Problemas de fundo de acidentes de viação

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Depois da malária e de HIV/SIDA, os acidentes de viação são a razão de mortalidade no país. Apesar de todo o trabalho de fiscalização rodoviária que tem sido feito pela polícia de trânsito, numa acção combinada com o Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários, as nossas estradas continuam a ser autênticos corredores da morte.

Não me saem da memória os acidentes ocorridos há dias na 3 de Fevereiro, na Manhiça, em que morreram 17 pessoas e o de Maluana, no mesmo distrito, que vitimou 35 passageiros de um autocarro da transportadora Nhancale. Estamos a falar da perda, em apenas dois sinistros, de 52 moçambicanos, o que é grave.

Na busca dos culpados pelo derramamento do sangue nas nossas estradas, a face mais visível é a polícia de trânsito e, a seguir, o Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO). Ambas instituições são vistas como aquelas que não têm estado a fazer o seu trabalho com rigor e profissionalismo exigidos.

A Administração Nacional de Estradas (ANE) é responsabilizada pela degradação das vias de acesso sob sua jurisdição, a exemplo da Estrada Nacional número um e de outras e a falta de sinalização rodoviária. Não há húvidas que estes aspectos têm o seu peso no capítulo dos acidentes de viação, mas não são os principais motivos.

Há quem põe em causa a qualidade do ensino de condução, relacionando o facto com casos de sinistros rodoviários que temos estado a acompanhar. Há o sentimento de que alguns dos condutores que saem das escolas de condução não têm a qualidade desejada.

Pode ser verdade. Aliás eu próprio não sai perfeito da escola. Ninguém termina a formação seguro de que já sabe conduzir perfeitamente, mas após algum tempo de exercício prático de condução, consolidam-se alguns aspectos e conduz-se com tranquilidade.

Outros dizem que o problema são as taxas que cobradas em caso de multas por violação do Código da Estrada que deviam ser agravadas para desencorajar a má condução no país. Também pode ser verdade, mas não é a razão principal da ocorrência de acidentes de viação no país com a frequência que temos estado a acompanhar.

Não submissão de viaturas à inspecção periódica obrigatória por uma parte significativa de automobilistas é o outro lado da história.

Não há dúvidas que cada uma destas situações aqui relatadas tem o valor que tem. Representam, claramente, uma ameaça em termos de ocorrência de acidentes de viação. Mas o seu peso não é significativo. São muito raras as vezes em que um acidente de viação está relacionado com a falta de inspecção automóvel.

Quer o sinistro rodoviário ocorrido em Maluana, quer o outro, registado também na Manhiça, mencionados aqui como exemplo, o motivo é comum: o erro humano. Este é o motivo principal da ocorrência de acidentes de viação. A irresponsabilidade dos condutores versos a impunidade com que alguns deles circulam na via pública a confiar em esquemas de corrupção envolvendo alguns agentes reguladores de trânsito.

É básico, por exemplo, que não se deve fazer ultrapassagem numa curva. Ensina-se isso na escola de condução, mas, ao que tudo indica, foi o que esteve por detrás do sinistro ocorrido na Manhiça e que vitimou 17 pessoas.

É igualmente básico que a velocidade máxima nas localidades é de 60 quilómetros/ hora. Arrisco-me dizer que a maior parte dos automobilistas não cumpre esta regra e é o que terá originado o acidente que envolveu o autocarro da transportadora Nhacale ocorrido ao longo da EN1, matando 35 passageiros.

Os instrutores das escolas de condução ensinam, também, na teoria e na prática, que não se deve ultrapassar duas ou mais viaturas de uma única vez, mas há condutores que o fazem com muito prazer e a uma velocidade assustadora. De quem é a culpa por tudo isso? É das escolas de condução? Claro que não, é do condutor, pois estas cumpriram o seu papel de ensinar.

É impressionante o gosto do condutor moçambicano pela violação do Código da Estrada. Uns, quando entendem, fazem ultrapassagem à esquerda e nada lhes acontece.  Pelo que sei, nas escolas de condução não se ensina a conduzir mal, mas, isso sim, a ser exemplar ou a fazer uma condução defensiva.

Se, por exemplo, estivesse vivo e tivéssemos que perguntar ao automobilista da viatura de marca Prado, tida como a causadora do acidente da Manhiça, porque é que andava a uma alta velocidade naquele lugar, talvez não apresentaria uma única razão. Podíamos descobrir que, afinal, o fez por mero capricho.

Não é preciso frequentar uma escola de condução para saber que é proibido conduzir sob efeitos de álcool, como se supõe que estava o condutor que originou o sinistro que ceifou a vida de 17 cidadãos, quatro dos quais crianças.

Enquanto os automobilistas que se fazem à estrada não conduzirem com responsabilidade. Enquanto não ganharem a consciência de que o seu erro pode significar uma tragédia na sociedade, continuaremos a chorar pela perda dos nossos entes queridos em acidentes rodoviários.

Podemos até ter tudo que queremos, nomeadamente o parque automóvel inspeccionado, estradas impecáveis e bem sinalizadas, escolas de condução com uma boa qualidade de ensino e uma rigorosa fiscalização rodoviária por parte da polícia e do INATRO, mas continuaremos a enfrentar os mesmos problemas enquanto os condutores serem irresponsáveis.

Se todos conduzissem com responsabilidade. Se todos os automobilistas cumprissem rigorosamente o Código da Estrada, ;podem ter a certeza de que teremos menos acidentes de viação. Infelizmente hoje temos condutores que, diante do volante, são autênticos assassinos. Transformam-se numa séria ameaça à integridade pública.

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