Sérgio Chichava: “Manteigas está a defender o pão dele”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Analista conclui que mudanças da liderança na Renamo são necessárias, mas não garantem vitória
  • Chichava diz que a perdiz deve repensar a sua estratégia para as eleições gerais e escolher um candidato forte para ombrear com o da Frelimo
  • “Elias Dhlakama é fraco. O nome dele só chama atenção por causa do apelido”
  • “A Frelimo já esteve fragilizada em outros pleitos eleitorais, mas levou tudo, teve ‘vitórias

esmagadoras”.

A menos de noves meses para as eleições gerais, o acadêmico e pesquisador Sérgio Chichava analisa, em entrevista ao Evidências, o nível de preparação dos principais partidos políticos e conclui que seria uma ilusão cogitar derrota da Frelimo, mas está convicto que mudanças de liderança na Renamo podem robustecer este partido e torná-lo relevante, como já foi. De acordo com Chichava, docente de Ciências Políticas na Faculdade de Ciências Sociais na Universidade Eduardo Mondlane, “a Frelimo não está a passar os seus melhores momentos. (…) membros da Frelimo decepcionados com o partido podem votar na Renamo e talvez isso pode complicar as coisas, mas a Frelimo vai ganhar”, afirma, sentenciando que “não vamos ter ilusões”. Analisando os perfis dos que já manifestaram interesse de concorrer a liderança da Renamo, um movimento que nasceu depois do anúncio de que Ossufo Momade seria candidato à sua sucessão, o analista destaca a fraqueza de Elias Dhlakama, o carisma de Manuel de Araújo, a popularidade de Venâncio Mondlane e comenta o silêncio de Ivone Soares.

Duarte Sitoe

Evidências (EV) – Contra todas as expectativas, Ossufo Momade será, mais uma vez, candidato para as eleições gerais agendadas para Outubro do corrente ano. O facto foi confirmado pelo porta-voz da Renamo, José Manteigas, sem que, no entanto, a decisão tenha sido chancelada pelo Congresso ou outro órgão do partido. Qual é a análise que faz em relação a este anúncio?

Sérgio Chichava (SC) – A opinião pública é uma coisa e o funcionamento do partido é outra. As dinâmicas do funcionamento da Renamo são outras coisas. É contra a expectativa de uma parte da população que acha que há outras pessoas que podem fazer melhor que Ossufo Momade, mas não é contra as expectativas de outros membros que confiam em Ossufo Momade. Não se pense que Ossufo Momade não tem apoio, se não teria caído faz tempo, desde o início que Ossufo Momade é contestado, nunca teve paz na Renamo.

Não vamos negar que ele quase não fala e não se sabe o seu posicionamento político, as suas ideias, não se sabe nada do que ele pretende com a Renamo, é por isso que ele é impopular no seio de uma parte da opinião pública. Ele tem apoiantes no seio da Renamo, é contra as expectativa das pessoas que acham que há melhores pessoas para dirigir a Renamo, é contra as expectativa daqueles que acham que Manuel de Araújo e Venâncio Mondlane são as pessoas capazes de fazer a Renamo ganhar mais e maior dinamismo.

Há uma parte de pessoas que confiam que Ossufo Momade é capaz de garantir os seus interesses. Para Manteigas continuar a ocupar posições de relevo no seio da Renamo é apoiando Ossufo, daí que não me surpreende a posição dele, há muitos Manteigas na Renamo que pensam que Ossufo é a pessoa que pode melhor servir os seus interesses, não importa se a Renamo tem mais ou menos votos, tem menos ou mais deputados, o que importa é que os interesses destes grupos que se beneficiam do reinado de Ossufo acreditam friamente que ele é a pessoa certa para liderar a Renamo.

EV – Acha que Ossufo Momade é o candidato ideal para a Renamo neste momento?

SC – Vou responder essa pergunta de duas formas. Primeiro, pessoalmente e depois no ponto de vista que é partilhado pela maioria, nas redes sociais e na imprensa. Na verdade, não se sabe nada de Ossufo Momade, ele é bastante impopular, parece bastante fraco, não parece a pessoa certa para levar a Renamo a tal propalada vitória e ombrear com a Frelimo, acho que não seria uma boa aposta.

