Assassinos de João Chamusse não estão a ter sono

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Há já um arguido “confesso” e “autoridades” continuam sob pressão para esclarecer o caso
  • A ONU já reagiu. Condena o assassinato de Chamusse e exige uma investigação
  • Nelson Mulande restituído novamente à liberdade, mas família exige indemnização

Quem quer que tenha assassinado o jornalista João Chamusse não tem estado a apanhar sono desde a fatídica madrugada de 14 de Dezembro. A Polícia da República de Moçambique (PRM), Serviço Nacional de Investigação Criminal, o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) e a Procuradoria-Geral da República estão sob pressão nacional e internacional. O crime manchou o nome do país além-fronteiras e o Governo quer afastar de si um legado manchado de sangue, por isso em pouco tempo as autoridades promoveram a prisão de pelo menos cinco suspeitos, incluindo um confesso. No entanto, a narrativa continua a ter algumas lacunas que só o tempo irá se encarregar de esclarecer.

Um dia depois de ter visto a juíza de instrução em Matutuine libertar Nelson Mulande, então suspeito principal do assassinato de João Chamusse, por insuficiência de provas, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), na província de Maputo, apresentou mais dois indivíduos implicados de assassinato do jornalista.

Trata-se de dois jovens, com idades compreendidas entre 18 e 23 anos de idade, encarcerados nas celas do SERNIC no Lingamo, após serem encontrados na posse do laptop e do telemóvel do malogrado. Dos dois, um é arguido confesso, enquanto o outro alega ter simplesmente comprado o telemóvel, que foi determinante para a sua localização logo que introduziu o seu cartão SIM.

Um dos detidos confessou ter desferido golpes à vítima com recurso a um pau, na madrugada do passado dia 14 de Dezembro corrente, tendo-se apoderado depois do laptop e do telemóvel do jornalista, alegadamente depois de uma discussão com o finado sobre uma dívida no valor monetário de 12 mil meticais.

“Tivemos briga com o tio João. Foi na quarta-feira, de madrugada. Discutimos sobre a dívida”, disse o indivíduo identificado por Elias, sem dar muitos detalhes e por vezes a referir que “não tenho nada a falar”.

O outro detido, por sinal cobrador, explica que apenas adquiriu o telemóvel no amigo e não sabia que se tratava de um produto do crime. Aliás, jura de pés juntos que não participou do assassinato.

“A minha culpa foi ter feito diferença com um dos telemóveis do senhor João Chamusse. Entreguei o meu telefone e um valor de 1500 meticais para ter aquele telefone. Eu não sabia onde é que ele apanhou. Eu não roubei, não fiz nada e não matei ninguém”, disse.

O porta-voz do SERNIC, na província de Maputo, Henrique Mendes, explica não haver dúvidas que os dois detidos estiveram directamente envolvidos no assassinato do jornalista João Chamusse.

“No decurso desta investigação houve alguns cidadãos que foram detidos e sobre os quais recaiam algumas suspeitas, mas acabaram sendo soltos após se constatar que não estavam directamente envolvidos. Na sequência foi possível neutralizar estes dois indivíduos, o primeiro porque fez uso do telemóvel da vítima e terá adquirido o telemóvel no amigo aqui detido. A partir daí foi se aprofundando as investigações e foi possível recuperar o telemóvel e o laptop que estava escondido algures na sua residência e confirma que terá sido ele o autor deste crime que o fez recorrendo a um pau. Alega que estava embriagado e que a vítima tinha uma dívida de cerca de 12 mil meticais”, disse Mendes, adiantando que as investigações continuam.

Família do primeiro suspeito exige indemnização e reparação pelos danos à sua imagem

Refira-se que os primeiros três cidadãos suspeitos detidos em conexão com o assassinato de João Chamusse já foram restituídos à liberdade e o foco da polícia está neste momento virado para os dois indivíduos encarcerados nas celas da SERNIC, no Língamo.

Entre os três primeiros consta o jovem Nelson Mulande, vizinho de Chamusse, que após uma semana de um autêntico calvário foi finalmente restituído à liberdade na passada sexta-feira, um dia depois ter sido recolhido novamente aos calabouços de forma humilhante, horas depois da juíza de instrução ter ordenado a sua soltura.

Evidências ouviu um dos membros da família do jovem Nelson que confirmou a soltura e não escondeu o seu desapontamento pelo tratamento degradante e “tortura física e psicológica” que este sofreu durante os dias em que foi transformado de vizinho a principal suspeito e com a imagem espalhada pela polícia nas redes sociais e imprensa sem nenhuma censura.

Inconformada com a injustiça, a família de Nelson, que foi assistido pelo Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), quer que o Estado repare os danos reputacionais que foram causados ao seu familiar, por isso vai entrar com um pedido de indemnização

ONU reage e pede investigação das circunstâncias

A morte do jornalista João Chamusse continua a repercutir ao nível do mundo. Depois do Comité Internacional para Protecção dos Jornalistas (CPJ), Aministia Internacional e  Observatório para a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos, uma parceria da Federação Internacional para os Direitos Humanos (FIDH) e da Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT), a Organização das Nações Unidas (ONU) reagiu ao assassinato do jornalista João Chamusse através da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

A reação da UNESCO foi expressa pela adirectora-geral do órgão, Audrey Azoulay, que condenou o assassinato do jornalista moçambicano, ocorrido na KaTembe, província de Maputo, no dia 14 de Dezembro de 2023, exigindo uma investigação séria e responsabilização dos autores do crime.

“Condeno o assassinato de João Chamusse e apelo a uma investigação das circunstâncias. A impunidade para tais crimes não deve ser tolerada e os perpetradores devem ser levados à justiça”, disse a responsável por meio de um comunicado divulgado na página da UNESCO.

A responsável máxima pela Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura lembra que João Chamusse era um jornalista veterano, co-proprietário e editor do jornal online Ponto por Ponto, além de comentarista da TV Sucesso.

A UNESCO tem estado a promover a segurança dos jornalistas através da sensibilização global, do reforço de capacidades e da coordenação da implementação do Plano de Acção das Nações Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade.

Esta foi a primeira reação expressa por um organismo da Organização das Nações Unidas sobre o assassinato de João Chamusse que tem estado a contribuir para a degradação da imagem de Moçambique no concerto das nações.

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