- Controvérsia no projecto de mobilidade urbana de Maputo e Matola
- É falso que os concursos se regeram com base nas regras do Banco Mundial
- Em 2014, a CJIC foi sancionada no Gana pelo Banco Mundial e considerada inelegível
- MTC esclareceu, em comunicado, que as regras seriam as previstas no Decreto 79/2022
Existe uma rede de empresas de construção civil chinesas que, mesmo não reunindo requisitos legais para participarem dos concursos públicos, ganha tradicionalmente as empreitadas do Estado em Moçambique, num esquema que, de acordo com a Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME), indicia um sistema de favorecimento a priori com requintes de corrupção, cujos protagonistas são as Unidades Gestoras Executoras das Aquisições (UGEA) de todas as instituições públicas, desde os Ministérios às instituições tuteladas. O caso mais recente e flagrante foi a adjudicação da empreitada da pavimentação das estradas do Município da Matola, nos troços Khongolote-Molumbela; Matlemele-Nwamatibjana e Intaka-Boquisso à empresa chinesa denominada China Jiangxi International Economic And Technical Cooperation (CJIC) pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, no âmbito do projecto de mobilidade urbana na Área Metropolitana de Maputo, financiada pelo Banco Mundial num valor de 250 milhões de dólares americanos, incluindo estradas da cidade de Maputo, sem que esta possua alvará que lhe habilita a executar as referidas obras no país.
Evidências
Depois da Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME) ter denunciado a existência de um “Cartel” que mina concorrência na construção civil, expondo o caso da empresa chinesa CJIC que apresentou uma proposta supostamente baixa, para ajustar o custo depois de aprovação do contrato, aquela empresa chinesa veio a terreiro refutar acusações dos empreiteiros moçambicanos.
Na sua versão dos factos sobre as acusações que foi alvo por parte da Federação Moçambicana dos Empreiteiros (FME), a empresa China Jiangxi International Economic and Technical Cooperation (CJIC) disse que o processo de licitação e a adjudicação do concurso foram feitos em linha com os procedimentos de licitação emanados dos documentos do Concurso, que cumprem os critérios estabelecidos pelo Banco Mundial e a legislação nacional actual.
Quando tudo parecia esclarecido, eis que a FME, através do seu presidente, Bento Machaíla, decidiu vir a terreiro rebater algumas “mentiras” constantes da nota de esclarecimento da CJIC. De acordo com Bento Machaíla, o que está em causa é a violação das regras de contratação previstas no decreto 79/2022, de 30 de Dezembro, por parte do concorrente declarado vencedor pelo Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC), e a tentativa de ludibriar o Estado moçambicano, com a alegação de que a empresa CJIC ganhou as obras em alinhamento com as regras do concurso estabelecidas pelo Banco Mundial.
Na verdade, segundo os documentos a que o Evidências teve acesso, esta alegação da CJIC é falsa, na medida em que os concursos em causa, segundo os anúncios publicados no Jornal Notícias, pelo MTC, “são regidos pelo regulamento de empreitadas de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, aprovado pelo decreto nº 15/2016, de 8 de Março”.
Entretanto, no decurso do concurso, já no dia 24 de Abril de 2023, o MTC, através da Agência Metropolitana de Maputo, comunicou aos concorrentes, cujo documento o Evidências tem na sua posse, assinado pela coordenadora do projecto, Maria de Fátima Arthur, que “entrou em vigor no dia 30 de Março de 2023, o decreto nº 79/2022, de 30 de Dezembro que revoga o nº 15/2016, de 8 de Março, + o decreto nº71/2020, de 13 de Agosto, + o decreto nº53/2021, de 29 de Julho + o decreto nº89/2021, de 29 de Outubro”.
No parágrafo seguinte, o documento esclarece de forma expressa que “o concurso é regido pelo regulamento de empreitadas de Obras Públicas Fornecimento de bens e prestação de serviços ao Estado, aprovado pelo decreto nº 79/2022, de 30 de Dezembro”.
Logo, a FME considera que “o comunicado de imprensa emitido há dias pela CJIC, a alegar que ganhou o concurso de forma justa porque cumpriu as regras estabelecidas pelo Banco Mundial, é falso e visa enganar o Estado, distrair o Gabinete Central de Combate à Corrupção e prejudicar as empresas nacionais, ora em risco de desaparecer devido, alegadamente, à concorrência desleal e criminosa de algumas empresas estrangeiras, em conluio com os gestores das UGEA”.
Funcionamento do esquema
O Evidências pediu para o presidente da FME descrever como é que funciona o esquema das empresas estrangeiras registadas em Moçambique, visto que não são raros os casos de algumas construtoras expatriadas que chegam a executar obras sem sequer terem alvará.