Acho que Manteigas está a defender o pão dele, mas penso que, embora se diga que ele tenha violado os estatutos penso que o que estamos a assistir agora na Renamo, o facto de ter pessoas a falarem e os Venâncios a se declarem candidatos mostra que com todos defeitos que se pode mencionar sobre o funcionamento da Renamo, as pessoas podem falar e podem exprimir os seus pontos de vista. Vimos membros seniores da Renamo a criticarem o presidente e nunca ouvi que sofreram represálias.

Penso que o facto de Ossufo Momade não aparecer publicamente a criticar ou repudiar é uma posição de se aplaudir, mostra que apesar de tudo é possível criticar o presidente, é possível exprimir as suas ideias sem temer represálias, não quero dizer que essas represálias não possam ocorrer, mas penso que está visto que as pessoas criticam.

“A Frelimo não está a passar os seus melhores momentos”

EV – Até que ponto o anúncio de Ossufo Momade como candidato presidencial antes do Congresso pode abrir clivagens no seio da Renamo?

SC –  O Manteigas foi claro. Ele disse que nós achamos que Ossufo Momade é a pessoa certa para ser candidato presidencial e vai ser decidido no congresso. Não disse que já não se vai discutir ou que não vai se aceitar outras candidaturas. Ele pode ser criticado por ter violado os estatutos, o que pode criar facções internas, mas não me pareceu que ele tenha dito que a Renamo não ia aceitar candidatura de nenhum membro. Também temos que pensar que pode ser uma estratégia para se ver quem está interessado em concorrer contra Ossufo Momade para ele melhor se posicionar, poder ser.

É preciso não sermos ingênuos, é possível que este anúncio do Manteigas seja estratégia para ver quem são as pessoas que têm ambições de se candidatar e estão a se revelar.

EV – Em caso do nome do Ossufo Momade ser chancelado como candidato, a Renamo poderá ter os resultados diferentes dos alcançados em 2019?

SC – Não sei qual será o comportamento do eleitorado. E também depende do candidato que a Frelimo vai trazer e depende de muita coisa. Depende da maneira que a Renamo vai fazer campanha, se Ossufo Momade tiver apoio de figuras como Araújo, Venâncio… penso que talvez os resultados podem ser diferentes, mas é difícil saber o que vai acontecer exatamente.

Agora, na minha opinião, acho que a Renamo devia repensar a sua estratégia para 2024, ver internamente quem é o candidato certo para ombrear com o candidato da Frelimo e apoiar fortemente esse candidato.

A Frelimo não está a passar os seus melhores momentos. É provável que os membros da Frelimo decepcionados com o partido votem no Ossufo Momade e talvez isso pode complicar as coisas, mas a Frelimo vai ganhar. Não vamos ter ilusões.

Para estas eleições só estamos à espera do pronunciamento da Comissão Nacional de Eleições dizer a percentagem da vitória, não importa quem vai ser o candidato da Frelimo, não importa quem vai ser o candidato da Renamo. Talvez a Renamo pode ganhar mais vitalidade, pode ser mais vibrante, escolhendo-se um outro candidato é provável. Mas é preciso deixar claro que eleições gerais e eleições locais têm dinâmicas diferentes, é tudo bastante complexo.

EV – Na história das eleições gerais em Moçambique os líderes têm sido os candidatos presidenciais dos seus partidos. Estariam Ossufo Momade ou Lutero Simango, na qualidade de líderes, disponíveis para abrir espaço para outro membro concorrer?

São estatutos que ditam regras, não é vontade do líder. Os estatutos dizem que as pessoas que reúnem certos requisitos têm o direito de se candidatar. Não é uma questão de vontade, agora existem estratégias para limitar, fragilizar faz parte do jogo político, não é uma questão de ele abrir ou não abrir. Na Renamo não vai se proibir que as pessoas apresentem suas candidaturas, desde que respeitem as regras e os estatutos do partido.

