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Greve dos profissionais de saúde: Governo dividiu para reinar

Está instalado um ambiente de cortar à faca entre os funcionários do sector de saúde em todo o País, em causa está uma suposta traição da direcção máxima da Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM) contra os profissionais que representava nas negociações com o Governo.  O presidente da Associação negociou um subsídio em proveito próprio e de um grupo restrito de profissionais de saúde e agora é acusado de insultar e abandonar à sua sorte uma parte dos profissionais de saúde. Desgastados, os funcionários excluídos, na sua maioria pessoal burocrático, ponderam criar sua associação e realizar sua própria greve a escala nacional.

Abanês Ndanda

Esta segunda-feira, 06, a Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM) anunciou que não haverá retoma da greve por mais 15 dias, para dar continuidade ao processo negocial e para que as suas reivindicações não sejam confundidas com a tensão política pós-eleitoral.

Na sua intervenção, o presidente daquela associação, Anselmo Muchave, destacou que a classe não está ainda satisfeita, pois foram só atendidos 45% das suas reivindicações e adiantou que o diálogo está neste momento em stand by.

No entanto, por detrás do adiamento podem estar outros interesses inconfessos segundo acusa uma parte dos funcionários do sector de saúde, concretamente os motoristas de ambulâncias, os maqueiros, serventes, operários e funcionários administrativos que se sentem agastados e burlados pelo consórcio formado pelo Governo e direcção da APSUSM.

Em documento intitulado “as burlas da APSUSM e do Governo” a que o Evidências teve acesso, os funcionários em causa consideram que a direcção da APSUSM negociou apenas benefícios pessoais e se desviaram do princípio da abrangência de todos funcionários do sector de saúde ao beneficiar uma parte dos funcionários da saúde, deixando para trás outros, e por outro lado o Governo se desviou dos princípios que norteiam a Tabela Salarial Única ao discriminar profissionais de saúde no que se refere ao subsídio de risco.

“Após as negociações com o Governo, o subsídio de risco para a classe específica da saúde (enfermeiros e médicos) saiu de 5% para 10%. E para os da classe geral (operários, motoristas de ambulâncias, serventes, maqueiros e administrativos) manteve-se nos míseros 5%, apesar destas duas classes fazerem parte integrante da mesma equipa de trabalho, e com base nisto correrem o mesmo risco nas unidades sanitárias”, pode ler-se no documento que os referidos funcionários trataram de partilhar com a equipa do Evidências.

“Quem faz a movimentação dos doentes dentro do hospital são os serventes, maqueiros e motoristas, dizer que eles estão menos expostos ao risco que o enfermeiro é falta de respeito. Quem recebe as amostras de sangue, fezes, urina e outros tipos de material biológico com potencial alto de contaminação é o pessoal administrativo, e dizer que estas pessoas correm menos risco é uma autêntica falácia. Na radiologia, a radiação não escolhe quem é médico, enfermeiro ou simples servente para afectar”, problematizou um dos funcionários que pediu colaborar com o Evidências na condição de anonimato.

Houve aumento de salários para uns às escondidas

Ainda sobre o porquê se sentirem aldrabados pela APSUSM em conluio com o Governo aponta o documento que temos vindo a citar que “a outra negociata entre o Governo e a APSUSM é que a partir do mês de Setembro, a classe específica de saúde, beneficiou-se de aumentos salariais, tendo, por exemplo, um enfermeiro superior saído do nível 12C para o nível 13C, ou seja, dos 37.758,00Mt para os 42.758,00Mt”.

A classe geral mais uma vez foi esquecida ou deixada para trás naquilo que já é interpretado como uma estratégia do governo de dividir para poder reinar, ou seja, implantar.

Especificamente em relação à discriminação nos aumentos salariais, sublinha o documento que “esta situação tem gerado muito descontentamento, pois, por exemplo, com este aumento, o salário que um enfermeiro superior aufere com menos de 1ano de experiência, o administrativo superior só poderá auferir quando completar 16 anos de experiência. Isto contraria os princípios que norteiam a criação da Tabela Salarial Única, que era a uniformização salarial na função Pública”.

Neste estado das coisas, o grupo de funcionários do sector de saúde que aceitou conversar sente-se duplamente traído, por um lado pela direcção da APSUSM, que deveria primar por um tratamento igualitário aos benefícios, e por outro lado o Governo, que preferiu tratar de forma desigual o que era igual, principalmente pela diferenciação do subsídio de risco entre funcionários com igualdade de exposição.

“O presidente da associação, ao que nos parece, ficou acomodado, já que faz parte da classe beneficiada, mas, no fundo, só ele pode dizer o que tem a ganhar com a situação e com o seu recuo na representação das preocupações verdadeiras do profissionais de saúde”, disse outro funcionário que também entende que a direcção da APSUSM perdeu legitimidade de exercício por nunca ter pautado pela transparência e imparcialidade.

Refira-se que os profissionais de saúde iniciaram a 20 de Agosto do ano corrente uma greve geral que em princípio tinha sido calendarizada para 21 dias, exigindo ao Governo que seja satisfeita uma série de exigências do sector, incluindo as da classe médica.

Presidente da APSUSM manda ‘lixar’ funcionários

Sendo verdade que o presidente da APSUSM, o enfermeiro Anselmo Muchave, tem vindo a ser contestado desde o final do mês de Setembro, quando contactado pela nossa equipa de reportagem insultou os funcionários agastados.

“É por isso que se costuma dizer que a falta de conhecimento cega a vista e atropela a consciência”, foi a resposta de Anselmo Muchave ao convite a se posicionar em torno do barulho que tem estado a ser gerado pela situação.

“As pessoas não entendem e estão a fazer barulho sem sequer se identificar e sem perceber o que está acontecer. Existem pessoas que trabalham na Saúde como sector mas que pelo trabalho que fazem não correm os mesmos riscos com os funcionários de regime específico”, disse Muchave corroborando com a informação de ter havido tratamento diferente dos funcionários de saúde na atribuição do subsídio pelo risco.

Num momento Muchave disse que “ainda não tivemos desfecho, nós só decidimos parar para não sermos confundidos com algum partido político”, mas noutro momento, de forma dissonante com a primeira locução, santificou o Governo no assunto, regozijando que  “o Governo já fez a sua parte e nós também fizemos a nossa parte”.

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