A gestão da insatisfação à porta da sucessão

EDITORIAL

Acentua-se a impopularidade e com ela a queda de um autocrata. O insólito foi aquando da visita a Machaze, na província de Manica, onde um vídeo mostra a população totalmente indiferente à caminhada do Presidente da República, ignorando sua saudação e sem desfazer os braços cruzados. No vídeo, o PR até tentou esboçar algum tipo de piada e até procurou saber quanto custam uns bolinhos, mas foi em vão, a população não mostrou nem simpatia, nem curiosidade e muito menos alegria de estar perto do PR como costumava ser.

 

Já em Nampula, o episódio não era mais uma novidade. Covô Gêr-Gêr, no Distrito de Nacala-a-Velha, é onde o PR viu-se obrigado a abandonar o púlpito de onde devia orientar um comício, após ter se verificado um incessante barulho da população durante o discurso. Depois do episódio tentou-se forçar uma passeata no meio da população para se desconstruir a imagem de impopularidade, mas foi debalde, as evidências de que Nyusi caminha só estavam ali…

 

Para os que resistem a mensagem que estes sinais tentam trazer e resgatam a política, cujo discurso domina na nossa sociedade, para trazer teorias de que os lugares onde o PR não foi recebido com ares de alegria são bastiões da oposição, seria oportuno ver os comentários que acompanham a página oficial do Presidente da República, o que mais tem são insultos que exprimem a insatisfação da juventude.

 

Estes eventos ilustram a queda de um autocrata, que recorreu ao poder castrense para impor o poder, e colocou as instituições do Estado para servir os seus interesses, enquanto se degradavam o seu papel social. Basta olhar para justiça, polícia e órgãos eleitorais para entender como a administração Nyusi escangalhou os valores dos órgãos do Estado e olhar para Educação, Saúde para entender como os sectores que não serviam os seus interesses foram destruídos. A educação é meramente formal, não cumpre com seu mandato de atribuir competências.

 

É uma administração que ao longo dos últimos anos foi acompanhada de acusações de corrupção direcionadas ao PR, diferentemente de Cyril Ramaphosa, que aquando da acusação mais branda abriu-se para dar satisfações, ou de António Costa, que renunciou por entender que a função de administrador público é incompatível com “suspeita”, mas aqui no índico foram exibidas provas de corrupção, foram mobilizadas instituições para servir os chefes implicados e até fundos públicos foram usados para o mesmo efeito. É este administrador Chefe que hoje é vaiado em comícios, xingado nas redes sociais e no partido é convidado para discutir a vida de agremiação sem censura, mas que à semelhança de qualquer autocrata opta por combater os que lhe convidam para sentar.

 

A impopularidade da máquina administrativa do país está a chegar a níveis alarmantes. A crise de que a Frelimo tenta negar e se recusa a debater mostra-se consequência não dos problemas internos do partido, mas de toda administração Nyusi, num todo, ou seja, numa escalada nacional.

 

Cada vez mais impopular e com sinais cada vez mais evidentes de “arrogância”, como se lê na carta de Graça Machel, é uma falha de administração que coloca Nyusi com menor ou quase sem legitimidade para influenciar no seu próprio processo de sucessão, um insólito na história recente do país, ao chegar no fim da linha sozinho, ainda antes de se indicar o sucessor.

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