EV – Venâncio Mondlane anunciou a sua candidatura à liderança da Renamo. Até que ponto a popularidade na Cidade de Maputo, onde concorreu e se declarou vencedor nas VI Eleições, pode catapultá-lo para a liderança do partido?

SC – Há duas coisas. Ser amado pelo povo é uma coisa, o funcionamento interno do partido é outra coisa. Não sei quão popular é o Venâncio Mondlane no seio da Renamo, não sei. Não sei qual é a confiança que os membros, os órgãos da Renamo têm em relação a Venâncio Mondlane. Primeiro ele deve ganhar apoio para a presidência do partido e isso não vai ser pêra doce, não vai ser fácil. Tenho visto nas redes sociais jovens a se pronunciarem a favor de Venâncio Mondlane, é complicado falar da representatividade disso, é complicado.

Ele concorreu em Maputo, mas Maputo não é Moçambique. É difícil, de facto, aferir a popularidade dele a nível nacional, aferir o que ele pode trazer para a Renamo se concorrer à presidência do país.

Agora, não há dúvidas que Venâncio aparentemente é apreciado pela opinião pública. Não há dúvida que ele tem uma excelente capacidade de retórica e de debate comparado com Ossufo Momade. Se isso faz dele um estratega político mais que Ossufo Momade são outras coisas, não podemos menosprezar o Ossufo Momade por não falar, não sabemos o que ele está a pensar e o que está a fazer, portanto acho que não vai ser tão fácil remover o Ossufo Momade da presidência da Renamo, foram cinco anos de presidência e deve ter se organizado de tal forma que possa permanecer por mais algum tempo.

EV – Neste momento, Venâncio Mondlane seria o candidato ideal para ombrear com o possível candidato da Frelimo?

SC – Não sei porque não conheço o candidato da Frelimo, por um lado, mas por outro lado já disse que a Renamo pode escolher quem quer que seja, não vai ganhar, vamos deixar de sonhar. Que pode ser uma lufada de ar fresco para o partido, que talvez pode melhorar o funcionamento interno do partido, pode dar mais dinâmica, isso é outra coisa, é provável que pode fazer com que o partido tenha mais adesão e mais apoiantes, é possível porque neste momento o partido é menos apreciado em virtude da inércia ao nível do topo.

EV – Elias Dhlakama juntou-se à lista de candidatos que vão enfrentar Ossufo Momade pela liderança da Renamo. Como olha para esta candidatura do irmão de Afonso Dhlakama?

SC – Esquece, esse é fraco. O nome dele só chama atenção por causa do apelido. Não vai fazer nada, é fraco. Ali, pessoas que podem ter boca e a gente escutar são Araújo, Venâncio e esta senhora (Ivone), que por ver que não tem espaço está muito calada. Não vejo aparições dela, mas é uma das pessoas que francamente, pelo menos a nível do debate público, podem fazer a diferença porque a Renamo está ausente do debate público.

A Renamo não faz nada, não se pronuncia sobre vários assuntos do país. Tivemos problemas nas eleições autárquicas, mas não ouvimos o posicionamento de Ossufo, será que as pessoas que o criticam pela sua inércia estão erradas? Pelo menos sair para dizer um disparate qualquer, é preocupante. Pelo menos com essas pessoas que estou a referir penso que teríamos algum barulho na imprensa e nas redes sociais.

Um presidente do maior partido da oposição devia constantemente estar nas redes sociais e na imprensa a se pronunciar sobre vários assuntos desse país, raptos, aumento dos preços dos combustíveis, aumento das portagens, assassinatos que não têm culpados, entre tantas outras coisas que preocupam os moçambicanos. Isso não quer dizer que internamente Ossufo Momade seja fraco. Não se pode subestimar Ossufo Momade, é general, participou da guerra dos 16 anos e foi deputado.

EV – O apelido não constitui vantagem para o irmão de Afonso Dhlakama?

