Observadores apontam dedo à CNE pela pior fraude da história e pedem demissão de Matsinhe 

POLÍTICA SOCIEDADE
  • Dom Carlos Matsinhe cada vez mais isolado
  • Bispos Católicos instam CNE para não ter medo de rever os resultados da votação
  • OAM e CNH dizem que Matsinhe já não está em condições de continuar a dirigir a CNE
  • Parlamentares portugueses preocupados com a situação em Moçambique

Num ano que antecede o de celebração dos 30 anos desde a realização das primeiras eleições multipartidárias no país, Moçambique vive hoje um momento caótico, caracterizado por manifestações em quase todas autarquias,  na sequência daquelas que são agora tidas como as eleições mais contestadas de sempre, a contar pelo número de recursos que se encontram a ser dirimidos em tribunais e o parecer de diversas missões de observação, que denunciam irregularidades registadas durante a eleição e contagem de votos. Depois do consórcio Mais Integridade denunciar o que considerou da pior fraude até aqui registada, os Bispos Católicos de Moçambique, através da Conferência Episcopal de Moçambique, demonstraram preocupação em relação a integridade da Comissão Nacional de Eleições (CNE), a quem instaram a não ter medo de rever os resultados da votação, enquanto à Frelimo aconselham a encarar a contestação dos partidos da oposição como parte da democracia. Mas quem esticou a corda é a ordem dos advogados, que entende que Dom Carlos Matsinhe devia renunciar ao cargo, visto que não há condições objectivas para o Bispo da Igreja Anglicana continuar a presidir a CNE.

Duarte Sitoe

Os ilícitos eleitorais registados um pouco por todo o país para garantir uma vitória retumbante e esmagadora do partido no poder mancharam as VI Eleições e vários intervenientes que participaram no processo na qualidade de observadores afirmam categoricamente que a Comissão Nacional de Eleições tem culpa no cartório.

Os Bispos Católicos de Moçambique, que participaram no pleito em que a Frelimo foi considerada vencedora em 64 das 65 autarquias, na qualidade de observadores, consideram que os ilícitos eleitorais registados no processo têm potencial de gerar uma instabilidade e tensão social no país.

“Acompanhamos o processo e vimos que há elementos alarmantes, desde ilícitos e irregularidades eleitorais, mais graves e menos graves. Essa situação gera na sociedade moçambicana um alto grau de desconfiança, isso não ajuda a sociedade como tal e suscita uma situação de instabilidade e de contínua tensão social. É o que estamos a ver em todo o país”, disse o arcebispo de Maputo, Dom João Carlos Nunes.

O arcebispo de Maputo disse ainda que os Bispos Católicos olham com bastante preocupação o que tem estado a acontecer no grosso dos municípios depois do anúncio dos resultados, uma vez que, ao seu ver, a incompreensão tende a subir de tom, referindo que o país devia ter tirado ilações dos pleitos eleitorais realizados no passado.

“É neste cenário que acolhemos relatos já desde o momento de campanha, coisas como destruir material doutro. Problemas que vêm de outras eleições que já devíamos ter ultrapassado. Vimos confrontos violentos entre grupos partidários, isso quer dizer que ainda temos dificuldades de aceitar as diferenças. Temos pessoas presas injustamente e excesso de zelo da polícia. Todas essas irregularidades com boletins previamente preenchidos, contagem e resultados pronunciados não estão alinhadas, entre os editais e os números parece que a matemática oscila muito. Olhando para estes cenários, notamos bastante preocupação. Na medida em que se vão divulgando os resultados definitivos parecem que os níveis de incompreensão sobem, mas deviam estar a diminuir”, relatam.

“Não pode parar o país por causa de eleições que não tem credibilidade”

Perante ao actual estágio social e político do país, a Conferência Episcopal de Moçambique exorta aos órgãos da administração eleitoral, sociedade civil, Conselho de Estado e Conselho Constitucional para apostarem no diálogo franco e sincero para resolver diferendos.

Para repor a vontade expressa pelos munícipes nas urnas, os Bispos Católicos defendem que a Comissão Nacional de Eleições “deve rever com responsabilidade e justiça todo o processo de apuramento dos resultados” e não ter medo de dar esse passo, visto que garantiria o reflexo da vontade que foi expressa pelos votos.

Os ilícitos eleitorais favoreceram a Frelimo no grosso dos municípios, por isso, na voz do Arcebispo de Maputo de Maputo, os Bispos Católicos apelam ao partido liderado por Filipe Nyusi para não olhar para as reclamações dos partidos da oposição como tentativa de criar confusão, tendo igualmente os partidos da oposição protestado de forma pacífica de acordo com os princípios consagrados na Constituição da República e os trámites legais sem violência, tendo igualmente instado as Forças de Defesa para assegurarem o seu papel de protecção ao cidadão, independentemente da sua cor partidária.

