Comissão Política indica dentro de dias “lista curta” para sucessão de Filipe Nyusi

DESTAQUE POLÍTICA
  • Frelimo em marcha conturbada para eleger candidato
  • Estratégia do partido é sofisticar o rigor para evitar erro dos últimos dez anos
  • Famílias presidenciais em total desacordo e Nyusi cada vez mais isolado

A Comissão Política da Frelimo irá reunir esta semana para debater a sucessão de Filipe Nyusi e analisar as diversas propostas de nomes de prováveis candidatos em manga, para no fim elaborar uma lista curta de três a cinco nomes pré-candidatos a candidato da Frelimo nas presidenciais de Outubro próximo, num momento em que tem até Junho para submeter a candidatura à Comissão Nacional das Eleições (CNE). Evidências apurou que o anúncio da short list poderá ser feito nos próximos dias de Janeiro em curso. Tradicionalmente, a CP deverá indicar três nomes, mas pelos estatutos compete ao Comité Central (CC), em geral, apreciar e aprovar as propostas da CP referentes às candidaturas da Frelimo ou por ele apoiadas à Presidente da República, podendo, no entanto, endossar os seus tal como aconteceu em 2014. Antecede a esta reunião um forte movimento de lobby, nos bastidores, que sem discutir planos de governação aposta no assassinato do carácter dos opositores, numa campanha movida pelos outsources em nome dos potenciais candidatos e entusiastas à Presidente da República, um cargo cujo perfil exige carisma, competência e experiência comprovada de gestão. Há muito pouco dessas características nos nomes que circulam nos bastidores, que provavelmente, ousam sonhar ser Presidente da República pelo facto da dimensão deste cargo ter se “deteriorado” nos últimos anos.

Nelson Mucandze

A Frelimo está a desencadear o processo de apuramento de candidatos para a sucessão de Filipe Nyusi na sua liderança e o calendário mostra-se apertado, sendo esta a primeira vez na história do partido Governamental que faltando menos de nove meses das eleições não tenha ainda indicado seus pré-candidatos a candidatos.

No entanto, Evidências apurou que a CP poderá indicar os nomes dos pré-candidatos até nos próximos dias, que deverão, depois, seguir às províncias para mobilizar voto dos mais de 300 membros do Comité Central (CC), mas nem com isso estarão livres de novos adversários que podem ser indicados à última hora pelo CC, pese embora, segundo corredores internos, o Presidente do Partido já transmitiu aos membros que não quer que se repita o que aconteceu em 2014, quando a ACLIN forçou a inclusão de mais nomes.

O escrutínio interno irá decorrer em Março, na sessão do Comité Central, de onde sairá o sucessor de Filipe Nyusi. A Frelimo vem imprimindo rigor para evitar que o partido caia nas mãos erradas e já equaciona uma “democracia arranjada”, que se resume na escolha de um candidato acompanhado de concorrentes figurados, sem qualquer expressão com vista a manter controlo. É uma estratégia que pode sair caro ao partido e aumentar a crise interna num momento sensível e num contexto em que há vários nomes perfilados à espera de serem indicados candidatos, alguns dos quais já estão a preparar-se há mais de três anos.

Para este processo, a administração actual do partido não se mostra preparada. É que Nyusi é descrito como estando neste momento fragilizado, ao conduzir a transição do poder num momento conturbado para o partido, caracterizado por guerras de alas que colocam o partido numa profunda crise, um reflexo da gestão da ala administrativa. Prova disso é a existência de potenciais candidatos que, mesmo sem serem endossados por Nyusi, dominam lobby nos bastidores.

O resgate dos velhos adversários de Nyusi

Entre os nomes que avançam para a comissão política sem apoio de Filipe Nyusi está José Pacheco, que apesar da vantagem de experiência de governação, seu punho de ferro é confundido com “arrogância” pelos grupos mais conservadores. Por outro lado, seu percurso problemático, com vários pecados nos ministérios do Interior e Agricultura, assombra essas intenções.

Ainda na lista dos potenciais, consta o nome de Aires Ali, com a vantagem de ser extremamente calmo, ponderado e conhecedor dos processos de governação, num contexto de uma governação que vai exigir uma reconciliação de alas, capacidade de gerir assuntos candentes e recuperação da credibilidade do governo perante os moçambicanos.

Por outro lado, especula-se o nome de Luísa Diogo, cujo percurso faz lhe valer a descrição de uma neoliberal. Ela tem uma capacidade de governação reconhecida fora e dentro do governo, no entanto, pode ter suas chances de ascensão reduzidas por ser mulher, numa corrida dominada por homens. Lembrar que os três, para além de Alberto Vaquina, que tem tido algumas aparições curiosas nos últimos dias, foram adversários de Nyusi na corrida à sucessão de Armando Guebuza.

