Os desafios de políticas contra a insegurança alimentar

OPINIÃO

Luca Bussotti

A última personalidade influente, a nível mundial, a levantar a questão da insegurança alimentar no mundo foi Graça Machel, em ocasião da Conferência internacional “Visão 2030” sobre o sector primário, que ocorreu em Benguela (Angola) entre os dias 8 e 9 de Setembro deste ano. Um evento que não mereceu grande destaque na imprensa mundial, e a media moçambicana não foi excepção: poucas informações, uma cobertura tímida, escasso interesse. Entretanto, a questão da insegurança alimentar representa, hoje, um dos maiores problemas da humanidade, particularmente concentrada no contexto africano.

Por isso Graça Machel voltou a colocar este assunto na agenda internacional, a partir de um país, Angola, cuja pobreza aumentou, entre 2019 e 2022, de 35% para 44%, afectando, actualmente, quase metada da população daquele país. O World Food Program confirmou, em seus vários relatórios, a gravidade desta situação, que piorou drasticamente com a pandemia. Só nos 79 países em que esta organização trabalha, os dados revelam que existem, hoje, cerca de 350 milhões de pessoas a passar por elevados níveis de insegurança alimentar, mais do dobro, se comparadas com os dados de 2020. A relação entre fome e guerra é evidente: 70% das pessoas que vivem em insegurança alimentar residem em países em guerra ou que estão a experienciar situações de violência extrema. O segundo elemento tem a ver com a crise climática e com eventos naturais catastróficos, que destroem qualquer possibilidade de implementar actividades rentáveis no sector primário. Moçambique, deste ponto de vista, representa um exemplo paradigmático. Finalmente, o preço dos fertilizantes subiu a um ritmo até maior do que o preço dos próprios bens alimentares, tornando impossível a sua aquisição por parte de pequenos e médios agriculturores, sem uma ajuda pública. Na Europa, Eurostat revelou que, em 2023, 8,3% das famílias de países da União Europeia não consegue come um prato com carne ou peixe a cada dois dias. Num país como a Itália 15% das pessoas são clasificadas como sendo pobres, ao passo que Portugal vê mais de 22% da sua população vivendo em risco de pobreza ou exclusão social.

Diante deste cenário catastrófico, as palavras de Graça Machel adquirem ainda mais actualidade: entretanto, são raríssimos os governantes que, a nível mundial, fazem da luta contra a pobreza e a fome um dos pontos principais da sua agenda política. Se trataria de uma abordagem revolucionária, pois colocaria o tema de redistribuição imediata da riqueza e de políticas de welfare state como prioridade. Uma escolha que, no cenário internacional, o presidente brasileiro Lula da Silva tem enfatizado desde o seu primeiro dia de presidência, despertando seus parceiros internacionais sobre um tema tão dramático e actual. No dia 19 deste mês, no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula tem recordado que existem no mundo cerca de 735 milhões de pessoas com problemas de insegurança alimentar, e que uma das formas para que os estados tenham capacidade redustributiva seria de implementar sistemas tributários mais justos, em que os mais ricos pagam mais, em benefício dos mais pobres. Sistemas tributários que, além de serem mais justos, devem ser mais transparentes, superando práticas de corrupção que só afectam os mais desfavorecidos.

A questão da tributação é muito delicada, sobretudo para aqueles países governados por elites políticas de inspiração neoliberal, independentemente da cor política oficial do executivo. Infelizmente, a história do sistema-mundo contemporâneo já revelou há muito tempo que os “mecanismos automáticos” não existem, e que mesmo num país que produz muita riqueza sempre haverá uma fatia significativa da população excluída e pobre, a que as instituições públicas terão de garantir ajuda e assistência. A questão fiscal, portanto, representa um nó essencial para que se possa iniciar um combate sério à fome no mundo. Os países africanos são os mais afectados pela pobreza; Moçambique, segundo a UNECA, está entre os 10 países mais pobres da África, apesar dos seus imensos recursos minerários e a disponibilidade de terra haravél e fértil. Aqui também, porém, a questão da colecta de impostos e da sua redistribuição está a se tornar assunto muito sério, que nenhum partido político parece querer enfrentar de forma credível e com propostas concretas. Se formos a ver as campanhas eleitorais, incluindo a actual para as eleições autárquicas, o foco do discurso assenta numa abordagem fundamentalmente “quantitativa” da administração pública, tipo: “mais estradas, mais hospitais, mais escolas”. Entretanto, ninguém coloca a questão de fundo: onde ir buscar estes recursos? Quem é que vai financiar as tais obras públicas tão necessárias? E como a população em desvantagem poderá sair da condição de miséria em que se encontra?

Talvez iniciando a colocar tais questões, a agenda política poderá se tornar um pouco menos vazia e um pouco mais concreta, em benefício acima de tudo das populações mais necessitadas mas, no geral, dos cidadãos no seu todo: um Estado e municípios mais justos e eficientes representariam uma mais-valia para todos os Moçambicanos.

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