Raimundo Diomba retirou DUAT a um cidadão e atribui o terreno a si mesmo quando ainda era governador

DESTAQUE POLÍTICA
  • Tribunal Administrativo trava apetite de ex-governador por um terreno na praia
  • Construiu casa de férias e depois distribuiu espaços entre camaradas e membros do Governo
  • Técnicos do SDPI viram oportunidade para venderem terrenos com recursos a DUATs falsos
  • Tribunal Distrital de Matutuine impávido para travar construções ilegais na parcela 312

Após cessar o cargo de governador de Maputo, que encerrava um ciclo de 15 anos anos nas mesmas funções com passagens por Niassa e Gaza, Raimundo Diomba recusou-se a abandonar, durante largos meses, a casa protocolar que ocupava num condomínio, alegando que não tinha onde morar. Quem ouviu este discurso pode ter pensado que este não acumulou bens durante o seu reinado, mas não é bem assim. Novos desenvolvimentos indicam que, afinal, durante o tempo em que serviu como governador em Maputo chegou a usurpar terras de cidadãos pacatos. Uma dessas parcelas está registada sob o número 312 e localiza-se na localidade de Katembe N’sime, no Distrito de Matutuine, tendo usado da sua qualidade enquanto dirigente máximo da província para revogar o Título de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) ao legítimo proprietário, Lourenço Matsinhe, alegando que o mesmo estava a vender terrenos. Inconformado, Matsinhe recorreu ao Tribunal Administrativo (TA), que decidiu anular a decisão do então Governador da Província de Maputo, que por sua vez não se conformou e submeteu um recurso, mas não logrou porque o TA concluiu que Raimundo Diomba não trouxe provas da alegada venda ilegal de terrenos.

Duarte Sitoe

A província de Maputo sempre foi um “solo” fértil no que à disputa de terras diz respeito. No entanto, poucos moçambicanos sabiam que mesmo as altas elites do partido no poder estão envolvidas neste esquema que visa tirar terras aos pobres em prol dos que têm mais influência no seio da Frelimo.

O pintor Lourenço Matsinhe é dono da parcela 312, localizada na localidade de Katembe N’sime, no Distrito de Matutuine. Por se tratar de um espaço que cita perto da praia, a parcela 312 aguçou o apetite dos ditos “tubarões” do partido no poder.

Com vista a retirar a Matsinhe o Título de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) que lhe foi concedido pelo Governo da Província de Maputo, Raimundo Diomba alegou que o legítimo proprietário cometeu o crime de vender espaços na referida parcela.

Usou o poder para usurpar terreno e depois atribuiu-se a si mesmo

Depois de intentar a acção para retirar o DUAT a Matsinhe, o actual chefe Adjunto da Brigada Central de Assistência e Apoio à Província do Niassa e membro do Comité Central do Partido Frelimo atribuiu a si próprio uma parcela de três hectares com vista ao mar.

No local, em tempo recorde construiu uma casa de férias e distribuiu outros espaços aos membros do Governo provincial, assim como para altos quadros da Frelimo.

Enquanto o povo que dirigia na província de Maputo clamava por vias de acesso, Diomba serviu-se do seu cargo para desviar uma janela de investimento para a construção de uma estrada que dá acesso à praia, passando por sua casa de férias.

Diomba desistiu depois de duas copiosas derrotas no Tribunal

Inconformado pela forma como lhe foi retirada a sua parcela, o legítimo proprietário, Lourenco Matsinhe, intentou uma acção no Tribunal Administrativo da Província de Maputo com o claro propósito de travar a usurpação do seu espaço.

A Primeira Secção do Tribunal Administrativo da Província de Maputo, através do Acórdão 49/ 2019 Primeira Secção e Plenário 65/2021, a que o Evidências teve acesso, julgou procedente o recurso de agravo intentado pelo proprietário do espaço, contra o homem que ocupou o cargo de Governador durante 15 anos tinha que conceder um DUAT definitivo ao titular da parcela de mais de 100 hectares.

“Analisando o pedido (a revogação do despacho do Governador) e a causa de pedir (a alegada ilegalidade do mesmo despacho, verifica-se que a eventual prática de ilicitude, de índole criminal, não interfere na análise do procedimento administrativo, tanto é assim que, legalmente, não constitui requisito para a revogação administrativa de DUAT. Deste modo, não sendo consistente a razão de sobrestar, em segunda instância, acordam os Juízes Conselheiros da Secção em julgar procedente o recurso de agravo intentado por Inácio Matsinhe, revogando, em consequência, a decisão do Acórdão n° 3/2018, de 3 de Abril, na parte em que o Tribunal sobresta a apreciação e decisão do mérito do processo n° 40/2017 e mandando baixar os autos para efeitos do disposto no n° 2 do artigo 173 da LPPA”, lê-se no Acórdão do Tribunal Administrativo datado de 14 de Maio de 2019.

Insatisfeito com a decisão da Primeira Secção do Tribunal Administrativo, Raimundo Diomba interpôs um recurso de apelação ao mesmo Tribunal. No entanto, o mandatário judicial de Diomba não subscreveu as alegações do recurso, mesmo depois de ser devidamente notificado para o efeito.

Diomba tentou recorrer da decisão

Na ausência das referidas alegações, baseando-se nos termos do n° 2 do citado artigo 690, conjugado com o n° 1 do artigo 292, ambos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 2 da LPPAC, o TA julgou o recurso deserto.

“Nestes termos, e acolhendo a promoção do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, os Juízes Conselheiros deste Tribunal, reunidos em plenário, acordam em declarar deserto o recurso de apelação interposto pelo Governador da Província de Maputo, ao abrigo da conjugação no n°2 do artigo 690 e primeira parte do n° 1 do artigo 292, pela falta de subscrição das alegações pelo advogado devidamente constituído e, consequentemente, a extinção da instância, nos termos previstos na alínea c) do artigo 287, todos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 2 da Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro”, refere o Acórdão n° 65/2021 datado de Julho de 2022.

No entanto, mesmo depois da decisão do Tribunal Administrativo, Diomba e seus camaradas não abandonaram as terras ilegalmente ocupadas e Matsinhe tem sido alvo de ameaças de morte por parte de alguns cidadãos que se intitulam nativos e, por outro lado, de alguns quadros seniores do partido no poder sob o olhar impávido do Serviço Distrital de Planeamento e Infraestruturas (SDPI) do distrito de Matutuine.

A decisão do Tribunal não só desagradou ao antigo governador, como também aos técnicos SDPI daquele distrito da Província de Maputo, que tinham visto na ilegal revogação do referido DUAT uma oportunidade para venderem espaços, com recursos a DUATs falsos, sendo que neste momento há obras em curso na parcela pertencente a Inácio Matsinhe.

Refira-se que há 20 anos que Inácio Matsinhe reclama a titularidade a Parcela 312, localizada na Katembe N’sime, no Distrito de Matutuine, província de Maputo, com propósito de cumprir o sonho de construir uma cidadela cultural chamada Centro da Kultura Zémalaia.

O Evidências sabe que o assunto das construções ilegais já deu entrada no Gabinete da Procuradora Distrital, Margarida Paúnde, mas a mesma ainda não fez nada para travar desmandos e construções ilegais na Parcela 312, alegadamente devido ao envolvimento de figuras influentes no esquema.

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