Comando Provincial da PRM decreta fim da justiça do chamboco e afasta comandante da 1ª esquadra em Xinavane

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE
  • Tratamento degradante e tortura como método de confissão
  • Há relatos de cidadãos que foram chamboqueados por não terem BI
  • Alexandre Massingue perdeu os sentidos depois de receber 90 chambocos
  • Comando Provincial instaurou processos contra o comandante e os seus agentes

O excesso de zelo da Polícia da República de Moçambique (PRM) fez várias vítimas em Xinavane, distrito da Manhiça, província de Maputo. Tudo começa quando o comandante da 1ª Esquadra de Xinavane, Reginaldo Pequenino Guambe, decretou a justiça do chamboco para repor a ordem e tranquilidade pública. A inovação de Guambe culminou em cobranças ilícitas e perseguição aos motociclistas, o que de certa forma colocou a população de costas voltadas com as autoridades da lei e ordem. Quem sentiu na pele a crueldade dos agentes da PRM foi Alfredo Alexandre Massingue, que na sequência de uma acusação de violação sexual, na busca de confissão a todo custo, foi chamboqueado até perder os sentidos, sendo que para ser restituído a liberdade com vista a receber cuidados médicos a família foi obrigada a pagar sete mil meticais. Após tomar conhecimento dos inúmeros casos de tratamento degradante a detentos, a PRM ao nível da província de Maputo, pediu desculpas às vítimas e afastou de imediato o comandante, para além de ter instaurado um processo contra os agentes que espancaram Massingue. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos diz já estar a investigar o caso.

Duarte Sitoe

Segundo a Constituição da República, no exercício das suas funções, a Polícia da República de Moçambique (PRM) deve pautar pelo rigor no respeito pela legalidade, imparcialidade, isenção, objectividade, igualdade de tratamento, respeito pelos direitos humanos, apartidarismo e envolvimento de todos os sectores do Estado na prevenção e combate ao crime.

Entretanto, em Xinavane, no distrito da Manhiça, o comandante da 1ª Esquadra, Reginaldo Pequenino Guambe, decidiu pontapear os princípios fundamentais da PRM. Para manter a ordem e tranquilidade pública, decretou a justiça do chamboco.

A entrada em vigor da inovação abriu espaço para cobranças ilícitas e perseguição aos motociclistas, o que de certa forma colocou a população de costas voltadas com as autoridades da lei e ordem.

Um motociclista que se identificou pelo nome de Alexandre Manuel contou ao Evidências que foi chamboqueado por não possuir a carta de condução para conduzir motorizada e que para ser restituído à liberdade teve que pagar 2500 meticais.

“Não sabemos que mal fizemos ao comandante da 1ª Esquadra. Sentimo-nos perseguidos na nossa própria terra. Estamos a ser violentados sem justa causa. Fui chamboqueado porque me exigiram carta de condução. Há 10 anos que conduzo motoriza sem carta, mas este ano as coisas mudaram. Ao invés de multa fui agredido e ainda tive que pagar 2500 meticais para não ser preso. Percebemos que o comandante e os seus agentes têm sede de lutar, por isso pedimos ao Governo para os mandar para província de Cabo Delgado para combaterem o terrorismo”, disse Manuel, visivelmente agastado com o modus operandi dos agentes da lei e ordem.

Andar sem Bilhete de Identidade (BI) em Xinavane era motivo para ser chamboqueado pela Polícia. Alfredo Balate sentiu o excesso de zelo dos agentes da lei e ordem por ter sido encontrado sem BI depois das 22 horas, sem que nenhum toque de recolher tenha sido decretado.

“Saí de casa às pressas e acabei esquecendo o Bilhete de Identidade. No regresso fui interpelado pela polícia, que me pediu identificação, disse que não tinha, mas podia ligar para o meu irmão para trazer. Infelizmente, nenhum dos agentes aceitou e seguidamente recebi ordens para deitar no chão para ser chamboqueado. Estamos a ser tratados como estrangeiros na nossa própria terra. Todos dias há relatos de pessoas que foram castigadas sem justa causa. Ora são motoristas, ora são pessoas que foram encontradas sem documentos. Pedimos a quem de direito para colocar travão nas impunidades da PRM em Xinavane. Os verdadeiros criminosos continuam soltos porque a corporação está apenas preocupada em castigar os inocentes”, protestou Langa.

Massingue foi chamboqueado até perder os sentidos

A justiça do chamboco deixou sequelas que nem o tempo será capaz de apagar da memória de Alfredo Alexandre Massingue, residente no bairro Chitlavanine, arredores do distrito de Xinavane.

