- O órgão de disciplina só aplicou 30 dias de Multa
- No tribunal judicial da Machava, na província de Maputo
- …Mas, no ano passado expulsou dois juízes que tinham feito a mesma coisa
Dois juízes e dois escrivães do Tribunal Judicial do distrito da Machava, na província de Maputo, desviaram perto de 900.000 MT (oitocentos mil meticais). Trata-se de Nilza dos Santos Seifane Pene e Hermenegildo Pedro Chambal, juízes de Direito, em conluio com as escrivães Angélica Bernardo Pedro Nhalinguangue e Romana Basílio Langa, das 1ª e 2ª Secções do Tribunal Judicial naquele órgão de administração da justiça. Ressalte-se, entretanto, o facto de CSMJ ter aplicado a brandíssima pena de multa de 30 dias somente, quando no ano passado expulsou outros dois juízes que também tinham desviado fundos.
Abanês Ndanda
O desfalque aconteceu em exactos dois anos, de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2020, conforme a descrição cronológica dos factos na deliberação do Conselho Superior de Magistratura Judicial, datada de 05 de Dezembro corrente.
A juíza, aliás arguida no processo, Nilza dos Santos Seifane Pene iniciou funções na 1ª Secção do Tribunal Judicial do Distrito da Machava em Abril de 2017, desempenhando as funções de Juíza de Direito e de Juíza Presidente de Secção, e em 2019 tornou-se Juíza Presidente do mesmo Tribunal.
A magistrada Nilza trabalhou na orquestração do desfalque com a escrivã Angélica Pedro Bernardo Nhanliguangue, que iniciou funções na 1ª Secção do tribunal do distrito da Machava, e em 2018 como Escrivã de Direito.
O juiz, também arguido, Hermenegildo Pedro Chambal iniciou funções na 2ª Secção do Tribunal Judicial do Distrito da Machava, em Abril de 2017, desempenhando as funções de Juiz de Direito e de Juiz Presidente de Secção, e de Maio de 2018 até Agosto de 2019 as funções de Juiz Presidente do mesmo Tribunal.
Romana Basílio Langa desempenhou funções na 2ª Secção do Tribunal Judicial da Machava, de 2018 a Maio de 2020, como Escrivã de Direito e Secretária da Delegação do Cofre.
O juiz Chambal, na segunda secção, cometeu as falcatruas em conexão com a sua escrivã Romana Langa. O juiz, no ano de 2019, autorizou e emitiu diversas requisições e cheques em nome da sua escrivã Romana Langa e de empresas para a realização de alegadas despesas respeitantes ao tribunal, permitindo, assim, que os referidos levantamentos se efectivassem. Neste esquema, no total de levantamentos feitos no ano de 2019, tem se como não justificada a quantia de 118.025,00Mt (cento e dezoito mil, vinte e cinco meticais).
Na primeira secção de onde sobressaem os nomes da Juíza Nilza e a escrivã Angélica, o esquema não era muito diferente.
Durante o exercício das suas funções, no Livro de Depósitos Obrigatórios não foram lavrados os respectivos termos e as suas folhas contêm rasuras e emendas não ressalvadas, o livro de Preparos e custas Judiciais contêm, igualmente, rasuras e emendas não ressalvadas, e as suas folhas se encontram enumeradas até folhas 53, permanecendo as restantes desprovidas de numeração que era para possibilitar o desfalque.
Ainda, nos dois livros de conta corrente com o Banco, dos quais 1 (um) de Depósitos Obrigatórios e 1(um) de Preparos e Custas Judiciais, não se indicam os números dos cheques passados a favor de diversas entidades beneficiárias e não são feitas as conciliações mensais, porquanto não há somas de entradas e saídas de valores num esquema para impossibilitar, inclusive, o controlo dos saldos para os meses seguintes.
Assim, neste esquema, foram embora pelo menos 776.250,73 Meticais, que juntados ao rombo que teve lugar na segunda secção acha-se a soma de um total de 894.275,73 Meticais.
Na deliberação Nº126/CSMJ/P/2023, de 05 de Dezembro, o Conselho Superior de Magistratura Judicial decidiu em punir cada um dos quatro com uma branda pena de multa por trinta dias. Quer isso dizer que os juízes prevaricadores nem sequer são obrigados a repor o dinheiro retirado injustamente.
Mesmo crime, mesmo julgador, mas medidas diferentes
A decisão do Conselho Superior de Magistratura Judicial causa alguma estranheza com as condenações tão brandas de apenas um mês de multa, sobretudo quando o mesmo órgão no ano passado decidiu pela expulsão de dois juízes, duas escrivães e oficiais de justiça que também tinham desviado fundos.
No ano passado, tratou-se do Juiz Cirilo João Massingue, do Tribunal Judicial do Distrito da Moamba, província de Maputo; do Juiz Gonçalves Boavida Langa, do Tribunal Judicial da Província de Gaza; da Escrivã Andrieta Matusse, do Tribunal Judicial do Distrito da Moamba; da Escrivã Suzana Silvério Uamusse, do Tribunal Judicial da Província de Gaza; e do Oficial de Diligências Manuel Bernardo Nipuro, do Tribunal Judicial do Distrito de Alto-Molócuè, província da Zambézia.
De acordo com a Síntese das Deliberações, o Juiz Cirilo Massingue, na qualidade de assinante das contas bancárias domiciliadas num banco comercial da praça, com destaque para as contas de Depósitos Obrigatórios, Custas e Preparos e da Delegação do Cofre dos Tribunais, à semelhança dos agora penitenciados, procedeu à retirada arbitrária e ilícita de valores destinados, alguns, para si e, outros, para terceiros ligados a si.
Referiu na altura o mesmo CSMJ que Massingue, em conluio com a sua escrivã, exactamente como aconteceu agora, desviou, entre 2020 e 2021, um total de 745.646,81 MT, dos quais 283.000,00 MT foram retirados da conta de Depósitos Obrigatórios, enquanto o restante valor foi sacado da Conta da Delegação do Cofre dos Tribunais. Ademais, o juiz tinha já devolvido mais de 90% dos valores de que se tinha apoderado.
Quanto a Gonçalves Boavida Langa, Juiz de Direito B, afecto à 3ª Secção Criminal do Tribunal Judicial da Província de Gaza, tinha sido acusado de ter desviado um total de 502.841,77 MT, sacados em quatro cheques, todos emitidos a favor da Escrivã de Direito Provincial, Suzana Silvério Uamusse, também implicada no caso.
Como cúmplice do juiz Gonçalves Langa, a Escrivã Suzana Uamusse também foi expulsa da Magistratura Judicial.
Em todos cinco casos, o CSMJ referiu ter ordenado a extracção de cópias dos autos para a instauração dos competentes processos criminais pelo Ministério Público, “por haver indícios de cometimento de infracções de natureza criminal”, o que não se repetiu na decisão deste ano, ainda que em circunstâncias idênticas.
Outro dado a reter é o facto de o CSMJ, na deliberação deste ano, não ordenar a devolução dos valores, mas somente “recomendar ao Cofre dos Tribunais para que encete diligências no sentido de serem devolvidos, pelas arguidas Nilza dos Santos Seifane Pene e Angélica Pedro Bernardo Nhalinguangue, os valores a mais recebidos pelos funcionários do cartório da 2ª Secção do Tribunal Judicial do Distrito da Machava”. Mesmo aqui não fez o mesmo em relação aos dois juízes, o que demonstra alguma disparidade de tratamento entre os co-arguidos.
Facebook Comments