Roubar “até o osso” pode ser uma estratégia de desestabilização para manutenção no poder

DESTAQUE POLÍTICA
  • Ossufo Momade alinha com sociedade civil e diz que está a ser empurrado à guerra
  • Tribunais reconhecem vícios que afectam resultados e anulam eleições em Cuamba e Chókwè

Está a ficar cada vez mais cristalino que a fraude foi exagerada e há uma Frelimo que reconhece e atira a responsabilidade para ala Nyusi, que mostrou apego ao poder quando ensaiou golpe constitucional para acomodar um terceiro mandato. Depois da fraude, Maputo e Matola transformaram-se num barril de pólvora, o medo tem cor e há receios de eclosão de novos conflitos, que na interpretação de observadores em Maputo podem abrir espaço para ala Nyusi adiar as eleições em 2024 e realizar a tão sonhada permanência no poder. Mas como Castigo Langa já tinha alertado, isso seria à custa do derramamento do sangue dos moçambicanos. Além da sociedade civil, Ossufo Momade alinha e diz que “a mega fraude, a manipulação dos resultados eleitorais visam criar um ambiente de guerra para o senhor Filipe Jacinto Nyusi e o partido Frelimo manter-se no poder ilegitimamente”.

 

A operação foi exposta e os tribunais cuja separação de poderes e imparcialidade são sempre questionadas quando o objecto de litígio são assunto políticos não jogam a favor do partido Frelimo, embora há quem diga que pode ser um ensaio de recuo perante a pressão social. Em quase todas capitais provinciais a vitória da Frelimo está a ser contestada, um fenómeno que degrada a já fragilizada ala Nyusi.

Num passado recente, a ala Nyusi ensaiou golpe constitucional para um terceiro mandato, mas a estratégia falhou e apesar do Presidente da Frelimo ter sido directamente confrontado com “esses rumores” nunca confirmou ou negou publicamente, pelo contrário, combateu os que buscavam respostas de forma frontalmente.

O recurso a mexidas constitucionais era uma das vias, ao mesmo tempo que se especulava informações de que podia se usar a guerra de Cabo Delgado para a ala maconde manter-se no poder. Não seria muita novidade, o consulado de Filipe Nyusi foi sempre marcado por fenómenos atípicos que colocaram o país de joelho, não somente a nível social, mas também a nível político e económico. Alinham-se nestes fenómenos a gestão das dívidas ocultas, o terrorismo e os vencidos conflitos do Centro (Nyongo). Por extensão, estão os projectos fracassados como a reforma no sector público (Tabela Salarial Única), que penalizou os funcionários públicos, a máquina que viabiliza a vitória e fraude, principiante os professores, que desta vez mostra aversão.

O Evidências sabe que em Massingir figurou escândalo quando numa das mesas formada pela polícia de guarda fronteira e outros ramos, com uma média de 60 eleitores, mais de metade dos votos foram direcionados à oposição, o que foi encarado como traição a Frelimo, por aqueles que, supostamente, deviam garantir a vitória, mesmo que fosse necessário recorrer a meios não ortodoxos.

Esta aparente traição ocorre num contexto em que as provas de fraude abundam nas redes sociais, com os membros da Frelimo a exibirem, em vídeos, boletins pré-votados, num tom de competição, normalizando a fraude como se roubo fosse uma verdade.

É dentro desse contexto político e social que o consulado de Nyusi pode estar a buscar sobreviver acima dos limites constitucionais, se aproveitando das convulsões sociais para armar-se e fortificar o poder castrense, vitimizando-se no discurso de uma suposta tentativa de golpe de Estado.

Na capital Maputo, a segurança da Presidência da República foi reforçada em homens e meios. Um cenário que lembra a mobilização feita no funeral do rapper Azagaia. Viaturas blindadas equipadas com armas e homens da Casa Militar em posição de combate vigiam a Presidência da República.

Longe da Presidência, na semana passada, a caravana da Renamo liderada pelo cabeça-de-lista do partido (Venâncio Mondlane) percorria várias avenidas, reclamando vitória nas eleições de quarta-feira. Quando se aproximava para a zona da elite, a caravana foi simplesmente barrada pela Polícia.

“O mesmo Governo que se gaba de ter conduzido com sucesso o processo de paz, incluindo a desmilitarização e desmobilização dos antigos guerrilheiros da Renamo, parece estar a investir na criação de condições para a eclosão de um novo conflito. A escalada de repressões violentas contra cidadãos indefesos que reclamam pela justiça eleitoral e a mobilização jamais vista de polícias reforça a leitura de um Governo que quer instalar um caos social no País com objectivos inconfessos. Eliminar a oposição política? Asfixiar os direitos e as liberdades dos cidadãos? Esvaziar a democracia? Usar o caos social como fundamento para adiar as eleições gerais de 2024 e permanecer no poder? São apenas perguntas para reflexão?”, questiona o Centro para Democracia e Direitos Humanos.

