Clean África acusada de promover trabalho escravo na Cidade de Maputo

SOCIEDADE
  • Empresa maltrata e intimida trabalhadores
  • Funcionários recebiam um salário em cada dois meses e quando reclamaram foram suspensos
  • Virou moda trabalhar e não receber nada durante o período probatório na Clean África
  • Clean África diz que não resolve assuntos internos na imprensa

Os colaboradores da empresa de limpeza Clean África estão de costas voltadas com a direcção da mesma devido a supostos maus tratos. Para além dos recorrentes atrasos no pagamento de salários, os trabalhadores denunciam que são alvos de intimidações protagonizadas pelo patronato. Depois de alguns anos aconchegados no conformismo, alguns trabalhadores decidiram confrontar a direcção da empresa sobre o seu modus operandi. No entanto, ao invés de procurar resolver o imbróglio com os queixosos, a empresa pautou pela arrogância e despediu os insatisfeitos, que por sua vez levaram o caso ao Ministério do Trabalho e Segurança Social. Na instituição liderada por Margarida Talapa, os colaboradores saíram vitoriosos, uma vez que a Inspecção Geral do Trabalho (IGT) decidiu que a Clean África devia indemnizá-los, mas ao invés de cumprir a decisão do IGT decidiu readmitir os trabalhadores, sendo que os mesmos voltaram ao cenário de escravatura e intimidações. Fatigados com o comportamento dos responsáveis daquela firma, os trabalhadores reivindicaram e foram, mais uma vez, escorraçados com a promessa de pagamento de salários atrasados e as respectivas indemnizações, mas até hoje não viram a cor do dinheiro. Evidências apurou que aquela empresa que presta serviços, dentre outras, ao Conselho Municipal de Maputo, tem estado a enfrentar dificuldades financeiras, ao ponto de não dispor de meios para a recolha de lixo na cidade. Contactada para contar a sua versão dos factos, a Clean África preferiu se fechar em copas.

Duarte Sitoe

Reina um ambiente de cortar à faca entre a direcção da Clean África e os colaboradores da empresa. Salários em atraso, falta de contratos de trabalho, maus tratos, despedimentos sem justa causa e recorrentes promessas não cumpridas estão na origem do imbróglio entre as duas partes.

Uma investigação do Evidências apurou que a Clean África está a atravessar um período de dificuldades financeiras a ponto de não ter equipamentos para continuar a garantir uma efectiva recolha de lixo na cidade de Maputo nos pontos a si adestritos, fazendo com que os contentores andassem abarrotados de lixo, o que levou, no último fim de semana, o Conselho Municipal a recorrer aos serviços de uma outra empresa para recolher lixo na Ka-Tembe e Chamanculo. Mas a empresa continua a gerir a sua crise de forma sorrateira e quem mais sofre são os trabalhadores.

Segundo os queixosos, aquando da admissão naquela empresa, a direcção da Clean África fez um mar de promessas, mas para o espanto dos mesmos o grosso das promessas ainda não foram cumpridas.

Um colaborador, que preferiu se identificar pelo nome de Manel, contou uma parte do drama que viveu antes de ser suspenso sem justa causa.

“O problema começou em Junho do corrente ano, quando nos deram acordo revogatório. Entendemos que esse acordo não era justo. Primeiramente, éramos três funcionários, pedimos que ajustassem os pontos críticos, visto que nos cortaram um ano de férias. Fomos ignorados e começaram a criar esse alvoroço. Depois disso, colocaram-me num posto com péssimas condições”, contou Manel, para posteriormente referir que decidiu levar o caso ao Ministério do Trabalho para reivindicar o tratamento degradante.

“Sou técnico de limpeza e a Clean África me alocou num posto que parecia um rio. Reclamei, ao invés de ver o meu assunto resolvido fui suspenso. Perante esta situação, vi-me obrigado a meter uma queixa na Inspecção Geral do Trabalho (IGT) que delegou um técnico para ir ao terreno para se inteirar das condições desumanas que erramos sujeitos e concluiu que aquele posto devia ser fechado, mesmo depois da empresa garantir que ia comprar equipamentos adequados. Estranhamente, volvidos alguns dias depois da decisão de fechar o posto, a IGT decidiu recuar da sua decisão e afirmou que tinha que abandonar a empresa e que para tal tinha que ser indemnizado, mas exigi a carta de rescisão e a empresa disse que tinha que continuar a trabalhar”, relata.

Já virou hábito trabalhar três meses e não receber na Clean África

Ciente dos maus tratos que ia passar no seu regresso à Clean África, Manel pediu que a rogativa tivesse que ser por escrito. Apesar de terem recebido uma nota oficial, Manel e companhia voltaram a enfrentar o mesmo dilema de sempre, ou seja, não foram contemplados na folha de salários.

