2023, um ano complexo com respostas simples

OPINIÃO

Luca Bussotti

O ano que está a findar não será lembrado como um dos mais brilhantes na história da humanidade. Entre guerras já antigas (Rússia-Ucrânia), novas (Israel-Hamas), e prováveis futuras (Venezuela vs Guiana), associadas aos resultados bastante decepcionantes da Cop 28 sobre o meio ambiente e a transição ecológica e aos cenários políticos internacionais (e nacionais), não resta dúvidas de que não teremos saudades de 2023. Entretanto, existem pelo menos dois marcos gerais que tem caracterizado este ano.

O primeiro tem a ver com a modalidade que prevaleceu no enfrentamento de situações complexas, a nível regional, assim como internacional. Não vale a pena recordar, aqui, que um dos paradigmas mais importantes do pensamento filosófico recente, o da complexidade de Edgar Morin, foi celebrado já faz muito tempo como referência incontornável para compreender a humanidade e as suas mudanças. Trata-se de um paradigma que, em princípio, ajuda a decriptar as transformações sociais e culturais contemporâneas, e a aplicar uma abordagem holística no exercício de compreensão de realidades em constante actualização e mudança, partindo do pressuposto do “irredutível relacionamento de cada coisa”. Em suma, Morin nos ajuda a ultrapassar aquele paradigma positivista baseado na relação causa-efeito e no distanciamento objecto-sujeito que não nos permite uma compreensão complexa da realidade humana.

Os elogios a esta forma de pensamento parecem não encontrar nenhuma, ou quase nenhuma aplicação no cenário político contemporâneo. Com efeito, as questões resultam cada vez mais complexas e entrelaçadas entre elas, mas a sua gestão, por parte da política, continua simples, por não dizer simplista. E o ano de 2023 foi exemplar, deste ponto de vista. Rússia e Ucrânia continuam numa guerra que – já parece evidente – não irá eleger nenhum vencedor; Israel respondeu com uma reação simples (além de trágica e completamente desproporcionada) a um ataque de Hamas que, também, foi caracterizado pela sua simplicidade em querer resolver um problema também complexo (o reconhecimento do Estado da Palestina), matando umas centenas de pessoas inocentes; na Europa, os vários governos – principalmente da direita, mas não só – acham que é possível bloquear as fronteiras continentais à entrada de cidadãos africanos em fuga dos seus países, quando são justamente estas países europeus a contribuir a fomentar políticas que só trazem pobreza, fome, e restrição das liberdades fundamentais no continente africano; e finalmente em Moçambique achou-se que alterar os resultados eleitorais saídos das urnas fosse uma medida certa para conquistar a autoridade par governar as cidades de meio país. A vitória do simplismo foi exemplificada pela afirmação eleitoral, na Argentina, do último adepto do Trump – Milei – e de uma política gritada, raivosa e que certamente irá contribuir a afundar ainda mais aquele país latino-americano.

Em suma, a política internacional está fornecendo provas evidentes da sua incapacidade de fazer face a questões complexas, respondendo com reações, e não com uma ação coordenada, racional, holística. O facto de neste momento haver guerras ou tensões um pouco em todo o canto do mundo é a trágica confirmação da vitória do simplismo. Em Ocidente, depois da segunda guerra mundial, se tinha tentado afastar a guerra como meio de resolução dos conflitos. Uma tentativa que desaguou na construção da CEE antes, da EU depois, com todas as fraquezas do caso, mas que parecia o prelúdio a um período de paz e segurança. Um período que foi interrompido pelas guerras nos Bálcãs e, em África, pelo genocídio entre Tutsi e Hutu no Ruanda. Um período que, sobretudo, cessou de forma definitiva com o fim da ordem bipolar da guerra fria e com a não aceitação, por parte de muitos países e regiões, do “fim da história” e, portanto, da primazia americana a nível mundial.

O mundo, depois da queda do Muro de Berlim, se tornou mais complexo: já não era questão de escolher entre o capitalismo americano e o comunismo soviético; pelo contrário, o multipolarismo que até hoje caracteriza o planeta resultou numa realidade cada vez mais complexa e fragmentada, em que a guerra foi vista como um dos meios privilegiados para a resolução dos conflitos, mesmo antigos e bem conhecidos, como o entre Israel e Palestina.

O segundo ponto deveria ser desenvolvido duma forma que não vai ser possível fazer aqui: o esquecimento da dita “questão moral”. A moral pública, naturalmente, uma vez que aquela privada cabe à escolha e às opções livres de cada cidadão. Os índices internacionais da corrupção indicam sem sombra de dúvidas que ela se concentra no continente africano, mesmo para o ano de 2023. E os índices da democracia dizem que apenas 8% da população mundial vive in regimes considerados plenamente democráticos, ao passo que mais de metade da população vive in regimes completamente autoritários, ou “híbridos”, entre os quais – até agora – Moçambique. Coincidentemente, onde há mais corrupção, há menos democracia. Mais uma vez, uma resposta eloquente a quem, de forma simplista, acha que o “homem forte” (ou a “mulher forte”) possa resolver os problemas de um país ou de uma região. Estes dados não nos dizem nada em termos antropológicos: a África não é o continente mais corrupto porque seus governantes (e seus cidadãos) são assim “por natureza”. Pelo contrário, é o continente mais corrupto por ser o menos democrático e aberto. Somente implementando formas sustentáveis de democracia e das suas regras (quem ganha governa, quem perde faz oposição) será possível ter um 2024 um pouco menos sombrio de 2023. As ocasiões não vão faltar: eleições na África do Sul, em Moçambique, na Guiné-Bissau e em vários outros países representam uma das formas melhores para comprovar que soluções simplistas podem ser deixadas de lado, e que ganhar as eleições significa ter o apoio do povo, sem tiver de recorrer a mecanismos ilícitos, carimbados por instituições do Estado completamente manipuladas por parte de quem está no poder. O exemplo de Brasil, com a alternância esquerda-direita-esquerda poderia constituir um ótimo caso de estudo para muitos países africanos, incluindo Moçambique. Assim como o exemplo de Cabo Verde. O caminho está traçado, é só fazer o que outros países, mesmo do Sul global, fizeram, com satisfação dos respectivos povos e com a autoridade e prestígio que instituições representativas merecem, consolidando-se em um debate aberto e com a procura de soluções racionais a problemas complexos.

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