 

Tudo começou no dia 11 do corrente mês de Janeiro, quando Massingue foi acusado pelos vizinhos de ter violado uma menor de 17 anos de idade, tendo sido seguidamente levado à 1ª Esquadra da Polícia da República de Moçambique (PRM).

 

De acordo com fontes que falaram ao Evidências na condição de anonimato por temerem represálias, quando Massingue foi interrogado refutou todas as acusações, sendo que na tentativa de arrancar a verdade a qualquer custo Reginaldo Pequenino Guambe fez uso do decreto por si implementado e decidiu que Alfredo Alexandre Massingue devia receber 90 chambocos.

 

“Foi o próprio comandante que pegou no chamboco para castigar o jovem acusado de violação sexual. Devido a brutalidade, o suposto violador não resistiu, desmaiou no local, mas para o seu azar despertou com recurso a água gelada e a sessão de espancamento continuou. Foi doloroso o que aconteceu naquela esquadra, mesmo depois de defecar e urinar nas calças, Alfredo Alexandre Massingue continuava a ser violentado”, contou uma das fontes, para posteriormente outra referir que mesmo coberto de sangue e sem conseguir andar o suposto violador foi colocado nas celas, sendo que para ser levado ao hospital a família teve que pagar cerca de sete mil meticais.

 

“Depois do chamboco, Alfredo não conseguia falar e muito menos andar. A notícia teve repercussão e no dia seguinte a família dirigiu-se à esquadra para se inteirar do estado de saúde do mesmo. Ficou em choque com o que viu e pediu que o jovem fosse restituído a liberdade para receber cuidados médicos. Segundo contaram as fontes próximas da família de Massingue, o comandante exigiu sete mil meticais. Pela gravidade das feridas, os médicos do hospital da Manhiça transferiram a vítima para o Hospital Central de Maputo, onde prontamente foi colocado nos cuidados intensivos. Estamos cansados, Xinavane não é uma ilha, pedimos ao Governo para tomar medidas de modo a repor a ordem porque se tal não acontecer preferimos morrer fazendo justiça pelas próprias mãos.

 

Comando provincial salva Xinavane da justiça de chamboco

 

Contactado pelo Evidências, o Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique em Maputo confirmou a decretação da justiça do Chamboco em Xinavane. “Relativamente às imagens que circulam nas redes sociais evidenciado uma violência física protagonizada por agentes da Polícia da República de Moçambique afectos na primeira esquadra da PRM em Xinavane a um cidadão de 30 anos de idade, alegadamente por ter violado uma menor de 16 anos que sofre de uma doença especial, o Comando Provincial confirma que o mesmo foi sujeito a interrogações através de chamboco sob orientação do comandante da esquadra que o levou a perder os sentidos, sendo que para a sua liberdade a família foi obrigada a pagar uma suposta fiança de sete mil meticais, valor que foi partilhado entre os colegas envolvidos, incluindo o respectivo comandante da esquadra”, referiu Carminia Leite.

 

Em relação aos “chamboqueiros”, Leite referiu que foram tomadas medidas administrativas que passam pelo afastamento naquela Esquadra, tanto do Comandante Guambe, da Chefe das operações e abertura de um processo disciplinar contra os agentes que executaram as ordens de Reginaldo Pequenino Guambe.

 

“O Comandante Provincial constituiu uma comissão de inquérito que se deslocou ao local dos factos no dia 20 do corrente mês para investigar o sucedido, onde foram ouvidos os familiares da vítima e os outros autores da violência. O relatório confirma a prática de agressão física e extorsão, perante os factos ocorridos o Comando provincial ordenou a suspensão imediata do comandante e abriu processo crime e disciplinar contra os agentes envolvidos e também aplicação de outras medidas administrativas adequadas”.

 

Refira-se que, por sua vez, o Comandante Distrital da Polícia da República de Moçambique em Xinavane reuniu-se com a população e avançou que está decretada o fim de chamboco, exigências a motocicletas e emboscadas para motoristas dentro de Xinavane com efeitos imediatos.

 

Em relação aos chamboqueiros, foram tomadas medidas administrativas que passam pelo afastamento naquela Esquadra tanto do Comandante Guambe, da Chefe das operações Isabel, dos ditos homens do 1⁰ ataque (os gordinhos motoqueiros) e de outros agentes que se envolveram em actos macabros, tendo ainda referido que a 1ª esquadra estará sob gestão neste do chefe das operações Distrital que passará a exercer funções de comandante interino enquanto os processos tomam os seus trâmites legais.

Convidado a se pronunciar sobre o modus operandi da Polícia da República Moçambique em Xinavane, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) foi parca nas palavras, visto que se limitou a referir que vai investigar e posteriormente reagir em torno do assunto.

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