Alexandre Chiure
Em períodos eleitorais como o presente, brinda-se o cidadão com cada coisas. Não se tomam decisões, sobretudo quando estas são consideradas impopulares ou têm que recair sobre processos julgados polémicos. Deixam cair posturas camarárias e cria-se um ambiente de total ausência de governo. Em suma há uma tolerância fora de comum.
E mais. Por essas alturas, os dirigentes são receptivos à satisfação dos pedidos dos cidadãos numa atenção pouco vulgar e próprio para momentos destes, pelo menos de hoje até à tomada de posse dos órgãos autárquicos a saírem destas eleições.
A vida é assim de cinco em cinco anos em Moçambique. Trabalha-se em função de interesses eleitorais e não para resolver problemas que apoquentam as populações ou para disciplinar certas práticas sem olhar para o período em que estamos, se é eleitoral ou não.
Em Maputo, por exemplo, o município está bonzinho demais nestes dias. Compreende-se porquê. O voto. Parou de perseguir vendedores ambulantes e estes vendem onde quiser. Já não bloqueia carros mal estacionados. A situação é tal que os automobilistas parqueiam mesmo nas passadeiras.
Como se isso não bastasse, o município suspendeu momentaneamente a cobrança da taxa de estacionamento de veículos em espaços marcados para o efeito. Esta é prova evidente de que estamos perante governos que trabalham para fins eleitorais e não propriamente para cumprir a sua missão até ao fim do mandato.
E porque falamos de eleições, os principais adversários da Frelimo neste pleito eleitoral das autárquicas são mais do que os partidos políticos da oposição. É verdade que o partido tem o desafio de resgatar os nove municípios que estão nas mãos da Renamo (oito) e MDM (um) e não deixar escapar nenhum dos 44 sob seu controlo, o que a acontecer será o fim da democracia e o regresso do país ao regime de partido único. São os casos da Beira, Quelimane, Nampula, Ilha de Moçambique, Cuamba, Chiure, entre outros.
Mas mais do que isso terá de encontrar um discurso que possa transmitir o conforto aos eleitores ante o descontentamento generalizado do público devido ao elevado custo de vida e dos funcionários de Estado, sobretudo professores, polícias, militares, profissionais da saúde, incluindo médicos, cujos cadernos reivindicativos ainda não foram satisfeitos pelo governo, após a suspensão das sua greves.
Estou a referir-me concretamente à Tabela Salarial Única (TSU) e os problemas de enquadramento dos funcionários que até hoje não tiveram uma solução satisfatória. Os retroactivos de dois ou mais meses que não foram pagos até agora à polícia e a alguns membros das FADM. A contínua redução de salários e sistemático atraso no seu pagamento sem qualquer explicação.
As dívidas ocultas, envolvendo figuras de nomenclatura política e governamental, a corrupção que se tornou uma forma de ser e estar nas instituições públicas são outras situações que não abonam o partido de batuque e maçaroca e que, aliado aos 48 anos no poder, concorrem para o desgaste da sua imagem e à impopularidade.
O partido no poder terá de convencer, nesta campanha eleitoral, aos eleitores, nos 65 municípios, de que, apesar de todos estes problemas, merece um voto de confiança para continuar a governar nas 44 autarquias e, provavelmente, ficar com algumas das que estão nas mãos da oposição, nomeadamente as cobiçadas cidades da Beira, Quelimane, Nampula e outras.
Enquanto isto, para a oposição, o seu principal adversário político é a Frelimo, mas não só. Está claro que o desafio é de manter nos municípios conquistados em 2018 e tentar arrebatar alguns dos 44 que estão nas mãos do partido que sustenta o governo.
Mas mais do que a Frelimo, a oposição tem outros adversários a não desprezar. Trata-se do nível de organização interna que não tem sido bom. A capacidade de gestão e controlo do próprio processo eleitoral em si que em cada pleito eleitoral deixa muito a desejar. A falta de recursos financeiros para garantir uma logística à altura de processos destes. A disponibilidade de fundos para a produção e distribuição de materiais de comunicação relativas à campanha eleitoral.
Dado a esta situação, a maior parte dos partidos não consegue sequer se fazer representar em todas as assembleias de voto, cuja fiscalização ou monitoria é crucial, o que é uma fragilidade. É que os resultados eleitorais começam a ser desenhados a partir daqui e é onde todos os actores políticos devem estar presentes sob risco de ocorrência de algumas irregularidades ou ilícitos eleitorais.
Era suposto, pelo menos, que a Renamo e o MDM estivessem num outro patamar em termos organizacionais, sendo que estão no parlamento e beneficiam de fundos do Estado para desenvolver actividades políticas, cujo valor é proporcional ao número de assentos, o que não me parece. As fraquezas são quase as mesmas dos restantes partidos da oposição, com a excepção de um e outro pormenor.
Quando a Renamo e o MDM estão representados, geralmente há problemas logísticos. Os seus homens não têm tido assistência adequada, o que leva ao abandono dos postos de votação e, consequentemente, ao descontrolo do processo. Este é um problema financeiro, mas também de organização.
O outro grande adversário da oposição é a falta de domínio do pacote eleitoral por parte das formações políticas da oposição. Não consegue organizar um expediente, com cabeça, troco e membros, a apresentar a um tribunal a denunciar irregularidades ou ilícitos eleitorais. Às vezes são os prazos estabelecidos por lei que não cumpre, votando as suas petições à rejeição perante a justiça.
Apesar de consciente das fragilidades que tem, não vemos coligações constituídas pelo menos para efeitos de fiscalização das mesas ou assembleias de voto. Não há uma união de forças para tal. Cada partido opta por trabalhar sozinho.
A oposição tem, nesta campanha eleitoral, a tarefa de convencer os potenciais eleitores de que constitui uma alternativa à Frelimo.
Traçado que está o quadro político do país, os religiosos diriam “vamos entregar tudo nas mãos de Deus”. Eu prefiro dizer “vamos entregar tudo nas mãos dos eleitores” para que façam melhor juízo na boca das urnas. Boa sorte a todos!
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