PESOE 2024 – Como o estado pode sair do crónico défice orçamental _ Parte 2

OPINIÃO

Felisberto S. Botão

O líder africano deve parar de só falar verdades quando o que diz já não tem impacto político, pois está fora do poder, não tem influência, e está velho. Apesar de dizer verdades, ninguém presta atenção, até pelo facto de estar descredibilizado pelas más decisões tomadas, tirando do povo e da nação a oportunidade de usar o seu rico conhecimento para se libertar e se desenvolver.

Porquê é que o continente está desestruturado desta forma? Porquê é que as independências nacionais que deveriam constituir o maior orgulho dos povos, não o são, e passaram a ser simples feriados nacionais? Porquê tanto ódio e tanta falta de confiança entre os negros? Porquê tanto esforço do negro em parecer-se branco, na fala, no vestir, no estilo de vida…? Porquê tanto medo do negro em quebrar o status-quo da sua raça, a ponto de usar todos os recursos que tiver alcance, para trazer de volta ao seu estado, todo irmão que tentar dar um passo a frente? Porquê tanta falta de respeito pelo negro, por parte de outras raças, incluindo dentro da sua própria cidade, na África? Porquê nos tornamos emocionais perante o acto de “receber presentes”, algumas vezes a ponto de perder a racionalidade, e somos indiferentes quando se trata de oportunidade para dar?

Estas são algumas questões entre várias que precisam ser respondidas por nós, e não pelas plataformas de pesquisa europeias e americanas. As crises deveriam servir pelo menos para uma reflexão séria e mudança de direcção do nosso ser e estar, e isso tem implicação directa na forma como produzimos o nosso PESOE. Devemos isso às futuras gerações…

Estas questões estão relacionadas com os nossos medos mais profundos, que assombram o nosso espírito, e interferem em todo o nosso processo de aprendizagem, da construção do pensamento, de estabelecimento e execução de políticas, e do processo de empreendedorismo e construção de riqueza. Precisamos entender os nossos medos, como um povo, que resultam de factores emocionais que tem causa, que muitos de nós desconhecemos, e nos deixam vulneráveis a bullying dos países imperialistas do ocidente.

É responsabilidade de cada um de nós empreender para buscar elementos para reconhecer estes medos e entender as causas, para que possa contribuir no processo da desconstrução de paradigmas e estabelecimento de novos, e também para conscientizar que para este empreendimento resultar, tem que desvalorizar os estereótipos contra a raça negra, que estarão sempres aí com a subtilidade característica. Esta é uma tarefa muito difícil, que vai causar muita dor, mas que cada um de nós precisa assumir como causa própria, e começar pela libertação pessoal, interna, antes de olhar para o exterior, buscando fontes nos anciãos da família e da comunidade, nos curandeiros, em plataformas digitais de comunidades e pensadores africanos, nos média sociais, em livros sobre a matéria, etc.

Para melhorar o nosso PESOE, precisamos produzir, e isso passa por entendermos a mecânica das coisas e sua estrutura de custos.

É assustador o modo como ficamos em pânico com a notícia de que já não vamos importar bens da China, da África do Sul ou seja lá de onde mais. Este sentimento e comportamento ficaram evidentes com a Covid-19. A cultura de receber donativos, a narrativa de “não temos capacidade” ou “não há escala”, faz com que não apliquemos a nossa mente sequer para fabricar uma fechadura ou mesmo um palito de dentes.  Essa narrativa é muito bem explorada, sustentada e aproveitada pelos “soldados das importações”, indivíduos envolvidos no esquema de comissões e taxas de importação de produtos, geralmente em conluio com agentes das alfândegas de cada país. Este é um grande negócio obscuro, conhecido pelos governantes africanos, que tem estado a retardar o desenvolvimento dos países africanos, no que toca à capacidade de produção e autossuficiência. E nestas áreas que devem agir os gestores públicos governamentais.

Como sociedade, precisamos começar a gastar tempo a estudar para entender sobre “como as coisas funcionam”, cada um na sua área, e as respostas vão começar a aparecer, e isso vai sustentar o despoletar do empreendedorismo sustentável, desde os criadores e detentores de patentes, os maquetistas, os industriais, os comerciais, entre várias outras ramificações naturais de um processo económico sistematizado. E o mercado está aí, somos pouco mais de 35 milhões de pessoas no país, mais de 1,3 biliões no continente, e pouco mais de 300 milhões na diáspora. Tudo começa em sermos capazes de dedicar tempo para pensar. Porque pensar nós já somos capazes, só precisamos voltar a fazê-lo de forma metódica, sistematizada e com propósito muito claro.

