Milhares de estudantes do Ensino Técnico Profissional continuam vítimas da desorganização do Estado

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  • Terminaram os cursos há mais de cinco anos e ainda não têm certificados

Há quase cinco anos que milhares de estudantes que concluíram o Ensino Técnico Profissional aguardam pela emissão de certificados para que possam ingressar no mercado do trabalho e não só, contudo a sua pretensão tem estado a esbarrar num ping pong de disputa de responsabilidade e entre diversas instituições que intervêm na cadeia de certificação deste subsistema de ensino. Por causa da excessiva burocracia, muitos estudantes terminaram os seus respectivos cursos há cinco anos, mas de lá a esta parte ainda não tiveram a certificação, o que de certa forma condiciona o seu ingresso no mercado de trabalho. Recentemente, o secretário de Estado do Ensino Técnico-Profissional, Mety Gondola, reuniu-se com os estudantes que estão há anos sem certificados e reconheceu que os mesmos estão a ser vítimas do Estado e prometeu processar docentes que, no seu entender, dificultam a entrega de pastas para a emissão de certificados, o que não é de todo verdade, pois chegou a haver um período de mais de um ano em que a emissão de certificados esteve praticamente suspensa.

Duarte Sitoe e Renato Cau

Actualmente, segundo dados tornados públicos pelo Governo, o ensino técnico profissional em Moçambique conta com uma rede de 233 instituições, sendo 73 públicas, 29 semi-públicas e 131 privadas, leccionando o ramo industrial apenas 29 institutos.

No entanto, o grosso das mesmas estão há mais de seis anos sem emitir certificados, facto este que preocupa sobremaneira os formandos que a cada ano que passa perdem oportunidades no restrito mercado do emprego no país.

Helena Magaia, de 26 anos de idade, optou pelo ensino técnico profissional com esperança de terminar o curso e trabalhar para posteriormente dar seguimento aos estudos com o seu próprio bolso, mas, debalde, terminou o curso em 2018 e até hoje aguarda pelo certificado, no entanto perdeu a conta de quantas oportunidades de emprego perdeu por falta do documento de conclusão do curso.

Magaia faz parte do rol dos estudantes que, recentemente, escalaram as instalações do Instituto Técnico de Moçambique (ITM) para mostrar o seu desagrado perante a morosidade da emissão dos diplomas.

“Estamos cansados. Quando era a vez de pagar propinas e mensalidades, a instituição não queria desculpas. Contudo, agora que queremos os nossos certificados tratam tudo a passos de camaleão. A cada ano que passa estamos a perder oportunidades por falta do certificado. Quando vamos à instituição que emite certificados dizem que a nossa escola ainda não entregou as pautas. É triste o que está a acontecer no ensino Técnico-Profissional em Moçambique, em quase todas as escolas os estudantes terminam os cursos e depois ficam anos à espera dos diplomas”, disse.

A fonte teceu duras críticas ao Governo por tudo que está a acontecer no ensino técnico profissional, pois, no seu entender, chamou a si a responsabilidade de emitir certificados, contudo não consegue desbloquear a situação dos estudantes passados mais de cinco anos.

“As escolas carregam culpa por tudo que está a acontecer, mas quem carrega a maior culpa é o Governo, que regula o sector. Não se justifica esta situação, há vagas nas instituições públicas, mas não podemos concorrer porque a entidade que regula o sector se eximiu das suas responsabilidades. Agora, as escolas justificam que a competência da emissão do certificado está na instituição que chancela o ensino técnico profissional no país, mas tal sector nada faz em prol dos estudantes que investiram seu dinheiro para ter uma ferramenta para encarar o mercado de emprego”, desabafou.

Uma negligência do Estado que está a adiar sonhos

Donaldo Neves faz parte do grupo de jovens que aposta no ensino técnico profissional para ingressar no mercado de emprego. Contudo, quando terminou o curso foi obrigado a esperar longos anos para ter o certificado.

“Terminei o curso de Electricidade industrial em 2017. Felizmente, tive a oportunidade de estagiar na Maguezi. Quando terminei o estágio recebi convite para continuar na empresa por mais três meses para o período probatório, mas para tal exigiram certificado. Fui ao Instituto Industrial de Maputo para tratar do diploma, mas ainda não há luz verde. Perdi uma oportunidade que podia ter mudado a minha vida. Aliás, numa primeira fase pedi declaração que comprovasse que terminei o curso naquele estabelecimento de ensino, porém o instituto disse que não podia emitir certificados porque alguns formadores ainda não tinham lançado as notas.

