Suicídio: Um problema de saúde pública e mental que continua a fazer vítimas no silêncio em Moçambique

SOCIEDADE
  • Depressão, separação, violência doméstica e jogos de azar entre as principais causas
  • Em 2021, suicídios foram responsáveis por 11% das mortes em Moçambique
  • Psicólogos apontam para a depressão como das causas dos suicídios
  • Pastor fala de problemas espirituais, mas também começam a surgir vítimas de jogos de apostas
  • Agentes da PRM nas estatísticas das pessoas que mais cometem suicídios no país

O suicídio consta do rol dos graves problemas de saúde pública, sobretudo entre os jovens e adultos em Moçambique, mas também já há casos relatados de adolescentes e até crianças que tiraram a própria vida. Nos últimos anos, tende a crescer o fenómeno nas principais cidades do país, o que de certa forma preocupa sobremaneira as autoridades sanitárias. Enquanto os sobreviventes deste mal que apoquenta a sociedade referem que optaram pelo caminho de tirar a sua própria pelo facto de terem sido engolidos pela depressão e não conseguiam ver nenhuma luz no fundo do túnel, a psicóloga Maria Neves refere que para além da depressão há outros factores que levam as pessoas a enveredar pelo caminho do suicídio, ou seja, a separação e o mau ambiente familiar, entre outros factores que causam perturbações mentais, fazendo com que as pessoas não vejam outra solução senão terminar com a própria vida. Mas, para o fórum religioso, há uma outra explicação que procura relacionar a prática a problemas espirituais, defendendo que “as famílias devem estar em constante corrente de oração para fechar as portas a este espirito satânico que semeia luto e dor nas famílias moçambicanas.

Duarte Sitoe

Um estudo divulgado pelos Institutos Nacionais de Saúde e Estatística (INS e INE), em Maio do corrente ano, aponta que os acidentes de viação são a maior causa de morte violenta, visto que são responsáveis por 26 por cento deste tipo de óbito. Em segundo lugar, nesta categoria estão os suicídios, que segundo o mesmo relatório contribuem com 11% para o número global de óbitos em Moçambique.

O INS e INE não adiantaram números, mas as estáticas de 2021 indicam que mais de quatro mil pessoas tentaram suicidar-se num único ano civil, contra cerca de três mil, em 2020, sendo que Manica e Cidade de Maputo lideram em número de casos.

Este ano, embora ainda não hajam estatísticas conclusivas, o fenómeno atingiu contornos jamais vistos no país, tendo sido relatados inúmeros casos de todas faixas etárias, contudo com maior prevalência nos jovens, sobretudo do sexo masculino.

Alguns sobreviventes do fenómeno ouvidos pelo Evidências entendem que os sinais do suicídio tendem a ser ignorados pela sociedade e passam despercebidos até para a família nuclear.

João Magaia, de 49 anos, tentou por duas vezes tirar a própria vida porque não encontrava soluções para resolver os problemas que o torturavam, levando-o a um ciclo depressivo que o levou a tomar a pior decisão da sua vida. Recuperado, depois de um acompanhamento psicológico, hoje afirma em viva voz que venceu este mal devido a ajuda da família.

“Sou casado e pai de três filhos. Era uma pessoa estável, do nada perdi tudo e a minha companheira me abandonou. Foi um duro golpe porque estávamos casados e acreditava que só a morte nos iria separar. Ela não se envolveu com outro homem e para mim aquela atitude foi traição. Tentei resistir e continuar a lutar, apesar do que aconteceu. Infelizmente, não foi possível, preferi tirar a minha própria porque achava que esta era a única solução para os meus problemas”, relata.

Tortura psicológica e falta de diálogo nas famílias entre as causas de suicídio

O sobrevivente que decidiu tomar veneno para ratos para pôr término à própria vida, mas tal não aconteceu graças a intervenção dos filhos que conseguiram chamar os vizinhos a tempo e foi salvo.