A fila não é apenas composta de figuras com uma experiência de governação aceitável, embora nem todos tenham uma ideia política conhecida. Figura nos bastidores nomes de entusiastas a candidato do Presidente da República, que curiosamente, são na sua maioria membros da Comissão Política, cuja ascensão relâmpago vem sendo vista como uma empreitada presidencial de preparação.

Nesta lista, de figuras que, diferente das primeiras, até estão nas graças de Filipe Nyusi, constam nomes como Amélia Muendane e Celso Correia, que de comum tiveram uma ascensão meteórica no consulado de Nyusi. Os dois pontificaram-se como provedores de soluções para Nyusi durante os momentos de crise, com Celso Correia a servir de cérebro e “pagador” do governo durante o primeiro mandato e parte do segundo mandato, sendo responsável pelo projecto Sustenta, que chegou a ser principal bandeira do Governo.

Para além de várias polémicas em que andou envolvido, tem os pecados da fraude eleitoral, mas o seu principal pecado é ser mestiço (mulato), uma condição racial que pode constituir um impedimento para aceder à Presidência da Frelimo. Já Amélia Muendane, que gere o não menos polémico sector tributário, tornou-se de forma relâmpago um dos membros vistosos da Comissão Política, nalguns corredores é apontada como uma espécie de arma secreta de Nyusi.

Samora Machel Jr. e outros alvos a abater

Mas também existem nomes a ser combatidos nesse percurso. Fora do campo tradicional, mesmo não tendo demonstrado qualquer intensão, as críticas de Samora Machel Jr. foram confundidas com uma ambição de quem quer participar da corrida à sucessão de Nyusi, o que de alguma forma levou o “partido” a ensaiar um segundo processo disciplinar, num movimento acompanhado da intimidação (ameaça de processo) da polícia e campanhas de assassinato de carácter pelos grupos de choque do partido.

A lista dos combatidos inclui Basílio Monteiro, que mesmo depois de isolado por ter deixado escapar precocemente suas pretensões de participar da corrida num momento errado, e ser conotado com “negócios obscuros”, força a entrada. A única vantagem de Basílio é ser do Centro, afinal não se conhece qualquer pensamento político. Fora dos actores conhecidos, não está isolada a equação de trazer um anónimo, o importante é conseguir um candidato que consiga consensos, este é o requisito mais determinante. Não basta ser de Centro, muito menos ser competente, mas a lealdade ao antecessor. Um critério de seleção que pode voltar a penalizar a Frelimo.

Uma sucessão a cesariana em momentos de guerra nas famílias presidenciais

Tradicionalmente, numa democracia ainda em construção, a Frelimo sempre teve problemas de coesão, mas conseguia unificar-se sempre que se aproximavam momentos eleitorais, o que não foi verificado na governação de Filipe Nyusi, que foi “enxovalhado” pela família Machel e “declarou” guerra com família Guebuza. E hoje tem desafio de encontrar consenso na escolha do seu sucessor, num empreendimento que é quase impossível ter apoio da família Guebuza, que continua tendo forte influência nas bases.

Os movimentos da sucessão foram intensos nos bastidores, com entusiastas sem nenhuma experiência de governação a vender lealdade ao futuro antecessor. Num contexto em que o país tem vários dossiers que se indiciam criminais, como são os casos da gestão das dívidas ocultas e da presença ruandesa em Cabo Delgado, a cedência do poder em troca de protecção é uma estratégia que pega. Porém, o risco mantém-se: é consensual que ser “endossado pelo Chefe constitui uma desvantagem. O Chefe não reúne consensos”, comenta uma fonte sénior, aclarando que é relevante para passar na CP, “mas vai ser reprovado no Comité Central”.

O problema de Nyusi não se limita na incapacidade de unir a Frelimo, facto que concorre para maior falta de consenso na identificação de nomes. Sob sua gestão, a administração da Frelimo quase combateu qualquer um que se apresentava como potencial sucessor. Foi assim que caíram nomes como Basílio Monteiro, das funções do chefe da brigada central e foi isolado Pacheco, que foi determinante para a eleição de Nyusi. Enquanto partido, a gestão da transição não se limita em encontrar um sucessor acima dos desafios do país, a visão do partido é reconciliar as necessidades do país com a necessidade de revitalizar e unir a Frelimo.

Esta época de escrutínio interno foi aberta pelo secretário-Geral da Frelimo, Roque Silva, quando reagia às críticas de um alegado secretismo do Partido relativamente ao seu candidato presidencial, quando faltam 10 meses para a realização das eleições.

Roque Silva afirmou que qualquer membro da Frelimo é candidato desde que esteja dentro daquilo que são os princípios consagrados na directiva partidária, explicando que candidatos concretos sairão dum exercício que a Frelimo vai começar a desencadear dentro de dias.

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