- Ex-trabalhadores estão há 22 anos à espera das indemnizações
- Ex-trabalhadores denunciam que CFM gastou quatro milhões para corromper Juízes
Mais de 300 trabalhadores que há 22 anos desvincularam-se dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) ao nível da Zona Centro continuam a reivindicar as suas indemnizações. Face ao silêncio da direcção dos CFM sobre o assunto, os Membros da Associação dos Trabalhadores desvinculados da empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique decidiram recorrer à justiça para a reposição da verdade, tendo o Tribunal decidido através do acórdão n°66/2017 que aquela empresa estatal devia indemnizar os queixosos. No entanto, ao invés de cumprir com a decisão do Tribunal, a CFM submeteu um recurso com intuito de anular a mesma, mas debalde, pois foi perentoriamente indeferido por ser intempestivo, o que de certa forma obriga os CFM a pagar indemnizações aos mais de 300 ex-trabalhadores, uma decisão que a empresa continua a negar cumprir. Aliás, acusam os queixosos, paradoxalmente a empresa terá preferido gastar cerca de quatro milhões de meticais para corromper vários sectores da justiça para que as mesmas decidissem a seu favor.
Jossias Sixpence – Beira
Em 2001, depois de uma reestruturação, a CFM decidiu desvincular-se de centenas de trabalhadores de diversos sectores. Depois de muitos anos buscando por justiça, eis que em 2017, volvidos mais de 16 anos, os ex-trabalhadores desvinculados da CFM, agora constituídos em associação, vislumbraram uma luz no fundo do túnel quando o Tribunal Administrativo decidiu a seu favor. Mas, o que parecia ser o fim acabou sendo o início do seu calvário.
“Os juízes conselheiros da 1ª Secção do Tribunal Administrativo julgaram procedente a acção intentada pela Associação dos Trabalhadores Desvinculados dos Caminhos de Ferro de Moçambique, reconhecendo os direitos ou interesses legalmente protegidos das pessoas jurídicas por aquela representada, determinando, por conseguinte, a utilização dos critérios de apuramento de pensões e compensações estabelecidos no Decreto nº 12/2001, de 10 de Abril, bem como no EGFE e respectiva regulamentação”, refere o Acórdão n°66/2017 da Primeira Secção do Tribunal Administrativo do processo n°120/2015.
No mesmo acórdão, os Juízes Conselheiros da 1ª Secção do Tribunal Administrativo acordaram ainda anular o Acórdão nº 27/TACM/15, de 14 de Outubro, do Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo, por erro de aplicação da lei processual em matéria da competência.
Inconformada com a decisão (Acórdão nº 66/2017), a CFM recorreu ao Plenário do Tribunal Administrativo. Contudo, o recurso foi indeferido por ser intempestivo, uma vez que o mesmo foi submetido decorridos mais de 10 dias contados da data de notificação (14 de Julho de 2017).
Mesmo assim, a empresa não cumpriu a ordem do tribunal. Face a demora no cumprimento da decisão do colectivo de juízes do Tribunal Administrativo, a Associação dos Trabalhadores desvinculados da empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique desencadeou, recentemente, uma acção junto do Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo (TACM) solicitando o reconhecimento de direitos legalmente protegidos, nomeadamente a aplicação do Decreto nº 12/2001, de 10 de Abril, que determina as modalidades de pagamento de pensões e compensações aos trabalhadores da empresa pública.
“O Banco Mundial fez o desembolso do dinheiro que seria usado para a nossa indemnização em 1998, mas o processo de desvinculação começou em 2001 e daí não tivemos nenhum avanço a respeito do assunto. Havia também uma linha de pagamento de formação após a desvinculação que estava orçada em 5000 dólares, porém nem todos foram abrangidos”, disse um dos trabalhadores desvinculados dos CFM na Cidade da Beira, para depois referir que é estranha a morosidade no cumprimento “obrigatório” da ordem do Tribunal Administrativo.
“Se estivéssemos num país normal, após o acórdão do Tribunal já teríamos recebido as nossas indemnizações. O Tribunal Administrativo deve pressionar os Portos e Caminhos de Ferro para cumprirem o que foi deliberado no Acórdão, mas infelizmente há um silêncio que até assusta os mortos. Infelizmente, fomos abandonados à nossa própria sorte pelo Governo e pelas instituições da justiça”, desabafou outro ancião injustiçado.
CFM recorre a manobras dilatórias para não indemnizar ex-trabalhadores
Com o objectivo de furtar-se das suas responsabilidades de ressarcir os danos causados aos antigos trabalhadores, a empresa CFM interpôs um recurso extraordinário de revisão do Acórdão nº 66/2017 da 1ª Secção do Tribunal Administrativo, alegando que o mesmo está ferido de inconstitucionalidade e de ilegalidade.