“O jogo democrático abre um espaço para as pessoas poderem expressar o seu não agrado, desde que observem naturalmente os ditames da lei e não recorram a outros meios. Devem colocar a viabilidade política e económica do país acima dos interesses partidários que não tornem o país inviável. Não pode parar o país por causa de eleições que não tem credibilidade, você pode vencer, mas não vai convencer, é importante ter em conta outras realidades bem maiores que possam não inviabilizar outras áreas porque o país precisa de se desenvolver e caminhar”, sublinham.

OAM diz que já não há condições para Matsinhe continuar à frente da CNE

Depois das irregularidades registadas no dia da votação, a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), que também participou no corrente processo eleitoral como observador, diz que já não há condições objectivas para que Dom Carlos Matsinhe continue no cargo de presidente da Comissão Nacional de Eleições.

“Em face das irregularidades gritantes deste processo, acho que não há condições para o presidente da comissão eleitoral continuar no cargo. Não há condições objectivas, devido ao número de irregularidades e pelo facto de a CNE não ter tomado uma posição tempestiva em relação a estas eleições. Penso que seria caso de ele renunciar ao mandato”, disse Carlos Martins.

Por entender que houve fraude no grosso dos municípios conquistados pela Frelimo, os partidos da oposição remeteram ofícios aos Tribunais para pedir a anulação do processo. No entender da agremiação que congrega os advogados de Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico, as decisões judiciais que anulam eleições ou mandam repetir a contagem demonstram a independência do judiciário.

“Pelo número de impugnações, pelo número de decisões e sobretudo tendo em conta a dispersão dos casos, revela, de facto, que o processo não foi transparente. Estes tribunais sofrem menos pressão política. São compostos por juízes de direito e naturalmente que as suas decisões são mais eficazes e, acima de tudo, elas não estão imbuídas de pressão”, declarou Martins, referindo depois que a OAM está a preparar o relatório sobre a observação que fez às eleições autárquicas.

Quem também alinha na ideia de que o homem de Deus emprestado à política deve renunciar ao cargo de presidente da Comissão Nacional de Eleições é a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).

“O número de irregularidades e o facto da CNE não ter tomado posicionamento tempestivo em relação a estas mesmas eleições penso mesmo que devia renunciar ao mandato”, disse Luís Bitone, presidente da CNDH.

Por outro lado, Bitone referiu que os órgãos da administração eleitoral mostraram uma total incapacidade de gerir o processo em curso.

“Havia momentos que não era admissível no passado, como é que é possível um presidente de mesa negar assinar uma acta e não haver uma reação imediata dos órgãos de gestão. É sua tarefa e o seu mandato. Há irregularidades que, por exemplo, deviam ser evitadas, como a intervenção das forças de defesa e segurança policiais que carregaram urnas. As urnas nunca devem ir no carro da PRM, senão sob solicitação dos órgãos de gestão, tanto que é a CNE e o STAE”, indicou presidente da CNDH.

Deputados portugueses preocupados com a situação

A actual situação política e social do país preocupa sobremaneira a comunidade internacional.  Por temer uma escalada de violência depois do anúncio dos resultados definitivos, os Deputados da Iniciativa Liberal, nomeadamente Rodrigo Saraiva, Bernardo Blanco, Carla Castro, Carlos Guimarães Pinto, Joana Cordeiro, João Cotrim Figueiredo, Patrícia Gilvaz e Rui Rocha, solicitaram uma audiência ao ministro dos Negócios Estrangeiros e ao Director de Serviços do Departamento da África Subsaariana, João Martins de Carvalho, para o Executivo partilhar a informação que tem recolhida dos factos via rede diplomática e os planos de contingência que possam ter para a população Portuguesa em caso de uma escalada de violência.

“Desta forma, perante a situação cada vez mais grave com que Moçambique se depara, e com vista a esclarecer este cenário e as possíveis consequências para o povo Moçambicano e para a grande comunidade Portuguesa no país, o Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal vem requerer a audição do ministro dos Negócios Estrangeiros e do Director de Serviços do Departamento da África Subsaariana, João Martins de Carvalho, devendo a mesma ser feita à porta fechada, salvaguardando o nível de classificação ou sensibilidade dos assuntos em questão, por forma a que o governo possa partilhar a informação que tem recolhida dos factos via rede diplomática, e os planos de contingência que possam ter para a população Portuguesa em caso de uma escalada de violência”, referem os deputados da Iniciativa Liberal.

Os deputados portugueses mostraram sua preocupação com os episódios de violência em Moçambique e para com as irregularidades eleitorais observadas, tendo também destacado as perseguições contra membros dos partidos da oposição.

“Após a divulgação dos resultados das eleições autárquicas realizadas no passado dia 11 de outubro em Moçambique, foram vários os relatos de irregularidades no processo que levaram candidatos e cidadãos a protestarem os resultados em várias localidades do país e de acordo com vários cidadãos moçambicanos e inúmeros relatos na imprensa, principalmente internacional, onde se inclui a Portuguesa, as forças policiais terão exercido violência sobre manifestantes da oposição que contestam os resultados oficiais da votação, tendo ocorrido tiroteios em Nampula, assim como outros episódios de violência nas Províncias de Zambézia, Sofala e Inhambane”.

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