Não há lei que autoriza Helena Kida a licenciar advogados para funções notariais

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  • OAM aponta ilegalidade na execução da medida presidencial para flexibilizar a economia

Visando simplificar os processos administrativos na relação entre o Estado, empresas e pessoas, para facilitar a criação de empresas e aumentar a sua competividade, o Executivo decidiu, no âmbito da implementação do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), simplificar os actos notariais, sendo que as esquadras da Polícia da República de Moçambique (PRM) e os advogados com carteira profissional passaram a certificar actos notariais. No entanto, volvidos mais de 15 meses, a Ordem de Advogados de Moçambique (OAM) está de costas voltadas com o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, visto que esta entende que não há uma lei que autoriza a titular do pelouro a licenciar os Advogados para o exercício específico das funções notariais consignadas no art. 3.º n.º 1, al. g), do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto, daí que decidiu interpor um Processo Contencioso De Impugnação De Normas relativamente ao Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, que regula o exercício das funções notariais por advogados, contra Helena Kida.

Duarte Sitoe

Em Agosto de 2022, o Governo reconheceu que a economia moçambicana tem sido afectada por sucessivos choques internos e externos, com destaque para os efeitos das mudanças climáticas, acções terroristas em Cabo Delgado, pandemia do Covid-19 e conflito entre a Ucrânia e a Rússia, tendo por isso anunciado o Pacote de Medidas de Aceleração Econômica.

Para dar pernas a medida, foi no final da 28ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, onde o porta-voz do órgão, Filimão Suaze, explicou que as esquadras da Polícia passam a certificar actos notariais mais simples e de forma gratuita para o cidadão, tendo ainda referido que os advogados com carteira profissional certificam os “actos notariais mais complexos”.

Aliás, para o efeito, o Conselho de Ministros alterou o artigo 3, do Código do Notariado, por sinal uma iniciativa que visa implementar a medida número 15, do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE) anunciado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, em Agosto de 2022.

No entanto, a Ordem dos Advogados de Moçambique refere que antes da entrada em vigor do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, que regula o exercício das funções notariais por advogados manteve encontros com o Primeiro – ministro, Adriano Maleiane, para o alertar sobre as ilegalidades e incongruências surpreendidas no Diploma em causa, mas, debalde, não houve avanços.

Face a posição do Governo, a OAM decidiu avançar com um processo contencioso de impugnação de normas relativamente ao Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro contra a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos.

De acordo com a Ordem dos Advogados de Moçambique o art. 3.º do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto, é omisso quanto à indicação da entidade competente para licenciar os Advogados para o exercício específico das funções notariais consignadas no art. 3.º, n.º 1, al. g) do referido diploma legal,  lembrando que no seu artigo n.º 2 aponta que “compete aos ministros que superintendem as áreas dos Registos e Notariado e do Interior, por despacho conjunto autorizar as Esquadras da Polícia da República de Moçambique a desempenharem funções notariais”.

“Não há lei habilitante que autoriza ou indica que Sua Exa. o Senhor Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos é a entidade competente para licenciar os Advogados para o exercício específico das funções notariais consignadas no art. 3.º n.º 1, al. g), do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto, gerando, com efeito, a ilegalidade do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, que se afere face ao próprio diploma que visa regulamentar – no caso o Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto –, não existindo qualquer outro diploma de grau hierárquico superior que regula sobre a matéria”, refere a OAM.

A agremiação liderada por Carlos Martins entende, por outro lado, que não há lei que autoriza a titular do pelouro da Justiça Assuntos Constitucionais e Religiosos a fixar os requisitos para efeitos de licenciamento de Advogados para o exercício específico das funções notariais (no art. 3.º n.º 1, al. g), do Decreto – Lei n.º 1/2023, de 18 de Agosto), ou seja, “domicílio profissional do conhecimento da Ordem dos Advogados de Moçambique; não ter cadastro criminal;  mínimo de 8 anos de experiência na advocacia; d) idoneidade a ser certificada pela Ordem dos Advogados de Moçambique; situação financeira regularizada e apresentação da assinatura e carimbo a ser usado para a certificação, como previsto ilegalmente no art. 3.º n.º 2, do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro”.

Ainda no rol das teses para sustentar as ilegalidades que constam no Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro, a Ordem dos Advogados de Moçambique aponta que depois  da Assembleia da República atribuiu poderes ao Governo para legislar sobre: “ a simplificação dos actos notariais, passando as esquadras de polícia a certificar os actos notariais mais simples de forma gratuita para o cidadão;  a autorização dos advogados com carteira profissional a certificar os actos notariais mais complexos”, cabia ao Executivo determinar “quais os actos notariais que os advogados estão autorizados a praticar, não cabendo na esfera da ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos as atribuições para a sua regulação, como acabou por fazer no art. 2.º do Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro.

A OAM observa ainda que houve violação do princípio da legalidade, da reserva da lei e usurpação de poderes, tendo, por isso, recorrido à tutela judicial para ver declarada a ilegalidade das normas indicadas e contidas no diploma ministerial em crise.

Não obstante, a Ordem dos Advogados de Moçambique refere que o Diploma Ministerial n.º 142/2023, de 8 de Dezembro é omisso quanto à tutela sancionatória e pouco desenvolvido quanto à tutela inspectiva/fiscalizadora, criando, assim, insegurança jurídica, daí que não tem dúvidas de que entende que trata-se de uma total afronta à iniciativa Presidencial, que gerou a aprovação do Pacote de Medidas de Aceleração Económica – PAE (20 medidas).

“A vontade Presidencial, acertada, diga-se, não foi respeitada, mesmo relativamente à categorização dos actos notariais permitidos aos Advogados, que de complexos nada têm. A Ordem dos Advogados de Moçambique, como é seu apanágio, está sempre disponível para o debate e aprimoramento das nossas leis, regulamentos e outros instrumentos e instituições, com espírito e ideologia no interesse público. Como sempre repetimos, a vida é plural e ninguém tem o monopólio da verdade, mas devemos nos permitir a diálogos abertos e sem pretensões de sermos o vértice do Mundo. A participação dos administrados na formação das decisões que lhes disserem respeito não pode ser um chavão, deve ser concretizado com actos e vontade da Administração Pública, evitando-se actos aparentes, sem reflexo na vida dos seus destinatários”.

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