Como fundamento, a empresa CFM alega que o juiz conselheiro Paulo Comoana não deveria ter participado do julgamento que culminou com o acórdão posto em crise (Acórdão nº 66/2017), uma vez que foi mandatário judicial de antigos trabalhadores dos CFM no processo laboral registado sob nº 329/2001-C, cujos termos corriam no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, e que posteriormente foi remetido ao Tribunal Administrativo.
No contra-ataque, a Associação dos Trabalhadores Desvinculados considerou como sendo infundadas as alegações apresentadas pelos CFM, tendo esclarecido que, “em 2004, a intervenção do actual juiz conselheiro Paulo Comoana nos autos da acção emergente do contrato individual de trabalho foi na qualidade de mandatário judicial de pessoas singulares que moveram uma acção em coligação de autores, ou seja, todos antigos trabalhadores do Terminal de Carvão da Matola, devidamente identificados na acta de audiência de julgamento”.
Segundo a publicação do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), datada de 13 de Fevereiro de 2022, a intervenção de Paulo Comoana como mandatário judicial daqueles autores (antigos trabalhadores do Terminal de Carvão da Matola) cessou logo que o Tribunal Administrativo proferiu o Acórdão nº 24/2009, de 6 de Maio.
O CDD acrescenta ainda que a Associação dos Trabalhadores Desvinculados dos Caminhos de Ferro de Moçambique foi constituída depois do desfecho do processo (Processo nº 77/2005) que tinha como mandatário judicial o actual juiz conselheiro Paulo Comoana e que nenhum dos autores identificados na acta de audiência de julgamento do processo laboral é ou foi membro desta associação.
Se por um lado não se pode confundir a Associação dos Trabalhadores Desvinculados dos Caminhos de Ferro de Moçambique com os autores no processo laboral dos antigos trabalhadores do Terminal de Carvão da Matola, por outro não pode haver confusão entre os autos do Processo nº 77/2005, em que se discutiu a qualidade dos trabalhadores do Terminal de Carvão da Matola como funcionários do Estado, com os autos do Processo nº 225/2017- 1ª (cujo acórdão foi recorrido pelos CFM), no qual se discute tão-somente o pagamento de pensões e compensações obedecendo o regime fixado pelo Decreto nº 12/2001, de 10 de Abril.
Outrossim, a Associação dos Trabalhadores Desvinculados dos Caminhos de Ferro de Moçambique entende que o recurso extraordinário de revisão interposto pela empresa CFM não impede a execução do Acórdão nº 66/2017 da 1ª Secção do Tribunal Administrativo, uma vez que os seus efeitos são devolutivos, nos termos do nº1 do artigo 173 da Lei 9/2001, de 7 de Julho, aplicável por força do nº 4 do artigo 185 da Lei do Procedimento Administrativo Contencioso (LPAC).
Uma vez que a empresa pública CFM não cumpriu voluntariamente a decisão proferida pela 1ª Secção do Tribunal Administrativo no prazo de 60 dias estabelecido no nº 3 do artigo 187 da LPAC, a Associação dos Trabalhadores Desvinculados dos Caminhos de Ferro de Moçambique requereu a execução do Acórdão nº 66/2017.
Queixosos suspeitam que CFM esteja a preferir gastar milhões em subornos
Através do despacho nº 06DS2021, de 21 de Abril de 2021, a 1ª Secção do Tribunal Administrativo remeteu o caso ao Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo (TACM), por julgar ser a instância competente para julgar a acção executiva. Sucede, porém, que passados nove (9) meses, o TACM ainda não ordenou a execução do Acórdão nº 66/2017 que julgou procedente a acção intentada pela Associação dos Trabalhadores Desvinculados dos Caminhos de Ferro de Moçambique, reconhecendo os direitos ou interesses legalmente protegidos das pessoas jurídicas por aquelas representadas, determinando, por conseguinte, a utilização dos critérios de apuramento de pensões e compensações estabelecidos no Decreto nº 12/2001, de 10 de Abril, bem como no EGFE e respectiva regulamentação.
Os queixosos denunciam que os Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique desembolsaram quatro milhões de meticais para corromper as instituições da justiça, sendo que ao mesmo tempo revelaram, em 2022, que aquela empresa pública entregou quatro milhões de meticais ao presidente da Associação dos Trabalhadores desvinculados da empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique para “massagear” alguns membros mais críticos, daí que observam que é por isso que o processo continua em “banho-maria”.
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