Sociedade Civil considera que o país regrediu para níveis piores que 1975

POLÍTICA SOCIEDADE
  • Fechamento do espaço democrático e liberdades no país
  • “Uma gang de delinquentes tomou o poder em Moçambique”

Enquanto se aguarda com uma expectativa algo receosa o pronunciamento final em relação as VI Eleições autárquicas por parte do Conselho Constitucional, organizações da sociedade civil consideram e lamentam o fechamento do espaço cívico em Moçambique, alertando que houve uma regressão que coloca o país no mesmo nível ou pior que 1975, quando o país estava mergulhado no monopartidarismo.  O director executivo do CIP, Edson Cortez, estica a corda e sem papas na língua adverte que no estado em que as coisas se encontram melhor mesmo seria “cancelar a fachada da democracia que temos”, e nos moldes mais veementes comparou o Governo a uma “gang de delinquentes que tomou o poder” em Moçambique.

Abanês Ndanda

Durante a Conferência Nacional sobre Direitos Humanos e Eleições em contexto de fechamento do espaço cívico em Moçambique, o director-geral do Centro de Integridade Pública, Edson Cortez, referiu que não se pode gastar dinheiro organizando eleições para no fim “os perdedores serem os ganhadores”.

Em protesto contra os resultados validados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), a Renamo organizou marchas pacíficas nos municípios onde reivindica vitória, mas, mais uma vez, a Polícia da República de Moçambique foi destacada para reprimir as marchas.

Na base dos acontecimentos dos últimos dias, Cortez não encontra dúvidas de haver fechamento do espaço cívico que se caracteriza por uma perseguição generalizada a qualquer pessoa ou organização que se pronuncie em sentido que não agrade o governo ou ao partido Frelimo.

“Os detentores dos cargos públicos tendem a acreditar que as organizações da sociedade civil são uma oposição”, entende Cortez, para quem antes pelo contrário trata-se de actores que também têm responsabilidade sobre a direcção que ao País se dá.

“Para quem tem o hábito de viajar, quando chegamos no aeroporto internacional de Maputo, é onde percebemos nitidamente a separação entre quem é nacional e quem é estrangeiro. A partir daquele momento que entramos na nossa terra sabemos que podemos começar a gritar, exigir qualquer coisa e nos sentirmos à vontade porque já estamos na nossa terra. Entenda-se que são coisas que só posso fazer em Moçambique. Eu não tenho outra nacionalidade senão a moçambicana, por isso tenho o direito de exigir aqui”, refere Cortez sobre a razão de ser e necessidade de intervenção dos moçambicanos para que se conserte o que não estiver conforme, até porque “a política não é um lugar exclusivo para os políticos, mas sim um lugar de participação pública para debate dos assuntos que dizem respeito a todos”.

Descrevendo o contexto de fechamento do espaço cívico, Edson Cortez é da opinião de que “uma gang de delinquentes tomou o poder”. Nas suas palavras, as eleições autárquicas, nos moldes em que foram geridas, são um exemplo de negação de um espaço cívico, pelo que há que negar tal fechamento.

“Isto não se difere muito do que acontece na vida conjugal em que se um dos cônjuges aceita levar a primeira bofetada, teria a segunda, assim sucessivamente, até que um deles morra”, fazia Cortez um paralelismo com o espaço cívico na luta pela sua manutenção, no sentido de que “se hoje nos calarmos, amanhã não teremos nem como murmurar”.

Não estamos melhor que em 1975”

A activista Paula Monjane, ainda na temática de fechamento do espaço cívico, considera que o comportamento dos detentores do poder público em Moçambique, ainda que se tenha formalmente abandonado o monopartidarismo, tende a ser de matriz monopartidária.

A título de exemplo, Paula Monjane chama os artigos 35 e 36 da Constituição moçambicana de 1975 no sentido de que se por um lado o artigo 35 estabelece a liberdade de todos cidadãos, logo a seguir no artigo 36 se estabelece pela proibição do abuso dos direitos e liberdades fundamentais, em prejuízo do povo completando-se o texto legal com punição severa dos actos contra os objectivos da Frelimo.

“Isto é o framing do que ainda vivemos hoje”, considera a activista sobre os esforços de combater qualquer questionamento ao partido no poder e ao governo do dia.

De acordo com Monjane, a demonstração clara do crescente fechamento do espaço cívico é o facto de as liberdades políticas estarem a registar declínio constante nos últimos 17 anos, sendo que de modo geral “há um Estado que se sente proprietário de todos os espaços, incluindo a esfera privada”.

“Assiste-se ao longo do tempo um deterioramento daquilo que é o contexto da esfera cívica. O direito e as liberdades de informação, expressão, imprensa, manifestação e participação política têm sido abertamente reprimidas”, afirma.

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