- Polícia já posicionou “jagunços” e começou a intimidar oposição
- Dia D irá determinar a sobrevivência do MDM, com a Frelimo a explorar a invisibilidade da Renamo na Beira
- Frelimo está ciente do erro cometido em Maputo, mas não está preparada para perder
Os 8,7 milhões de eleitores reservaram esta segunda (9) e terça-feira (10) para reflectir nas propostas apresentadas pelos 11 partidos e coligações que concorrem para as sextas eleições municipais, depois de 13 dias de uma campanha eleitoral nada pacífica. A previsão é de uma quarta-feira agitada, com crises pós-eleitorais nos municípios estratégicos, principalmente em Maputo, onde a Frelimo cometeu erro de cálculo ao colocar Razaque Manhique, e é quase consensual dentro do partido que a possibilidade da perda é maior. Caso contrário terá de recorrer a tradicionais arranjos fraudulentos para manter o poder. Mas a batalha maior será na Beira, onde reside a última esperança do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que se mostrou incapaz de revitalizar-se no decurso da campanha. Por outro lado, a Renamo, principal partido de oposição, não foi capaz de aproveitar a crise na Frelimo, cujo ponto mais alto foi a ausência de grandes nomes durante a campanha.
Nelson Mucandze
O dia da votação irá decorrer num contexto de muitas incertezas, com feridas abertas no decurso da campanha eleitoral ainda longe de sarar e com partidos políticos extremamente frágeis, depois de uma campanha que não ocultou a crise, tanto na Frelimo, que se socorreu dos meios do Estado e no velho truque de transportar pessoas de distritos não eleitorais para inflacionar auditórios, assim como da oposição, que continua a ter muito para se queixar de si mesmo.
Nesta quarta-feira (11 de Outubro), serão votados os futuros edis para as 65 autarquias, de cerca de 11.500 candidatos provenientes de 11 partidos, três coligações e oito grupos de cidadãos.
São grupos e candidatos que, pelos incidentes reportados, não se mostraram capazes de conduzir uma campanha ordeira e pacífica que imprima credibilidade e transparência eleitoral. Os meios do Estado foram usados pela Frelimo e a polícia chegou a assumir uma postura parcial, e há ordens, no dia da votação, para que essa postura persista, o que pode desencadear uma crise pós-eleitoral.
Aliás, no último dia da campanha foram relatados vários episódios de excessos da polícia na actuação contra a oposição, em muitos municípios.
Mas o evento mais dramático aconteceu no último sábado (07), no Município de Nacala-Porto, província de Nampula, quando membros e simpatizantes da Frelimo perpetraram actos flagrantes de violência eleitoral. Tudo começou por volta das 10h, quando uma caravana da Frelimo se cruzou com uma outra do partido Renamo.
De acordo com observadores do Consórcio Eleitoral Mais Integridade, que seguiam a campanha da Renamo, os membros e simpatizantes da Frelimo traziam, nas viaturas, pedras que, no momento do cruzamento com a Renamo, começaram a atirar contra apoiantes e simpatizantes deste último partido.
A situação gerou um caos até que a Polícia que acompanhava as duas comitivas se viu obrigada a intervir para amainar os ânimos. Mas porque a situação se tornava cada vez mais incontrolável, com a população a agitar-se contra os actos da Frelimo, foi necessário solicitar reforço, que veio da Unidade de Intervenção Rápida (UIR). Os homens da UIR tiveram de usar gás lacrimogéneo para amainar os ânimos.
Depois destes actos, reportam os observadores, os apoiantes da Frelimo levaram, à força, até à sua sede, um dos apoiantes da Renamo. Chegados ao local, o indivíduo em causa foi violentamente chamboqueado por simpatizantes da Frelimo, até ficar inconsciente. Imagens partilhadas mostram o indivíduo com ferimentos e a sangrar num dos pés.
No mesmo dia, em Quelimane, a deputada da Assembleia da República, Ivone Soares, denunciou intimidação perpetrada por um grupo policial fortemente armado quando fazia campanha naquele círculo eleitoral.
“Querem abrir minhas malas, querem abrir minha porta íntima, querem abrir pastas pessoais (…) não sei em que país estamos, estou a fazer essa denúncia porque estou agastada, estou a fazer minha actividade da campanha”, disse Soares, denunciando excesso de zelo da polícia. “Não sei qual é a necessidade de ser perseguido dessa forma, o facto de ser da oposição não faz com que ninguém” seja limitado de fazer o trabalho político, desabafou a parlamentar.
Nos 13 dias da campanha, relatos idênticos foram frequentes em quase todo o país, não apenas pela Renamo, mas também pelo MDM em Sofala, Amigos e Simpatizantes de Mocímboa da Praia (Umoja), em Cabo Delgado, entre outros partidos políticos e grupos de cidadãos.
Sinais perigosos que fazem antever crise pós-eleitoral
Além daquele contexto externo há que ter em conta que o processo eleitoral irá decorrer num contexto em que os próprios actores primários, os partidos políticos, se encontram aparentemente esgotados e mergulhados em crises internas, apesar dos esforços de vender uma narrativa de coesão.
A crise dos partidos políticos nunca se mostrou mais evidente, desde crises internas até as crises de adaptação para um novo eleitor, mais exigente e não limitado a ofertas de camisetes ou capulanas, como a Frelimo está habituado. Mas a um eleitor que pergunta expressamente quais os planos de governação e chega a propor um debate televisivo entre os candidatos para escrutinar os planos de governação, um modelo peremptoriamente recusado pelo maior partido do país, que pela primeira vez na sua história teve uma campanha marcada pela ausência de figuras tradicionais. Os mais moderados optam por argumentar que é a ascensão de jovens, uma afirmação que tenta esconder o quadro de uma Frelimo menos coesa.
