Houve três recursos, sequestro, documentos assinados sob coação, suspeitas de subornos, entre outros crimes

DESTAQUE POLÍTICA
  • Eleições na Matola viram caso de Gangsterismo
  • Políticos, juízes e CNE em martelanços para dar vitória à Frelimo e Júlio Parruque
  • Presidente do CEC ignorou plenário e decidiu sozinha recorrer contra decisão do tribunal
  • Membros do órgão pedem nulidade do acto por não ter sido decidido por deliberação
  • Delegado do MDM sequestrado e obrigado a assinar desistência do caso
  • Estranhamente, documento obtido sob coação por estranhos está junto ao processo 

Se a suspeita de fraude em si já tinha contornos criminais, os vários desenvolvimentos registados na Matola, na semana passada, transformaram uma eleição em caso de puro “gangsterismo” com relatos de sequestro, documentos assinados sob coação, relatos de subornos, entre outras práticas criminais. Contudo, o episódio mais hilariante foi protagonizado pela Comissão de Eleições da Cidade (Matola), em que vogais acusam a presidente do órgão de ter praticado actos ilegítimos ao submeter um recurso ao Conselho Constitucional (CC) em nome do grupo sem que o plenário tenha se reunido para deliberar, por via disso, o grupo composto por seis membros daquele órgão eleitoral submeteu também um recurso a pedir a nulidade dos actos praticados em seu nome, chegando, inclusive, a questionar a razão de ter tomado as dores da Frelimo e se precipitado em contestar uma decisão judicial numa situação em que é árbitro e não jogador. Mas, pelo meio, há relatos de ameaças, pressão e circulação de dinheiro para suborno de políticos e juízes, num expediente que visa essencialmente favorecer a Frelimo e seu cabeça-de-lista, Júlio Parruque, num contexto em que as contagens paralelas de todos partidos da oposição e observadores apontam para uma vitória expressiva da Renamo. Aliás, como um acusado de roubo que não quer ser revistado, a Frelimo submeteu, esta segunda-feira, um recurso ao Conselho Constitucional a pedir a anulação da decisão de recontagem de votos na Matola.

 

De todas as 65 autarquias, a situação da Matola apresenta-se como a mais volátil, com vários avanços e revezes num curto espaço de tempo. A título de exemplo, na semana passada, duas instâncias do mesmo tribunal tiveram duas apreciações diferentes em relação a dois contenciosos eleitorais submetidos pela Renamo e MDM, sendo que no primeiro o juiz julgou improcedente o caso, enquanto no segundo a juíza reconheceu irregularidades e ordenou a recontagem em toda autarquia.

A decisão a favor do recurso do MDM, terceira força mais votada, favorece a Renamo, que reclama vitória no pleito. Contudo, quando tudo indicava que podia se recontar os votos com base nos editais na posse dos partidos da oposição, pelo facto de supostamente ter havido falsificação de editais, eis que a Comissão de Eleições da Cidade da Matola, sem ser necessariamente jogador, mas sim árbitro, decide entrar em cena na passada sexta-feira e submeter um recurso ao Conselho Constitucional contra a decisão de recontagem proferida pelo tribunal.

Trata-se de uma decisão insólita que mostra o quão desesperada a Comissão Distrital de Eleições está para dar a vitória à Frelimo, mas também o receio de que uma provável recontagem – exigida pelo MDM e Renamo, esta última que inclusive reclama vitória – possa desvendar contornos escandalosos da fraude.

Para sustentar o seu recurso, o braço da CNE na Matola socorre-se do falacioso argumento de que as cópias dos editais e actas originais produzidos nas mesas de voto e distribuídos aos mandatários como manda a lei não são autênticos, por via disso não fazem fé em juízo.

“Os documentos juntos pelo impugnante não têm força probatória plena em juízo, por serem fotocópias não autenticadas e carecerem de pública forma; O Despacho em causa decidiu em medida superior e diversa do que sustenta o pedido, violando a essência do disposto no n.° 1 do artigo 661 do Código de Processo Civil; Falta fundamentação sobre em que medida as supostas irregularidades verificadas pelo tribunal podem ter influído substancialmente no resultado geral da eleição na Cidade da Matola”, sublinha a CNE, representada pela respectiva presidente, Carolina Cumbana.

Uma decisão unilateral que está a dar barulho

A CEC invoca ainda incompetência absoluta do Tribunal do Tribunal Judicial da Cidade da Matola para julgar o contencioso eleitoral.