SC – Seria uma enorme surpresa. Elias Dhlakama não é sombra para Ossufo Momade. Já falou o quê ele? O que se sabe dele? O que disse sobre as eleições autárquicas? Só vai atrair atenção por causa do apelido. Francamente, estaria muito surpreendido, mas aceito que estou errado se isso acontecer, mas é improvável. Ele não vai trazer nada de mais-valia para a Renamo, não tem o carisma de Afonso Dhlakama, não tem a capacidade oratória, não o mesmo apoio.

“Lutero Simango nem devia ter se candidatado para a presidência do MDM”

EV – Agnaldo Navalha apareceu, recentemente, a propor Albano Carige como candidato presidencial do MDM em detrimento de Lutero Simango. Que análise faz deste posicionamento?

SC – Navalha é Navalha. Acho que Lutero Simango nem devia ter se candidatado para a presidência do MDM, ele tem muita coisa a fazer. O que ele trouxe de novo para o MDM, é outra inércia, mas há interesses que são preciso proteger. Não estou a dizer que o que Navalha disse está completamente errado, estou a dizer que ele faz isso em virtude do descontentamento que ele tem ao tratamento que é liderado por Lutero.

No MDM, diferentemente da Renamo, não há pronunciamento de pessoas que acham que querem se posicionar para a presidência. Acabou o assunto. Não há esse debate no MDM e naturalmente o Lutero será candidato, mas aqueles só estão interessados na Beira. Desde que tenham a Beira está tudo bem. Se fossem duas ou sete vozes íamos gastar tempo a discutir isso, temos que ver as coisas com os olhos de ver.

EV – Num passado recente, a Renamo e o MDM abriram espaço para uma possível coligação com vista a tirar a Frelimo do poder. Com uma possível coligação, a oposição conseguiria beliscar a hegemonia do partido no poder?

SC – Não vai trazer nada que possa beliscar a Frelimo. Podem ganhar dois ou três deputados, mas não vão beliscar a Frelimo. A Frelimo já ganhou, só vai carimbar a vitória independentemente de quem seja o candidato. Pode aparecer um candidato que fala bem e fala bonito, ser aplaudido. Afonso Dhlakama falava bem e movimentava massas, mas não chegou à presidência. Acha que essa tal figura em três ou quatro meses teria a capacidade de vencer, embora a Frelimo esteja fragilizada.  A Frelimo já esteve fragilizada em outros pleitos eleitorais, mas levou tudo, teve vitórias esmagadoras.

EV – Como é que a oposição pode aproveitar esta aparente fragilidade da Frelimo?

SC – Não se aproveita. As eleições autárquicas não mostraram que não é possível aproveitar? Não basta falar bonito, ser seguido por milhares de pessoas, já sabemos que não vale a pena. Agora que o país precisa de, cinco em cinco anos ou regularmente, realizar eleições para que os governos tenham legitimidade a nível internacional, é necessário. Se quisermos que haja eleições credíveis precisamos de mudar muita coisa. Um dia, não desta vez, a oposição pode chegar ao poder. O país vai ser governado pela Frelimo pelos menos nos próximos cinco anos. Se não houver uma convulsão social que provoque protestos e ponham em causa o regime, a Frelimo vai governar sem sobressaltos, não vejo politicamente que haja um partido que possa surpreender porque as coisas já estão programadas.

EV – As VI Eleições Autárquicas são consideradas as mais fraudulentas da história da jovem democracia moçambicana. Olhando para o que aconteceu e com a permanência dos mesmos actores nas instituições de administração eleitoral, há condições para que as eleições gerais sejam justas e transparentes?

SC – Para ter mais credibilidade nas nossas eleições é preciso mudar muita coisa. Não passa apenas pela mudança de pessoas, passa pela mudança na maneira como os órgãos são estruturados e organizados. A forma que as eleições são preparadas favorecem os interesses das pessoas que estão lá e deveriam mudar. Mesmo se te colocarem lá vais fazer o quê? Mesmo nos momentos de votação as pessoas não votam pela sua consciência, votam por outros interesses.

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