Conselho Constitucional “fez muita confusão” na interpretação das suas competências

DESTAQUE POLÍTICA
  • Juristas dizem que juízes do CC podem ter metido os pés pelas mãos
  • Não é competência do CC contar votos, mas sim validar ou recomendar anulação ou repetição
  • “Há, claramente, situações justificam a anulação de eleições” – Baltazar Fael

O Conselho Constitucional (CC) validou e proclamou os resultados das VI Eleições Autárquicas ocorridas a 11 de Outubro do ano em curso depois de realizar operações matemáticas que levaram à alteração dos dados de centralização feita pela Comissão Nacional de Eleições (CNE). Em meio a divergência de opiniões, alguns juristas entendem que o CC não entendeu correctamente as suas atribuições ao reconhecer a existência de irregularidades que levaram à alteração do que devia ser o resultado do escrutínio e ainda assim não anular as eleições em autarquias como Matola, Cidade de Maputo, Quelimane, Vilanculos, entre outros, tal como decidiu no caso de Marromeu. E mais, questionam a base legal que o Conselho Constitucional usou para chamar para si a competência de contar votos, em vez de recomendar que os órgãos eleitorais o fizessem, como de resto havia decidido alguns tribunais.

Abanês Ndanda

O Conselho Constitucional recebeu e julgou praticamente como primeira e última instância – já que anulou e desqualificou os tribunais de distrito – 40 recursos, de 32 dos 65 municipios onde se realizaram as eleições autárquicas, nomeadamente nas autarquias da Cidade de Maputo (Kampfumo, Kamubukwana, Kamavota e Nlhamankulu), Matola, Matola-Rio, Manhiça, Marracuene, Xai-Xai, Praia de Bilene, Chokwe, Manjacaze, Vilankulo, Beira, Marromeu, Moatize, Quelimane, Maganja da Costa, Morrumbala, Alto-Molócue, Milange, Gurué, Nampula, Angoche, Nacala-Porto, Monapo, Ilha de Moçambique, Chiure, Cuamba, Mandimba e Insaca.

O resultado é que as decisões, mesmo nos casos em que o próprio CC reconheceu a ocorrência de irregularidades que realmente alteraram o que poderia ser os resultado das eleições, no que refere a qual cabeça-de-lista ficaria o edil e ao número de mandatos nas assembleias municipais pelos concorrentes.

Entretanto, noutros procedeu a alteração dos número de mandatos, com recurso à “reverificação dos dados” (linguagem usada pelo CC, mas que não está alicerçada em nenhuma base jurídica), noutros mandou repetir a votação em algumas Assembleias de Votos (como os casos de Nacala-Porto, Milange e Guruè) e num concretamente – Marromeu – decidiu pela anulação de toda eleição de 11 de Outubro.

Em contacto com o Evidências, o jurista Baltazar Fael entende que o Conselho Constitucional fez muita confusão na interpretação daquilo que são as suas competências e mesmo dos tribunais de distrito como primeiras instâncias no contexto do contencioso eleitoral.

“O Conselho Constitucional só valida a eleição, quando as irregularidades verificadas na mesma não possam influir no resultado eleitoral, ou seja, quando foi garantida a liberdade de voto, a liberdade e vontade eleitoral e a verdade eleitoral. Isto é o que o CC diz no seu acórdão, mas no mesmo validou eleições na Cidade de Maputo, Matola, Vilanculos, Nampula, Quelimane, entre outros, mesmo tendo ocorrido situações que influíram no resultado e que foi sendo alterado de fase no apuramento”, defende Fael.

O Conselho Constitucional contrariou-se no acórdão

O questionamento em relação à apreciação feita pelo CC tem a ver com o que efectivamente devia aquele órgão fazer, conforme o estabelecido legalmente sobre as suas competências.

Só para citar um dos vários exemplos, pode se ler no acórdão do CC que “no que diz respeito a Cidade de Quelimane, os resultados decorreram da reverificação dos dados, de acordo com a prova produzida, tendo resultado que a Renamo passou de 36.399, 22 mandatos, a 39.021 votos, 23 mandatos, e a Frelimo de 38.595votos e 23 mandatos a 35.973 votos e 22 mandatos”, podendo se notar terem havido situações que influíram no resultado, que de acordo com a grande premissa a eleição deveria ter sido anulada.

“As competências do CC em relação ao contencioso é verificar se terão ocorrido situações que pudessem influenciar o resultado das eleições, o que em caso positivo leva à anulação das eleições”, considera Baltazar Fael.

Nisto, a divergência tem que ver com o facto de, no caso concreto, o Conselho Constitucional, mesmo reconhecendo a existência de tais situações, não ter decidido pela anulação do escrutínio.

Na explanação de Baltazar Fael, para quem a validação e proclamação dos resultados é uma decisão residual (ocorrendo somente quando não há irregularidades aptas a influir no resultado geral), “houve situações em que se falava de reverificação de votos, e o resultado foi a mexida nos números de mandatos, havendo caso até em que os que tinham sido declarados vencedores (listas que garantiam a edilidade) acabaram perdedores, com base na redistribuição do número de votos, havendo casos de dezenas de milhares de votos, e esta é uma situação que devia justificar a anulação de eleições”.

Este é um entendimento não corroborado pelo especialista em direito eleitoral, Guilherme Mbilana, em contacto com o Evidências.

“Não é a primeira vez que o Conselho Constitucional assim procedeu em acórdão. Talvez não se tenha notado tanto quanto nestas eleições”, disse Mbilana à nossa reportagem sobre a alteração de resultados fornecidos pela Comissão Nacional de Eleições. Mbilana se manifestou em sentido de não ver problema algum ao assim proceder o CC.

Conselho Constitucional presumiu competências e incompetências

Para Baltazar Fael, o CC fez uma ‘salada’ no que se refere às competências, tanto suas quanto dos tribunais de distrito.

“E de notar que a atribuição de competências aos tribunais judiciais de distrito, como tribunais eleitorais de primeira instância, não foi precedida de uma harmonização e sistematização da legislação vigente que previa recursos graciosos eleitorais desde a mesa da assembleia de voto até à Comissão Nacional de Eleições, de onde se podia recorrer ao Conselho Constitucional. Esta previsão legal fez desencadear um fenómeno estranho na administração da justiça eleitoral, na medida em que o Conselho Constitucional decidia os recursos das decisões dos tribunais judiciais de distrito sobre as decisões das comissões distritais ou de cidade de eleições”, lé-se no acórdão do CC.

Para o colectivo de juízes do Conselho Constitucional (já que o acórdão foi consensual entre eles), o entendimento é de que “se a competência de validação está concentrada no Conselho Constitucional, a competência de prática de acto contrário está, por maioria de razão, reservada ao mesmo órgão”.

Na verdade, este posicionamento tem como ideia geral a incompetência dos tribunais de distrito para declarar nula alguma eleição, referindo-se a uma “regra da competência implícita e do princípio do paralelismo, segundo o qual, quando a lei atribui uma competência a um órgão, será este órgão também competente para a prática do acto contrário, usando a mesma forma”.

É aqui onde Baltazar Fael considera que o Conselho Constitucional meteu os pés pelas mãos, ao considerar competência implícita, o que viola um dos princípios sacrossantos de direito administrativo em matéria de competência, no sentido de que ‘a competência não se presume’.

“O Conselho Constitucional entendeu que o tribunal inferior não pode anular as eleições. Isto foi uma mera presunção, sendo verdade que a competência não se presume”, Baltazar Fael.

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