Recentemente, à margem de um encontro com o Secretário do Estado de Ensino Técnico-Profissional, Mety Gondola, os alunos que terminaram os seus cursos e ainda não receberam os seus diplomas mostraram o seu desagrado com a situação. A título de exemplo, Anésio Manuel Mandlate perdeu a oportunidade de ser promovido a supervisor no STEMA por falta de certificado que comprova as suas competências.

“Já fiz o pedido duas vezes e até hoje nada, já lá se vão cinco anos. O que me mantém lá ainda é que eles sabem que eu saí da escola e apresentei uma carta de estágio um pouco antes de me contratarem. Fui seleccionado como um dos melhores quando o estágio terminou […] e até agora estou lá porque tenho domínio e habilidades do trabalho, não porque tenho certificado, mas já me deram aviso de que corro o risco de ser afastado”.

Quem também perdeu oportunidade de trabalhar na Electricidade de Moçambique por falta de certificado é Isabel Gonçalves, que considera que, ao invés da Secretaria de Estado de Ensino Técnico Profissional, este sector devia ser chancelado pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH).

“O Sistema Nacional de Educação mesmo com os seus crónicos problemas emite certificados a tempo e hora. Infelizmente, não é o mesmo que acontece no Ensino Técnico-Profissional. Se não conseguem gerir esta situação de diploma, creio que devem entregar as pastas ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. Não se justifica o que está a acontecer actualmente, prometeram melhorias, mas até aqui nada mudou.

ANEP aponta o dedo às instituições de ensino pela morosidade na emissão de certificados

Na sua versão dos factos, a Autoridade Nacional de Ensino Profissional (ANEP) apontou o dedo aos estabelecimentos de ensino pela demora na emissão dos certificados, tendo referido que o grosso das mesmas funciona de forma desorganizada.

“A ANEP faz uma verificação externa baseada em padrões de competência com base numa amostra por turma, e se as pastas avaliadas tiverem problemas a turma toda chumba, e se a amostra estiver com tudo em ordem toda a turma terá certificados. Nós como autoridade fazemos por lei no seu Artigo 44, não devemos sequer emitir um único certificado sem que a gente tenha evidências propriamente ditas que está tudo bem ou não”, disse Júlio Miguel Agibo

Prosseguindo, Agibo disse que grande parte do atraso na emissão dos certificados deve-se a negligência dos formadores e docentes que ficam com as pastas contendo notas e informações dos estudantes mesmo tendo encerrado um módulo, o que faz com que algumas pastas desapareçam ou fiquem perdidas, prejudicando assim os estudantes, pois “na falta de uma disciplina não tem como dar um certificado”, e avança que grande parte dos institutos sequer tem os dados de 2022 organizados e enviados.

Gondola promete processar docentes que dificultam entrega de pastas para emissão de certificados

Por seu turno, o Secretário de Estado de Ensino Técnico-Profissional, Mety Gondola, deu a mão à palmatória e legitimou as reclamações dos estudantes que estão há anos no aguardo dos certificados.

Com vista a inverter o actual cenário, Gondola adiantou que serão montadas delegações regionais da “ANEP nas zonas centro e norte do país e estarão estrategicamente localizadas na Beira e Nampula com objectivo de desconcentrar”, uma vez que “se tudo estiver concentrado em Maputo fica difícil acompanhar o que está acontecer”.

No grosso das instituições do Ensino Técnico-Profissional a morosidade na emissão de certificado deve-se ao facto de alguns formadores não entregarem as pautas com objectivo de extorquir os estudantes e, por isso, Mety Gondola deixou um sério aviso à navegação.

“Há situações anómalas que vão significar processos administrativos e há assuntos que são assunto criminal. Provou-se que alguns formadores ficaram com as pastas e andaram a fazer cobranças ilícitas, vamos canalizar o assunto ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) para os casos que são aplicáveis”, referiu.

Ainda na sua intervenção na reunião que teve com os estudantes que estão há anos no aguardo dos certificados, Gondola declarou que a instituição por si dirigida actualmente está a corrigir, regularizar e encerrar os assuntos anteriores, tendo adiantado que nos últimos  quatro meses foram emitidos mais de cinco mil certificados.

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