“Conforme se pode retirar da douta sentença, publicada nas redes sociais antes da notificação das partes e posteriormente notificada à comissão, há uma clara e inequívoca usurpação de Competências, visto que a decisão proferida pelo tribunal a quo, de recontagem de votos é competência exclusiva da Comissão Nacional de Eleições ou do Conselho Constitucional, conforme se retira do estabelecido no n. 1do artigo 145 da Lei 14. 2018, de 18 de Dezembro”.

Entretanto, ao que tudo indica, a decisão tomada pela presidente Carolina Cumbana foi unilateral, pois seis vogais da Comissão Distrital de Eleições da Matola (CEC) apresentaram no domingo (22) uma queixa ao Conselho Constitucional, denunciando que esta submeteu um recurso sem ter reunido o órgão em plenária para deliber.

Os membros deste órgão pedem que a acção tomada pela presidente do CEC seja considerada nula e de nenhum efeito por ter sido tomada sem observância dos preceitos legais e chegam a questionar qual seria o interesse particular dela em evitar a recontagem de votos. E como prova de ilegalidade é que o recurso não está acompanhado de acta deliberativa.

“Não compete à Comissão de Eleições Distritais recorrer qualquer decisão de um tribunal em matéria de contencioso eleitoral, por isso lamentam que tal atitude esteja a acontecer em nome de um instituição que não é interveniente em processos eleitorais, mas sim gestora, pelo que se questiona: Quantos votos ou assentos perderia a CEC em caso de recontagem de votos? O que move a presidente a agir nestes moldes? Que interesses subjacentes tem ela?”, indagam os vogais, que terminam pedindo a exoneração de Carolina Cumbane.

Denunciados os serviços de C. Cumbana, Frelimo decidir ir lutar sua própria batalha

Até o dia em que os vogais da CEC partiram a louça a Frelimo parecia uma entidade neutra no processo. No entanto, denunciada a ilegitimidade da presidente da CEC para recorrer no acto, o partido dos camaradas na Matola, decidiu, esta segunda-feira, ir lutar a sua própria batalha, pois a única esperança que tinha de impugnar a decisão de recontagem estava quase desmascarada.

Evocando praticamente os mesmos argumentos que a presidente da CEC da Matola, a Frelimo pede que “seja declarado improcedente o despacho do Tribunal Judicial do Distrito da Matola e que seja a decisão recorrida declarada nula por inquinar vícios de incompetência do tribunal, para decidir sobre a recontagem de votos”. Curiosamente arrola como testemunha a própria Comissão de Eleições da Cidade da Matola que, por norma, deveria ser imparcial.

Quem não se acobardou novamente é o tribunal, que no seu parecer, anotou que os fundamentos usados no recurso da Frelimo são os mesmos invocados pela Comissão de Eleições da Cidade da Matola.

“Os fundamentos do presente recurso, estranhamente, são os mesmos apresentados no recurso interposto pela supervisora, Comissão de Eleições da Cidade da Matola, que em princípio devia ser imparcial, isenta e sem nenhum interesse partidário no processo (…), pois até esta Comissão foi arrolada como prova testemunhal no Recurso que aqui nos ocupa, interposto pelo partido Frelimo”, conclui o tribunal, expondo uma aparente promiscuidade entre a Frelimo e a presidenta da CEC da Matola.

Delegado do MDM foi sequestrado e obrigado a assinar documento de desistência

A submissão do recurso da Comissão Eleitoral da Matola aconteceu um dia depois do delegado de candidatura do Movimento Democrático de Moçambique, Renato Muelega ter sido raptado, mantido sob cárcere na sua viatura, ameaçado de morte e forçado a assinar documentos de desistência do processo. De seguida, o grupo obrigou-no a entregar o carimbo do partido, que trazia consigo na viatura.

“Mais tarde vim a perceber que afinal o documento era de desistência do partido ao processo que culminou com a decisão de se fazer a recontagem dos votos na Matola”, declarou Muelega à Sala da Paz .

Face ao sucedido, Muelega diz ter comunicado as autoridades para que o documento em causa, assinado sob coacção, não tenha nenhum efeito jurídico. No fim, a Juíza atendeu o seu pedido.

“Não sofri nenhuma agressão durante o acto porque cooperei. Mas tenho estado a circular de forma condicionada”, lamentou Muelega.

Estranhamente, o documento assinado sob coação foi junto ao processo no tribunal pelos referidos desconhecidos e, coincidentemente, a alegada informação sobre a desistência do MDM, consta das questões previas do recurso apresentado pelo CEC, levantando questionamentos sobre como Carolina Cumbana teria acedido a tal dado.

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