E não vamos parar no pensar. Vamos estruturar os custos das nossas criações, e vamos comparar com o que já existe de similar no mundo, e com base nisso buscar caminhos de melhoria contínua para sermos competitivos no mercado global. Apesar de advogarmos o protecionismo do produto local, o nosso objectivo deve ser que nenhum produto estrangeiro chegue no país mais barato que um produto similar, e equivalente na qualidade, produzido aqui em casa.

Entretanto, apesar de ser necessário, quando há medidas de isenções e protecionismo, como no arroz, sabões e o açúcar, deve ser acompanhado com um plano e objectivos claros, e monitoria da implementação, para que os benefícios nas indústrias abrangidas e nos consumidores sejam reais, e não se abra espaço para oportunismos que só beneficia industriais ou comerciais desonestos.

O espírito que deve governar este processo é a autossuficiência como nação e como continente. A importação deve ser uma opção para a diversificação, e nunca uma necessidade básica para a sobrevivência.

O entendimento do valor dos recursos naturais e as matérias primas existentes no país representam uma grande oportunidade para a melhoria de receitas para o PESOE.

São vários os recursos que este continente possui, o que justifica o crescente interesse dos outros continentes pela nossa terra, nomeadamente, europa, américa e agora ásia, melhor representada pela China. Estes recursos são essenciais e determinam o desenvolvimento e sustentação das suas indústrias, e a procura está muito grande por todo mundo, o que resulta na sua grande valorização.

O estado e o governo precisa despender mais tempo e recursos para ajudar o seu povo a entender a cadeia de valores, actual e potencial, dos recursos da nossa terra, nomeadamente a terra, o carvão, a grafite, o rubi, o ouro, o ferro, as pedras preciosas e semipreciosas, os minerais diversos, o rio, a floresta, a fauna, o mar, as fontes de energia renovável, etc., e junto entender “como” torna-los activos para cada um de nós, e por via deles localizar mais a nossa construção da riqueza, que deve se sustentar na construção de valor nestes recursos.

Deve ser encorajado o processamento local de recursos naturais, e linhas de financiamento especiais devem ser abertas para investidores locais. A exportação de recursos brutos deve ser dificultada gradualmente.

Para complementar esta acção, deve haver um movimento deliberado de transferência gradual da riqueza substancial que detemos no sistema ocidental, para o sistema local, com ajuda de desenvolvimentos de plataformas alternativas, como a ajuda da internet, blockchain, tecnologias diversas e sistemas financeiros fora das plataformas actuais do VISA, SWIFT e outros. Precisamos pensar.

Não é dignificante para nenhum de nós, assistir outros povos em corridas desenfreadas, a gastarem o que for necessário sem contemplações, para vir extrair recursos que estão no nosso quintal, e nós nem se quer temos ideia clara da utilidade dos mesmos recursos. Muita desta informação existe. E se não existir, temos capacidade para pensar e ir buscar pela pesquisa. Este conhecimento vai abrir espaço para novas oportunidades de negócios, com sustentabilidade local, fora dos modelos habituais importados do ocidente e da China, o que terá implicação directa no alargamento da base fiscal e melhoria da receita para o PESOE.

A riqueza das nações africanas está nos recursos naturais, ou matérias primas, se assim o preferir. Não ligue para a narrativa de que “você não come gás”, “você não come carvão”, etc., estas são intencionalmente fabricadas para você tirar o seu interesse dos recursos naturais, e deixar o banquete para os exploradores da europa, américa e ásia.

Como cidadãos africanos, no continente e na diáspora, é obrigação de cada um entender que recursos temos na terra, qual a sua cadeia de valores, e qual a sua possibilidade de participação, e detenção de riqueza sustentada por eles. E como governantes, é importante entender que deve se focar em suportar a riqueza real para os locais, como o seu maior investimento para alargar a base tributária, e não começar pela identificação de mais opções de cobrança na economia existente, já debilitada.

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