Henry Kissinger e le questioni africane degli anni Settanta

OPINIÃO

Luca Bussotti

Se tivermos de redigir uma classificação dos homens políticos mais poderosos e influentes do século XX, não resta dúvida de que Henry Kissinger, que acaba de falecer, foi um dos maiores, mais respeitados e mais criticados. Judeu alemão, refugiou-se, na altura adolescente, em 1938, com seus pais nos Estados Unidos, onde conseguiu a cidadania americana em 1943. Doutor pela Universidade de Harvard, pouco tempo depois se tornou professor daquela prestigiada instituição. Republicano convencido, colaborou com cargos muito importantes (Secretário de Estado) com vários presidentes do seu partido, desde Eisenhower até Nixon e Ford. A sua figura sempre foi muito contestada, principalmente no que diz respeito às questões relativas à América Latina e a Ásia. Kissinger foi um dos apoiantes da “Operação Condor”, uma operação global dos Estados Unidos na parte sul do continente americano, que procurou derrubar regimes democráticos, como o de Salvador Allende no Chile, em favor de ditadores como Pinochet, apoiando também governos golpistas e autoritários no Brasil e na Argentina, onde lançou uma “dirty war”, ignorando os crimes contra a humanidade que tais governos levaram a cabo.

Contestado Prémio Nobel pela paz em 1973 para a sua mediação para a cessação da guerra no Vietname, Kissinger deixou, na América Latina, um legado muito pesado aos Estados Unidos. Quando Obama foi para Buenos Aires, em 2016, boa parte das organizações argentinas da sociedade civil reclamaram o papel dos Estados Unidos durante o período da guerra fria naquele país, nos anos Setenta. Ao que Obama respondeu pedindo desculpa para os “sins of omission” (“pecados de omissão”) da administração americana, mandando desclassificar uma larga parte dos documentos da intelligence dos Estados Unidos, até então classificados e, portanto, secretados.

Kissinger aplicou a filosofia da Realpolitik a 360 graus, com uma constante: o pavor do comunismo soviético. Foi nesta dimensão que ele “inventou” a China, naquela altura um país isolado e sem expressão internacional, em função anti-soviética. E com a China sempre manteve relações cordiais, como demonstra o facto de ter encontrado Xi Jiping ainda em 2023 em Pequim. Nesta circunstância, o chefe de estado chinês recordou o encontro secreto que Kissinger teve na China em 1971 com Zhou Enlai, e que abriu as portas ao encontro Nixon-Mao do ano seguinte, quando as relações diplomáticas entre os dois países foram reatadas, embora o reconhecimento formal entre os dois estados se deu ao longo da administração-Carter, em 1979.

Kissinger adoptou a mesma estratégia para a África, onde a situação, principalmente nas antigas colónias portuguesas e, no geral, na região da África Austral se mostrava particularmente complicada, devido à presença de dois regimes minoritários e racistas, o de Ian Smith na Rodésia do sul, e o de Pretória.

Dois pontos serão aqui tocados. Em primeiro lugar, a questão da Rodésia do Sul, a que Kissinger deu uma contribuição considerável. Com efeito, o país mais diretamente interessado em resolver a questão, o Reino Unido, estava num impasse com relação à sua antiga colónia, que em 1965 tinha unilateralmente proclamado a independência de Londres, mas através de um governo racista de uma minoria branca. Nenhum estado reconheceu a nova Rodésia, e o embargo que as Nações Unidas decretaram foi só em parte respeitado. A própria Grã Bretanha, em parte os Estados Unidos (para o comércio de cromo), mas sobretudo países que na altura não faziam parte das Nações Unidas, como Suíça, Alemanha Ocidental, e ainda outros, como África do Sul e Portugal, ignoraram as sanções, permitindo a este governo de minoria de sobreviver.

Kissinger promoveu um encontro que iniciou a desbloquear a questão rodesiana, já insustentável a vários níveis, sobretudo depois das independências das antigas colónias portuguesas. Em 1976, na Alemanha Ocidental, Kissinger encontrou o primeiro-ministro sul-africano Vorster, para fazer com que ele fizesse pressões sobre Ian Smith para aceitar a sua saída do poder e a entrega, dentro de dois anos, do governo nas mãos dos movimentos de libertação daquele país. Apesar das muitas complicações que se deram, este passo foi decisivo para que se alcançasse finalmente um consenso entre as partes, que culminou, em 1979 com a assinatura dos Acordos de Lancaster House, em que Moçambique, mediante Samora Machel, teve um papel também decisivo, pressionando um recalcitrante Mugabe a assinar tais acordos.

Kissinger percebeu que o segundo bastião do anti-comunismo na África Austral, a Rodésia do Sul, já tinha os dias contados. Assim, usou a África do Sul (o primeiro bastião) para resolver o problema. Isso significou (salvo o parêntese da administração-Carter) fortalecer o papel de Pretória naquela região, que durou até o início da década de 1990.

O outro momento fundamental da era-Kissinger para a África esteve diretamente ligado à superação da questão rodesiana. Em 1977 Carter ganhou as eleições nos Estados Unidos, e procurou apertar o cerco diante do regime de Pretória, que ele considerava desrespeitoso dos direitos humanos, e portanto um aliado cada vez mais problemático. Entretanto, Kissinger tinha deixado muitos adeptos da sua Realpolitik na administração americana, inclusive no Departamento de Estado e na CIA. Os factos daqueles anos empurraram para que a doutrina-Kissinger acabasse prevalecendo: por um lado, a invasão soviética do Afeganistão em 1979 provocou novas tensões com Washington; em segundo lugar, a 4 de Novembro de 1979, 52 cidadãos americanos ficaram reféns de grupos islâmicos em Teerão. Tais factos demonstraram, segundo boa parte da opinião pública americana, a fraqueza e ineficácia da administração-Carter, o que fez com que o republicano Reagan ganhasse as eleições de 1980. Reagan queria faces novas na Casa Branca, e Kissinger ficou de fora de qualquer cargo público. Assim, abriu uma empresa de consultoria de geopolítica, que continuou a cultivar até a sua morte, com 100 anos de idade.

Apesar disso, a política de Reagan sobre África teve muitos elementos em comum com quanto Kissinger tinha feito: a África do Sul como elemento central da luta contra o comunismo, o ignorar, em larga medida, a violação dos direitos humanos naquele país, assim como a impossibilidade de solucionar a ocupação sul-africana da Namíbia e a questão angolana.

Com a morte de Kissinger o último testemunho da guerra fria e da geopolítica do século passado desapareceu. Hoje, o que resta a fazer é procurar estudar com mais atenção a sua obra, entrelaçada com os acontecimentos, muitas vezes trágicos, daquela época histórica, e que mesmo com relação a África e Moçambique tiveram um papel decisivo, cujos efeitos se reflectem ainda nos dias de hoje.

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