“A oposição aos partidos libertadores é fraca”

DESTAQUE POLÍTICA
  • General Bento Kangamba em discurso directo

Bento dos Santos Kangamba, general angolano de três estrelas, conhecido como empresário e dirigente desportivo, abriu-nos mais uma vez as portas para falarmos da situação política do seu país, Angola, tendo aproveitado a deixa para falar da crise dos partidos de libertação na região austral. Entre vários aspectos, nesta entrevista que vai ser reproduzida em três partes, Kangamba fala de uma oposição fraca, que não se mostra à altura de ser uma verdadeira alternativa ao partido no poder.

Luís Nhachote, em Windhoek

General Bento Kangamba, o último ano político em Angola parece-me que foi muito conturbado, há muita contestação à figura do presidente João Lourenço (J.Lo). O que tem a dizer sobre isso?

É normal em África haver conturbações por algumas dificuldades, como o agravamento das condições sociais. Aquilo que está a se passar em Angola, passa-se em Moçambique, na África do Sul, no Congo, não está se passar só em Angola, mas África no seu geral.

Com a guerra na Ucrânia e agora guerra entre Israel e o Hamas, as complicações aumentaram para os africanos e Angola também passa por essas dificuldades. E o presidente João Lourenço não foge dessa situação geral.

Em Angola, existem muitas vozes que dizem que o General defende muito o actual presidente e que, devido a este facto, ele tem te favorecido em alguns negócios. O que tem a dizer perante esses comentários que surgem?

– Há seis ou sete meses que não se falava disso. Vocês recordam que eu fui algemado numa fronteira e fui transportado por um avião da presidência. Foi feito por um chefe da Casa Militar da Presidência da República de Angola. Era uma acusação infundada que fizeram contra mim, mas eu, sendo um patriota, sendo uma pessoa fiel à paz, fiel a mim mesmo, no meu próprio partido, eu não criei problemas.

É normal as pessoas falarem. Eu nunca fui favorecido pelo Presidente, nunca fui favorecido pelo governo, nunca fui favorecido por ninguém, porque eu não tenho nenhuma sociedade com nenhum dos meus colegas do partido. Para vocês verem, por exemplo, há julgamentos do caso das empresas do General Kopelipa, do General Dino, do General Higino, que são pessoas ligadas a mim, mas não está lá o meu nome.

Eu sou a pessoa que teve muito poder ao lado do presidente José Eduardo, mas podem vasculhar, eu não fui favorecido, é por isso que eu falo assim abertamente. Eu falo porque não devo.

Já foram inventados muitos cenários à volta do Bento Kangamba, inventaram os cenários de que eu tenho saco azul, não sei se eu tenho saco preto, mas isso não é só de agora. Isso já vem lá do tempo do presidente José Eduardo Santos. Diziam que eu tinha saco azul, que era eu quem pegava o dinheiro para corromper os partidos, mas eu estou tranquilo, pois tudo isso são mentiras, considero-me um empresário conceituado há muitos anos, não sou empresário de hoje e nunca fugi do meu país. Nunca disse nada, nunca neguei dentro do país, nem recusei que eu tivesse dinheiro.

Candidatura a Presidente da República? – “Nunca pensei nisso”

General, os partidos de libertação na África Austral, como bem mencionou o caso da África do Sul, da Angola e de Moçambique, estão a enfrentar um fenómeno mais ou menos parecido. O que está a falhar para serem contestados pela população?

– É o tempo. O que está a falhar é o tempo. São partidos que estão há muito tempo a lutar para a libertação dos seus países e os jovens que estão a crescer agora acham que aqueles partidos estão há muito tempo no poder, e preferem agora lutar para a mudança. Quando se aceita a democracia e se abre é claro que haverá consequências da abertura das liberdades.

O jornalismo fala e até quem não é jornalista escreve qualquer coisa, fala mal do presidente, fala mal do governo, fala mal do que quer que seja. E eu acho que é o tempo que esses partidos estão a viver, é um momento, mas a partir da experiência, dos desafios, os experientes vão sobreviver, desde que saibam aprender e tirar lições destes movimentos e momentos todos. Eu aconselho os partidos a abrirem-se ao diálogo com os jovens, com os mais novos, com os mais antigos, com os antigos combatentes.

Eu garanto-vos, se tivermos um país onde as pessoas têm direito à saúde de qualidade, direito à educação de qualidade e a todos direitos sociais inerentes à cidadania, nenhum povo vai reclamar, nenhum povo vai querer fazer confusão, porque tem e goza em pleno os seus direitos.