“A minha companheira voltou à casa depois do que aconteceu. Não foi por iniciativa própria, mas por insistência das nossas famílias. Nos primeiros dias tudo estava nos carris. O tempo passou e ela me humilhava perante aos meus filhos pelo facto de estar desempregado. Aquilo me roeu por dentro, pois não me sentia homem e abri as portas para o demónio do suicídio. Na segunda vez usei uma corda, mas um vizinho foi enviado por Deus para evitar o pior. Hoje estou arrependido por tudo, entendi que há outras soluções do que tirar a própria vida e apelo aos outros, sobretudo, os jovens para não tomarem esta decisão”, contou o sobrevivente, tentando segurar as lágrimas nos olhos.

Ao contrário de João Magaia que sobreviveu a duas tentativas de tirar a própria vida depois de perder o emprego e ser desprezado pela esposa, Ismênia Noé, de 28 anos de idade, foi engolida pela depressão e ninguém percebeu os sinais daquele transtorno psicológico até o momento que ela decidiu que o suicídio resolveria o seu problema.

“Eu sentia-me abandonada por todos, seja em casa ou na escola. Isso contribuiu para desenvolver depressão. Nos primeiros dias refugiava-me na bebida, mas sempre que estivesse lúcida o problema voltava mais forte. Cansada e fatigada pelo drama que estava a viver decidi tirar a própria vida. Não sei como estou viva, mas agradeço a Deus por isso. Hoje valorizo a vida e entendo que vale a pena viver, apesar dos problemas”, conta a jovem sobrevivente.

Após a tentativa fracassada de tirar a própria vida, a ajuda de familiares e amigos foi vital para ela superar o sucedido. Um simples gesto como dar atenção a ela foi suficiente para que recuperasse a vontade de viver.

“Eles começaram a me dar atenção, e hoje compreendo que a falta de diálogo nas famílias está por detrás dos suicídios, sobretudo nos mais jovens”, sugeriu Ismênia Noé.

Quando o medo da separação leva a uma decisão trágica

Mateus Malendza, de apenas 23 anos de idade, não teve a sorte de sobreviver para contar a sua própria história. Segundo contou o irmão, Vicente Malendza, Mateus era um jovem normal, mas começou a desenvolver traumas depois de se separar da namorada ao cabo de quatro anos de namoro.

Malendza lembra com nostalgia e com alguma tristeza quando o irmão prometia que ia partir se não se reconciliasse com a namorada, e todo o mundo ignorou, pensando que era um simples desabafo.

“O suicídio é uma realidade na sociedade actual. No passado afectava apenas os mais jovens, mas agora nenhuma pessoa é imune. O meu irmão era saudável. Infelizmente, não conseguiu digerir a separação com a namorada. Antes de engrenar pelo caminho do suicídio fazia promessas e pensávamos que fosse brincadeira. Aproveitou um dia em que ninguém estava em casa e se enforcou. Foi um duro golpe para a família porque era um jovem com um futuro promissor, visto que era um dos mais destacados na faculdade que frequentava”, testemunhou.

Agentes da PRM entre os que mais cometem suicídio

Em Junho do corrente ano, o comandante-geral da Policia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, revelou que nos últimos dois anos um total de 17 agentes da corporação cometeram suicídio, tendo mostrado preocupação com este fenómeno que já virou prática comum no seio das autoridades da lei e ordem.

Nas estatísticas de Bernardino Rafael não fazem parte pelo menos dois agentes da corporação que tiraram suas próprias vidas nos últimos dois meses. O primeiro suicidou-se depois de perder uma avultada quantia de dinheiro numa casa de apostas, num jogo famoso conhecido por “Aviator”. O dinheiro havia-lhe sido emprestado por um agente de carteira móvel. Outro atirou-se na Ponte da Matola-Rio, sendo que até aqui se desconhecem as razões que levaram o finado a tomar esta decisão, mas fala-se de problemas passionais.

De acordo com o psicólogo Hachimo Chagane, suicídio é um fenómeno que se instalou nas fileiras da PRM, e muita gente não sabe o quão estressante é trabalhar nas ruas, ver os colegas a cair em combate em Cabo Delgado ou em qualquer lugar e outras situações difíceis de descrever.

