.509 milhões de meticais

Os títulos já foram totalmente comprados, com uma procura global de 4.369 milhões de meticais (63,8 milhões de euros), “tendo a relação procura e oferta sido de 124,51%, com a taxa mínima de 16,000% e a máxima de 21,000%”, numa operação com maturidade de 10 anos e taxa juro fixa de 16%.

O Governo continua a recorrer ao endividamento interno para pagar salários e outras despesas. Desde janeiro, através da bolsa de valores já contraiu uma dívida de 28.910 milhões de meticais em 14 emissões de Obrigações do Tesouro, tendo disponibilidade legal para emitir somente mais 7.738 milhões de meticais, dado o limite de 36.648 milhões de meticais.

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