Crenças culturais fazem com que muitas mulheres sofram violência e fiquem no silêncio

SOCIEDADE

Muitas são as mulheres que são violentadas pelos seus parceiros e abraçam o silêncio devido aos hábitos culturais, ou seja, foram ensinadas desde a tenra idade que os problemas conjugais resolvem-se no quarto, em família e não nas esquadras. No entanto, a Associação para o Desenvolvimento da Família (AMODEFA) refere que vítimas preferem abraçar o silêncio porque as autoridades que deviam zelar pelos direitos das mulheres não dão o devido seguimento às denúncias das mulheres que foram alvo de violência.

Texto: Esneta Marrove

Estatisticas apontam que pelo menos 3.923 casos de violência física e 1.504 de violência psicológica foram registados de Janeiro até Setembro do ano em curso, em todo o território moçambicano, segundo dados avançados semana finda pela presidente da Assembleia da República de Moçambique (AR), Esperança Bias, que acredita que os números tendem a subir.

Apesar da crescente consciência da parte das vítimas sobre a necessidade de denunciar, mercê das campanhas do Governo e outros actores da sociedade civil, ainda persistem casos de mulheres que sofrem um ciclo de violência física, psicológica e patrimonial e continuam caladas por medo de julgamento da sociedade, ligado a questões culturais.

“Ensinaram-me que todos problemas devo resolver dentro de casa com o marido e minha família. Aprendi que nunca devo ir denunciar meu marido”, assim justificou Marta Ngomane, de 46 anos, residente do bairro Chihango, arredores da Cidade de Maputo, que carrega no corpo e na alma as marcas de anos de violência que tem sofrido.

Ngomane contou ao Evidências que tem sido alvo de violência física e psicológica do seu parceiro, mas nunca teve coragem de denunciar porque em tenra idade foi ensinada que os problemas conjugais são resolvidos dentro de casa e não nas esquadras.

A sobrevivente conta que o ciclo de violência iniciou quando decidiu sair da casa dos progenitores para viver maritalmente com seu esposo, referindo que no início tudo parecia um mar de rosas, mas depois a relação tornou-se azeda.

“No princípio era tudo bonito, até que começaram as primeiras discussões e na primeira vez que ela procurou por ajuda, a mãe perguntou-a se queria denunciar seu marido? E seus filhos como vão ficar? Se ele te insultou é porque provocaste, tu deves calar. Volte para sua casa e não pergunte nada ao seu esposo”, lembrou com um sorriso irónico no rosto.

Ao invés de denunciar o agressor, Marta Ngomane preferiu continuar a sofrer em silêncio para agradar os seus familiares, mesmo conhecendo os mecanismos de denúncia.

Ao contrário de Marta, que foi várias vezes espancada pelo parceiro, Olinda Nhampossa foi vítima de violência patrimonial, uma vez que ficou sem casa em virtude do marido, por sinal pai dos seus dois filhos, ter vendido a mesma na ausência dela.

“Fui a Macia para visitar minha família, duas semanas depois voltei e descobri que já não tenho casa porque meu marido vendeu por 500 mil meticais”, contou Nhampossa, para seguidamente referir que foi pressionada pela sogra para não denunciar o marido, alegando que era muito espaçosa para quatro pessoas.

“Ela disse para eu perdoar o filho e que lar é assim mesmo, por isso tínhamos que nos mudar até a casa dela, onde vivemos até hoje”, lembra a fonte, que convive até hoje com a dor de perder uma casa que construiu na base de muito sacrifício.

AMODEFA culpa também as autoridades por falta de seguimento dos casos

O facto das mulheres vítimas de violência baseada no género abraçarem o silêncio ao invés de denunciar os agressores preocupa sobremaneira a Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família (AMODEFA).

Segundo Idrisse Aly, educador de pares na AMODEFA, as questões culturais influenciam muito para que as vítimas tomem a decisão de não denunciar os seus agressores, porém, não deixa de fora a falta de seguimento dos casos por parte do Governo, o que para ele motiva muitas vítimas a permanecerem caladas, por isso diz que os direitos das mulheres e raparigas estão a ser violados pelas autoridades da justiça e, sobretudo, pela sociedade.

“Trabalhamos para desconstruir esses preconceitos na mente da comunidade, todos têm os mesmos direitos, é importante transmitir essa informação a população, só assim teremos equidade de género e menos casos de violência”, disse.

Prosseguindo, Aly refere que é preciso que o Governo olhe com seriedade esse tipo de casos e crie mecanismos mais eficientes e confiáveis para que a vítima não continue sofrendo calada e, ao mesmo, recorrer a família como o meio de resolução dos casos de agressão ou qualquer tipo de violência.

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