Analisando este fenómeno no seio da corporação, Chagane refere que os agentes da lei e ordem podem desenvolver facilmente o stress, que por sua vez vai criar traumatismos psicólogos nos mesmos. “Normalmente, há uma falsa impressão que começa quando a depressão assenta-se na vida de um polícia ou militar, que quando não encontra a ajuda necessária se refugia no álcool ou opta em pôr fim ao seu sofrimento, pois pensa que a vida dos outros vai bem, menos a sua. É tudo falso”, explicou a fonte, para depois declarar que o Ministério do Interior deve apostar no acompanhamento psicológico para reverter o actual cenário.

“A função de polícia não é tão simples como muitos pensam. Todos polícias deviam ter constantes acompanhamentos psicológicos, pois alguns desenvolvem transtornos compulsivos e agressivos, mas ninguém presta atenção nisso”.

Refira-se que ainda este ano, há alguns meses, um cidadão morreu trucidado por um comboio, após atirar-se na linha férrea. Segundo testemunhas, momentos antes do sucedido, o finado perguntou a que horas o comboio passava e se parava naquele local, as senhoras na sua inocência responderam que o comboio passava por ali por volta das 5h40.

Quando o comboio chegou, parou no local como habitual, nesse instante, o homem deixou suas trouxas, passou para o outro lado da linha, esperou o comboio arrancar e se lançou em frente da locomotiva e acabou encontrando a morte no local.

Enquanto isso, há dias, um cidadão de nacionalidade chinesa, morreu após atirar-se no vão da Ponte Maputo-KaTembe, sendo até agora desconhecidos os motivos que o levaram a tomar aquela decisão.

“A melhor forma de prevenir o suicídio é falar dele”

A psicóloga Maria Neves refere que embora se aponte para a depressão como a principal causa dos suicídios pode-se igualmente arrolar a doença bipolar, a esquizofrenia, separação, mau ambiente familiar e outras doenças mentais.

“Há multiplicidade de factores que levam as pessoas a cometer suicídio, a depressão é o que mais se destaca, uma vez que esvazia a pessoa por dentro e faz com que a mesma se sinta inútil e inferior em relação aos outros. Ao perder a motivação para viver, a pessoa começa a pensar em tirar a sua própria vida. Pode-se, igualmente, dizer que o grosso das pessoas que opta por esse caminho sofre de perturbações mentais que não são devidamente tratadas”.

Na opinião de Neves, a melhor maneira de evitar suicídio é falar dele sem tabus com vista a despertar a sociedade sobre este fenómeno que dizimou centenas de vidas nos últimos anos.

“A sociedade está preocupada com a onda de suicídios, mas não sabe como combatê-los. A melhor maneira de prevenir o suicídio é falar dele. A sociedade moçambicana deve saber que depois do suicídio não há mais vida, mas é preciso que sejam pessoas que estão abalizados no assunto para não transmitir informações que ao invés de combater vão incentivar o fenómeno”, sublinha a psicóloga, defendendo que os moçambicanos devem ter o hábito de se consultar com psicólogos logo que surgirem os primeiros sinais.

Por sua vez, o psicólogo Lourenço Martins aponta que a sociedade deve buscar mecanismos para combater o suicídio porque tem sido uma prática comum no seio dos jovens nos últimos anos. Aliás, defende que o suicídio deve ser encarrado como problema de saúde pública.

“Quando um homem comete suicídio, as pessoas dizem que é devido a um problema passional, mas há muita coisa por detrás deste comportamento. Há pessoas casadas que sofrem de depressão, mas a separação e violência doméstica são outros factores que contribuem para o alto índice dos suicídios no país. O Governo e a sociedade civil devem urgentemente buscar mecanismos para ensinar os nossos jovens a gerir emoções, sobretudo acabar com este fenómeno”.

No entanto, a religião procura dar outra explicação a este fenómeno. Para o pastor da Igreja Evangélica em Cristo, Eduardo Almeida, o suicídio deriva de problemas espirituais.

“As famílias devem estar em constante corrente de oração para fechar as portas a este espírito satânico que semeia luto e dor nas famílias moçambicanas”, recomenda aquele ministro sagrado.

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