Divisões internas e uma liderança fechada à crítica estiveram por detrás de uma campanha menos mobilizadora, de um partido que sempre conseguiu mobilizar-se em períodos eleitorais. A mobilização não se limita a grande participação dos seus membros e de maior exposição de figuras históricas, mas a grandes financiamentos de figuras low profile, mas contrariando a habitual realidade de empresários e famílias frelimilistas que chegam a fazer cheque de milhões, a crise era palpável.
Se até a Frelimo que mesmo com recurso aos meios do Estado não conseguiu esconder a crise, havendo casos em que tentou ocultar a matrícula de uma viatura do Estado para não ser exposta, na oposição, o cenário foi mais sério, tendo se notado a falta de bandeiras e camisetes.
Joga-se pelo tudo ou nada
Este cenário é conjugado, do lado da Frelimo, com fortes erros de cálculo, ao indicar figuras pouco conhecidas e sem competência e liderança comprovada para municípios estratégicos como Quelimane, Nampula, Matola e Maputo. No caso deste último, em alguns corredores, o partido mostra-se ciente do erro nos cálculos, mas não está preparado para perder, o que sugere que pode recorrer aos tradicionais meios fraudulentos para manter-se na capital.
Este foi o município onde os simpatizantes da Frelimo foram insultados de ladrões quando faziam campanha. É que a capital é a única a ressentir dos efeitos negativos da governação central e municipal, e o cenário é mais dramático quando as duas governações produzem mais efeitos negativos.
Em Nampula, o maior partido fez muitos planos fechados, mas esta é uma província onde existem um velho dilema, de não se saber quem efectivamente apoia quem. A perda seria a segunda derrota depois da renúncia de Manuel Rodrigues. Enquanto que em Quelimane é quase certa a vitória da Renamo.
O maior campo de batalha será na Beira. Stela Zeca não se mostrou optimista quando foi indicada para liderar a lista da Frelimo, o que coloca maior responsabilidade à Frelimo que a cabeça-de-lista. Mas, o MDM tem na Beira seu único reduto de sobrevivência, qualquer derrota reduz Lutero Simango e anula aquele partido do xadrez político. Em termos de posicionamento em Sofala, a Renamo está na cauda e o seu candidato esteve quase solitário na campanha eleitoral.
Cenário diferente aconteceu na Matola, onde a Renamo está forte e perto da vitória. Mas é uma cidade em que a Frelimo não aceita perder, como se verificou nas últimas eleições, em que António Muchanga saiu quase vitorioso, uma segunda derrota a este candidato não seria nada prestigioso.
Chichava antevê período pós-eleitoral sem violência, mesmo depois da campanha eleitoral turbulenta
Os episódios registados durante a campanha fizeram soar alarmes sobre uma possível escalada da onda de violência em alguns municípios depois da proclamação dos resultados. No entanto, o analista político e director do Instituto dos Estudos Sociais e Económicos (IESE), Sérgio Chichava, acredita que não haverá conflitos depois das Eleições Autárquicas mesmo nos municípios que estão nas mãos da oposição e que a Frelimo vai fazer de tudo para recuperá-los.
O director do Instituto dos Estudos Sociais e Económicos (IESE) observa que o país, mesmo em momentos de tensão política, nunca teve situações de confusão, greve ou de alto nível de violência, e por isso não prevê turbulências no período pós-eleitoral.
“Não prevejo violência de alto nível porque a experiência das eleições moçambicanas mostra que nós não temos tido violência de alto nível, temos, algumas vezes, alguns focos de violência que tem resultado em feridos e algumas mortes, mas nada comparado com as eleições dos outros países. E, portanto, olhando para o historial de Moçambique, nós já tivemos momentos em que poderíamos ter tido eleições violentas porque o contexto político, as conjunturas políticas eram muito tensas, com um nível de rivalidade bastante forte entre o partido Frelimo e a Renamo, mas neste momento, embora haja tensão, não prevejo grandes problemas”, disse Sérgio Chichava
No entanto, Chichava admite que pode haver uma relativa tensão nos municípios governados pela oposição, ou seja, Nampula, Beira e Quelimane, que a Frelimo quer recuperar a todo custo.
“O que podemos ter logo após o anúncio dos resultados, particularmente nos municípios governados pela oposição em que a Frelimo quer a todo custo ganhar, são alguns momentos de certa violência, mas nada grave. Olhando para o prognóstico em termos de resultados, acho que não há nada a dizer porque acho que todo mundo sabe que a Frelimo vai ganhar, só não se sabe o que vai acontecer nalguns municípios governados pela oposição, mas tudo indica que na Beira, Quelimane e Nampula a oposição vai ficar com o poder, e, portanto, vai renovar o mandato, a não ser que haja uma reviravolta de 360°. Não acredito que a Frelimo possa ganhar, pelo menos nesses municípios”, adverte.
O director do Instituto dos Estudos Sociais e Económicos (IESE) observa, por outro lado, que os partidos políticos, sobretudo os da oposição, vão apelar aos seus membros e simpatizantes para se dirigirem às urnas de forma pacífica e ordeira, de modo a evitar possíveis situações de violência.
“Por aquilo que eu sei das eleições em Moçambique, os do MDM e da RENAMO vão dizer que votem e fiquem de olhos, não se deixem ser roubados. E também os partidos vão apelar para que não haja violência, para que haja votação de forma ordeira e pacífica, pois não há nenhum partido, que eu saiba, que está interessado em violência, o que acontece é que há uma certa tensão porque alguns pensam que estão a ser roubados, há falsificação dos cadernos, há fraudes antecipadas, daí que isso tem levado a alguma tensão, mas globalmente penso que o nosso campo político é um pouco menos violento quando comparado com outros países africanos”, declarou.
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