Gabinete de Atendimento à Família e Menores só recebeu duas denúncias em todo ano

SOCIEDADE
  • Houve redução drástica de denúncias de casos de assédio na Cidade de Maputo

O assédio tem sido uma prática comum nas escolas e no local de trabalho, onde as mulheres e raparigas constituem as maiores vítimas. No entanto, no corrente ano, o Gabinete de Atendimento à Família e Menores vítimas de violência recebeu apenas duas denúncias, facto que preocupa sobremaneira aquela instituição que observa que as vítimas não denunciam por medo de represálias nas escolas e nos seus locais de trabalho.

 

Esneta Marrove

 

Apesar dos mecanismos de denúncia existirem, quase ninguém usa, aliás, contam-se a dedo o número de vítimas que superaram o medo e denunciaram. Na capital do país, por exemplo, de Janeiro a esta parte, apenas uma aluna e uma trabalhadora prestaram queixa contra os assediadores.

 

Alice Magame (nome fictício), de 28 anos de idade, trabalha como secretária administrativa numa empresa de limpeza na cidade de Maputo, contou que sofre assédio há meses, mas nunca chegou a denunciar para não perder seu emprego, único meio de sustentar sua família.

 

“Tudo começa quando meu chefe me elogiava dizendo que estava bonita e gentilmente eu agradecia”, conta, para depois revelar que “o que eram apenas elogios” foi se agravando, até que se chegou a vez dos toques no braço, no rosto.

 

Foi quando Alice percebeu que não era comportamento profissional, daí que passou a ignorar a ficar longe do seu chefe, uma decisão não muito eficaz, pois trabalham juntos e no mesmo sector.

 

“Ele fazia de tudo para estarmos sozinhos na sala dele, procurava saber como era minha vida, para me tornar uma presa mais vulnerável para ele”, detalha a fonte, que diz ter pensado em denunciar aos recursos humanos da empresa, no entanto, não o fez porque percebeu que não adiantaria nada.

 

Entretanto, quando o chefe percebeu um comportamento estranho por parte da vítima mudou de táctica, o que era assédio sexual passou para assédio moral.

 

“Agora me insulta, fala mal comigo, tudo que elogiava hoje não é nada, por enquanto vou aguentar, porque se eu denunciar perco meu emprego, e minha família é que vai passar mal”, declarou a vítima.

 

A mesma decisão não foi tomada por Argentina, outra vítima, que decidiu cavar na mente e contar à nossa equipa uma memória que nem o tempo pode apagar. Estava no período probatório quando foi obrigada a abandonar o que achava ser o “emprego dos sonhos”, também por causa de um assediador, mas pagou o preço de ter rejeitado as condições da sua contratação que incluía o envolvimento entre ela e o seu chefe.

 

“Disse que devia passar um final de semana com ele em Macaneta, depois disso assinava um contrato de cinco anos para receber mais de 30 mil meticais, caso não aceitasse devia procurar um emprego que eu dite as minhas regras, naquele momento senti-me entre a cruz e a espada, aceitava ou perdia meu emprego dos sonhos”, lembra.

 

Diante deste cenário, a nossa fonte foi obrigada a deixar para trás todos os planos e sonhos de ter um emprego.

 

“Eu sei que sou inteligente e capaz de chegar longe, e onde eu quiser, sem precisar entregar meu corpo a alguém”, referiu determinada uma das milhares de vítimas de assédio que preferiu não denunciar o prevaricador.

 

Tal como ela, milhares de vítimas sofrem no silêncio e não denunciam os assediadores às autoridades. E os dados não mentem. Segundo Narcisio Chilengue, agente do Gabinete de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violência, a fraca denúncia constitui uma enorme preocupação, daí que entende que o assédio sexual deve ser combatido de uma forma conjunta entre a sociedade, as empresas, as escolas e a polícia.

“Sabemos que os casos de assédio acontecem, e muito, mas a denúncia ainda é fraca, não sei se as pessoas não denunciam por desconhecimento ou por normalizarem, e isso preocupa-nos como autoridades. Este ano, apenas duas pessoas denunciaram”, disse Chilengue.

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