Renamo recupera seu discurso belicista e fala de “instabilidade e convulsão social”

Em conferência realizada no último domingo, a Comissão Política Nacional da Renamo diz “responsabilizar o Presidente da República e a Polícia da República de Moçambique por toda a instabilidade e convulsão social em consequência da fraude eleitoral”.

Na sua retrospectiva sobre o processo, a Renamo afirma ter constatado que a sua vitória é baseada em evidências das actas e dos editais originais produzidos e assinados nas Mesas de Votação. E que “a mega fraude, a manipulação dos resultados eleitorais visam criar um ambiente de guerra para o senhor Filipe Nyusi e o partido Frelimo manter-se no poder ilegitimamente”.

Em face deste cenário de “autêntica negação de eleições livres, justas e transparentes e da verdade expressa” nas urnas, a Comissão Política Nacional deliberou, no documento lido por Ossufo Momade, presidente da Renamo, “não aceitar e repudiar todos os resultados eleitorais que estão a ser divulgados”. É no mesmo documento onde a Renamo convocou uma manifestação geral para esta terça-feira (17 de Outubro).

Como forma de repor a verdade eleitoral, a Renamo interpos recursos junto das instituições competentes, ao mesmo tempo que apela a Sociedade Civil moçambicana, as Confissões Religiosas e a Comunidade Internacional para agirem vigorosa e urgentemente, de modo a travar esta manipulação de resultados eleitorais.

Decidiu, igualmente, exigir à CNE esclarecimento público sobre os vários ilícitos cometidos perante o seu olhar impávido e sereno.

Além de responsabilizar o Presidente da República, de quem espera posicionamento, Ossufo Momade, responsabiliza os Órgãos Eleitorais pela má gestão e condução do processo eleitoral e requer uma auditoria sobre a proveniência e autoria dos boletins paralelos usados nos enchimentos das urnas.

Pressionada pela fraude, a Renamo submeteu o caso ao Tribunal Judicial de Cuamba, que decidiu, por sua vez, invalidar os resultados tornados públicos pela CDE.

“Nesta conformidade de harmonia como exposto, o colectivo de juízes da segunda secção do Tribunal Judicial do Distrito de Cuamba decidem dar provimento ao recurso interposto por existir um vício que afecta o resultado das eleições e consequentemente declarar numa as eleições nos termos do no 1, artigo 144 da Lei 14/2018 de 18 Dezembro, que altera e republica a Lei n° 7/2018, de 03 de Agosto, atinente à Eleição dos Titulares dos Órgãos das Autarquias Locais”, refere o colectivo de Juízes da 2ª Secção do Tribunal Judicial de Cuamba.

Em Chókwè, a Nova Democracia pediu a invalidação dos resultados anunciados pela Comissão Distrital de Eleições por não ter sido privado de fazer a fiscalização do processo no dia da votação, sendo que no dia 21 de Setembro submeteu uma lista de 37 nomes, entre delegados efectivos e suplentes, para fiscalizarem o processo, mas a CDE de Chókwè disse que recebeu ordens superiores para substituir os delegados de candidatura.

A 1ª secção do Tribunal Judicial de Chókwè entendeu que a Comissão Distrital de Eleições impediu o partido liderado por Salomão Muchanga de fiscalizar o processo e decidiu anular as eleições naquela autarquia e convocar eleições intercalares.

“Nestes termos, à luz do supra exposto, por se mostrar comprovado que o recorrente foi impedido de exercer o direito de fiscalizar o processo de votação ocorrida no dia 11 de Outubro, facto tempestivamente recorrido, e por ser manifestamente ilegal a actuação da Comissão Distrital de Eleições de Chókwè, em nome da República de Moçambique e da Lei, a 1ª Secção do Tribunal Judicial de Chókwè julga procedente o pedido e a promoção do Ministério Publicou, consequentemente decide declarar inválidos e nulos os actos praticados, porque comprovam que a CDE não emitiu credenciais a favor do requerente, o impedindo de exercer a fiscalização da votação no dia 11 de Outubro em todas mesas deste distrito”, lê-se no despacho dos juízes da 1ª Secção do Tribunal Judicial de Chókwè.

Com a anulação dos resultados em Cuamba e Chókwè caiu de 64 para 62 o número de municípios, onde a Frelimo foi considerada vencedora, sendo que reza a história que o partido dos camaradas nunca saiu vitorioso nas eleições intercalares. Espera-se que os resultados sejam anulados em mais autarquias do país, incluindo nas cidades de Maputo, Matola, Quelimane, Gurué, Chiure, Angoce e Nampula, onde a oposição reclama vitória e denuncia fraude.

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