“Voltamos ao trabalho, mas não recebemos salários. Perante ao que estava a acontecer, avisamos a empresa que iriamos organizar uma manifestação para exigir os nossos direitos, sendo que antes submetemos a carta ao Conselho Municipal, mas quando chegou o dia criaram situações que não têm nada ver e chamaram a polícia. Felizmente, a polícia viu que não cometemos nenhuma infracção. Depois da manifestação disseram que iam pagar dois salários. Pagaram apenas um e ficamos insatisfeitos porque tínhamos muitas dívidas por pagar. Voltamos a manifestar e os vigilantes agrediram um dos nossos colegas. No dia seguinte meteram o salário em falta e fomos suspensos”, relata.

O porta-voz de um grupo composto por mais de uma dezena de trabalhadores que conversou com o Evidências conta que não foram dados oportunidade de responder a nota de culpa, apenas foram despedidos.

“E quando perceberam que íamos levar a carta às instâncias superiores pediram que voltássemos a trabalhar, mas tínhamos que pedir desculpas. Não aceitamos e, por isso, continuamos suspensos. Eu já não quero trabalhar e vou até às últimas consequências para exigir os meus direitos. Eles violam a Lei do Trabalho em vigor no país, e pedimos a quem de direito para travar esses colonos disfarçados de moçambicanos”, desabafa.

Empresa não pagava salários aos trabalhadores durante período probatório

Para fazer parte do quadro de pessoal da Clean África, os colaboradores passam por um período probatório de três meses, no qual são prometidos um subsídio mensal de 8. 218 meticais. No entanto, poucos funcionários que passaram por aquela empresa que fornece serviços de lavandaria e limpeza viram a cor do referido subsídio.

Marta Magaia faz parte do rol dos trabalhadores que forneceram serviços a Clean África na esperança de ser admitida no final do período probatório, porém, para o seu azar, para além de não ser admitida não viu a cor do dinheiro, a não ser o subsídio dos primeiros 15 dias.

“Começamos a trabalhar no dia 17 de Junho, e no dia 03 de Julho recebemos o salário referente aos primeiros 15 dias. Continuamos a trabalhar e no final do mês não vimos a cor do dinheiro. Não fomos informados os porquês de não receber, e mesmo com isso continuamos a trabalhar no posto dos Aeroportos de Moçambique. No final de Agosto recebemos a informação de que tínhamos que sair do Aeroporto no dia 10 de Agosto, mas ainda sem nenhum salário.  Eu sou mãe e pai dos meus filhos. Me dói não ter nada para dar aos meus filhos enquanto todos os dias saio para trabalhar”, denunciou.

Os trabalhadores dizem ter até medo de usar certos caminhos na zona por receio de serem cobrados as dívidas enquanto não recebem salários há quase três meses.

“Quando atrasamos cortam-nos salários, mas agora que são eles nada vai acontecer. Estou há três meses a trabalhar e ainda não vi retorno. Tenho muitas dívidas por pagar e não quero nada além do meu salário”, denunciou outra trabalhadora visivelmente agastada com a situação.

Depois de um período probatório no qual não recebeu qualquer centavo, Enoque Gabriel teve a sorte de ser admitido, mas os meses que se seguiram foram um autêntico calvário, visto que recebia um salário a cada dois meses.

“Quando chegava o final do mês diziam que não tinham dinheiro para pagar salários. Entre Junho e Agosto só recebemos um salário. Eu, particularmente, vivo numa casa de aluguer e a dona ameaça me expulsar porque estou a meses sem pagar rendas. Quando reivindicamos o nosso salário nos fizeram assinar contratos e disseram que tinham que parar. Isso tem sido recorrente nesta empresa, os moçambicanos estão a sofrer no seu próprio país. Estamos frustrados perante esta situação e vamos continuar a lutar pelos nossos direitos”, destaca.

Prosseguindo, Gabriel declarou que os colaboradores que foram suspensos da Clean África não vão baixar a guarda antes de receber o que lhes é de direito, adiantando que depois do Ministério de Trabalho e Segurança Social os queixosos vão escalar o Gabinete do Provedor de Justiça.

Clean África ignora Evidências alegando que não resolve assuntos internos na imprensa  

Contactada pelo Evidências para contar a sua versão dos factos, a Clean África preferiu se fechar em copas. Aliás, inicialmente, a empresa disse que ia delegar alguém para falar do assunto, mas depois de muita insistência recebemos a informação de que a agência de lavandaria e limpeza prefere se manter no silêncio quando se trata de queixas dos colaboradores nos órgãos de comunicação social.

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