“Estas empresas, primeiro, usam a mesma designação social do seu país de origem nos concursos públicos de empreitadas e depois submetem documentação jurídica da segunda empresa registada em Moçambique, como alvará, relatórios de contas, demonstração de capacidade técnica (experiência e quadro técnico), mesmo não concorrendo em consórcio, de modo a confundir as UGEA (ou mesmo com a conivência destas), na avaliação das propostas em concursos de empreitadas de obras públicas”, apontou.
Esta engenharia tem, segundo a FME, levado as entidades contratantes a assinar contratos com uma entidade jurídica estrangeira, mas que efectivamente quem executa as obras é uma entidade empresarial de direito moçambicano, o que levanta receios e possibilidade de o Estado sair prejudicado em caso de litígios decorrentes da execução e incumprimento dos contratos.
Por outro lado, a fonte considera como um acto ilegal quando um concorrente, durante o processo de concurso, submete proposta financeira com omissão de preços em alguns itens por forma a se posicionar com um orçamento mais baixo na classificação, para a posteriori negociar adendas ao contrato durante a execução da obra.
“Essa forma de actuação, para além de ser antiético, constitui um atentado para as finanças públicas, a economia nacional e para a sobrevivência das empresas nacionais, daí que as empresas ou concorrentes com este modus operandi deviam ser banidas de fornecer serviços ao Estado”, sublinha Machaíla.
Há requintes de corrupção
Perante estes factos, o presidente da FME diz não haver dúvidas sequer de que a aceitação pelo júri de uma proposta financeira com este tipo de irregularidades significa favorecimento a um concorrente com indícios de corrupção.
Acrescentou ainda que este modus operandi tem lesado o Estado moçambicano, que se vê na contingência de ter que negociar adendas aos contratos ao longo da execução da empreitada, em que o custo final da obra acaba superando os outros concorrentes que supostamente perderam o concurso devido ao preço elevado das suas propostas.
“Ou seja, não constitui a verdade que os concursos para a contratação dos empreiteiros para as obras que serão realizadas nos municípios de Maputo e Matola estejam sujeitas às regras do Banco Mundial, pese embora o financiamento do projecto ser proveniente desta instituição financeira internacional”, frisou Machaíla.
Por isso, a FME defende que a empresa declarada vencedora do concurso de construção de estradas no município da Matola, pelo MTC, deveria ter sido automaticamente excluída do concurso no processo de saneamento das propostas financeiras, pelo facto de ter omitido de forma deliberada a inscrição do preço num item crucial para a boa execução da empreitada, que tem a ver com o fornecimento e aplicação do asfalto.
Evidências apurou ainda que, mesmo que na fase de saneamento, se o júri considerasse o preço no item omitido, tendo em conta um outro item similar, a proposta financeira da empresa CJIC teria um preço global acima dos outros concorrentes, o que levaria este empreiteiro a perder o concurso pelo preço mais alto.
CJIC sonegou o preço e UGEIA do MTC fechou os olhos
Paradoxalmente, a FME diz estranhar o posicionamento do MCT de ocultar a verdade ao declarar, em entrevista ao Carta de Moçambique, que a Construções JJR e Filhos está a fazer litigância de má-fé, por reclamar a falta de transparência no processo que ditou a adjudicação de três obras do projecto de mobilidade urbana da área metropolitana de Maputo ao concorrente CJIC.
“É muito estranho que o júri não se tenha apercebido da ausência de preço num item cujo custo representa entre 20 e 30 por cento do custo total da obra, e que o empreiteiro não teria como entregar a empreitada sem ter executado essa actividade dada a sua importância no cumprimento do objecto de contratação”, apontou o presidente da FME.
Salienta ainda que, “para além de omissão de preço para se colocar em vantagem em relação aos outros concorrentes, a CJIC apresentou documentação de duas empresas com regime jurídico diferente, mas com o mesmo nome, uma registada em Moçambique e outra registada na China, num claro exercício deliberado de confundir o júri na fase de avaliação das propostas, o que denota falta de idoneidade por parte desta empresa”, sublinha Bento Machaíla.
No entanto, uma breve pesquisa do Evidências na internet desvendou que, em 2014, a CJIC foi sancionada no Gana pelo Banco Mundial e considerada inelegível nos concursos financiados por esta organização financeira mundial por práticas fraudulentas, que incluem a submissão, num concurso, de documentos falsificados que comprovam uma suposta experiência desta empresa em obras similares a que estava a concorrer na altura, o que mostra que essa prática vem desde há muito tempo.
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