Alexandre Chiure
Como estava previsto, os municípios de Marromeu, no seu todo, Milange, Gurué e Nacala-Porto, apenas em algumas mesas, repetiram, no domingo passado, as eleições em cumprimento do disposto no acórdão de validação dos resultados das VI Eleições Autárquicas tornado público a 24 de Novembro pelo Conselho Constitucional.
Elas saíram melhor que a encomenda e à fotocópia das do dia 11 de Outubro onde não faltaram disparos, lançamento de gás lacrimogénio, detenções de delegados de lista de alguns partidos da oposição, tentativas de enchimento de urnas e a indisciplina e falta de responsabilidade por parte de alguns presidentes das assembleias de voto que se ausentaram dos seus postos durante mais de três horas.
Tudo isto quer dizer que não houve melhorias nenhumas do ponto de vista de organização e gestão de eleições. Os órgãos eleitorais continuam a registar as mesmas fragilidades. A troca de cadernos eleitorais que ocorreu em Gurué é um problema de organização. A circulação de boletins de voto fora do circuito oficial, como aconteceu em Marromeu, é um problema da falta de controlo e organização.
O espectáculo barato que nos foi dado a assistir em que eleitores se envolveram em vergonhosas pancadarias que obrigaram à interrupção da votação por 20 minutos ou mais, em algumas mesas, quer em Marromeu, quer em Gurué, resultaram destes problemas. É que onde há organização, não há lugar para confusão. Não há como os eleitores envolverem-se em violência ou na disputa de urnas porque alguém introduziu alguns votos a mais.
Se a CNE e o STAE cometem falhas deste género num processo tão pequeno como este, o que é que se pode esperar de um processo complexo como das eleições gerais de 2024, de cobertura nacional?
Se os órgãos eleitorais não são capazes de garantir um processo limpo em todos os aspectos em apenas quatro municípios. Uma eleição livre, justa e transparente em que todos os actores políticos se podem espelhar, não sei o que dizer em relação às eleições que vêm ai.
Este acto eleitoral de domingo último é como que uma cópia que se confunde com a original, em todos os aspectos. É que ninguém aceita os resultados parciais divulgados até aqui pelos órgãos eleitorais e todos os actores políticos buscam argumentos nas irregularidades ocorridas principalmente em Marromeu, Gurué e Nacala-Porto.
Os números resultantes da repetição de eleições nas quatro autarquias falam do presente e, ao mesmo tempo, do futuro. Do que podemos esperar do sufrágio de Outubro de 2024, nomeadamente nas eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais.
Em relação ao presente, demonstram o desinteresse do público quanto aos próprios processos eleitorais moçambicanos. Votar ou não, parece ter o mesmo significado, pois não haverá uma alteração substancial dos resultados finais.
Olhando para as estatísticas tornadas públicas, dá para entender que a maior parte dos eleitores boicotou as eleições em resposta ao apelo da Renamo, particularmente em Nacala-Porto. Aqui, este partido convocou, nas vésperas, uma manifestação para 10 de Dezembro, dia da votação, que acabou por não acontecer. As pessoas preferiram ficar em casa temendo a violência.
Como se isso não bastasse, alguns dias antes de repetição de eleições, desconhecidos incendiaram salas de aula da escola onde ia decorrer a votação, o que, por um lado, retraiu outra faixa de eleitores e, por outro, tirou o brilho ao acto eleitoral.
O resultado é que em Milange, dos pouco mais de dois mil eleitores inscritos, votaram apenas 640, o correspondente a cerca de 26 por cento. Em Nacala-Porto, onde membros e simpatizantes da Renamo preferiram não votar, o índice de abstenção foi de pouco mais de 70 por cento e em Gurué, de 66,43 por cento, o que é grave.
Os mesmos números falam, também, do futuro. Dão sinais de que nas próximas eleições gerais de 2024, o índice de abstenções será elevado e acima dos habituais 40 a 50 por cento.
Primeiro. Porque o país vai avançar para o sufrágio com os mesmos órgãos eleitorais que já não merecem credibilidade perante o público ao serem conotados com a fraude em grande escala, ocorrida um pouco por todo o país, em eleições mais protestadas de sempre e com irregularidades e ilícitos eleitorais da história da democracia moçambicana.
Segundo. Ninguém mais acredita no Conselho Constitucional que, na maior parte dos casos, assinou por baixo do dossier de apuramento nacional dos resultados eleitorais recebido da CNE, órgão que é acusado de passar por cima de vários problemas que se levantaram e proclamou o partido no poder como vencedor em 64 das 65 autarquias, causando uma forte contestação do público.
O CC, órgão que era visto como a única esperança no sentido de restituição da verdade eleitoral, produziu um acórdão considerado pouco fundamentado em que o conselho retirou da Frelimo quatro municípios a favor da Renamo em circunstâncias pouco claras. Há o sentimento de que com a decisão tomada, não foi respeitada, na globalidade, a vontade popular nestas eleições, uma das razões por que alguns eleitores não irão votar em 2024.
Terceiro. Com todas as irregularidades e ilícitos eleitorais registados nestas VI eleições municipais, ao que se adicionam os verificados na repetição em quatro autarquias, os processos eleitorais moçambicanos deixam de ter interesse e de ser aliciantes. O debate que hoje se trava é se vale a pena continuar a votar ou ficar de longe a assistir ao barco a passar.
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