Em 2027 teremos eleições em Angola, nunca pensou, com esta base de apoio da juventude que o segue todo este tempo, em candidatar-se a presidente de Angola pelo MPLA?

– Eu não penso nisso, nunca pensei e claramente que eu tenho que vos falar uma coisa, eu sou um produto feito no MPLA. Nunca pensei em candidatar-me a presidente do MPLA, de Angola, porque também sempre disse que não preciso ser deputado da Assembleia Nacional, porque eu já sou, porque quando passo em todos os sítios sou muito cumprimentado, as pessoas querem tirar foto comigo, admiram-me mais que o próprio deputado da Assembleia de um partido.

A popularidade é minha e é do partido do MPLA, quem deve aproveitar a minha popularidade é o MPLA. Não sou eu que tenho que aproveitar a minha popularidade para ser presidente no MPLA.

“As pessoas inventam cenários e situações”

O senhor sente que alguns dos seus camaradas do partido fazem ciúmes? É normal. E porquê?

– É normal fazer ciúme porque é claro que há pessoas que não fazem aquilo que nós fizemos. Somos muitos no partido, mas nem todos fazem o mesmo trabalho que nós fizemos. Agora o ciúme sempre existe, porque há pessoas, há militantes com qualidade e há outros militantes que não têm a mesma qualidade que nós temos. Ciúme existe no partido, nas amizades e nós estamos prontos para aguentar.

Há um jornal angolano que publicou, há dias, que Miala e Bento Kangamba estão a tramar o presidente. Querem tomar o poder?

– As pessoas estão a falar com as pessoas que não são patriotas sobre as pessoas patriotas. Gostam de destruir pessoas que são patriotas. Eu vejo muita gente e muita conversa sobre o general Miala. Por que as pessoas gostam de bater no nome do general Miala? Porque o general Miala é um patriota, uma pessoa séria, uma pessoa honesta. Eu estou em Angola, nunca me cruzei com o Miala nas festas, nos casamentos, nos copos ou nos negócios, eu nunca vi isso. Então, é claro que também as pessoas nunca cruzaram comigo nos copos, as pessoas inventam cenários e situações, mas eu acho que as pessoas põem esta confusão na cabeça do presidente, de quem lidera e da sua família para ver se criam mais problemas para alguns.

Hoje vou abrir o jogo. Os problemas aconteceram como aconteceram em Angola porque um grupo de camaradas foi contra o general Miala. Quando o general Miala, nos princípios, combatia a dizer que não se podia fazer negócios com projetos chineses e isso ia criar insinuações de corrupção junto à presidência da República, outras pessoas não aceitaram isso. Acharam que o Miala estava estragando o bolo e o Miala sofreu aquilo que sofreu. E agora está aí, tem estado a fazer os seus trabalhos. Já disse antes e repito agora, nos tempos do presidente José Eduardo dos Santos eu tinha o poder de dizer ao Presidente prende este, exonera este, mas eu não fiz. Mesmo agora tenho poder, eu sou ouvido no partido.

Será que há membros do partido que têm intenções de o destruir?

– Há pessoas que abriram contas nas redes sociais, canais, só para falar do Bento Kangamba, falar de outras pessoas, o que é crime. A missão é destruir, mas acredite, para destruir o Bento Kangamba leva muito tempo, porque eu sou uma pessoa que tem certeza que as mamãs, os jovens sérios, as pessoas que vão à igreja, todos os dias rezam para que eu tenha mais tempo, e porque eu vejo pessoas que me contactam nas ruas, falam comigo, olha, nós estamos a rezar para si, você continua a ser a mesma pessoa, quando as pessoas que não são nossas família, pessoas de outros partidos, falam bem de nós, e achamos que quem quiser nos destruir não vai conseguir, mas nós temos que ficar atentos, mas a vida é isso, a vida está a ser de problema, a vida está a ser de intriga, a vida está cheia de interesse.

General, um dos atletas do Kabuscorp, seu clube, apareceu publicamente a apoiar um candidato da oposição no Congo e associa-se a esse facto que o general também estaria por detrás do apoio à oposição no Congo, o que tem a dizer sobre isso?

– Não é assim. É o seguinte, o Congo está ligado a Angola, uma parte da história dos congolenses está ligada a Angola e geralmente quando vamos buscar os jogadores no Congo, vamos buscar atletas, não vamos buscar partidos. O atleta que dizes é o Putu, que ajudou o candidato do presidente da equipa onde ele jogou, o TP Mazembe de Moïse Katumbi, mas também nós tivemos outros atletas como Lamy, Daniel, Mpele, que são históricos no clube do Kabuscorp, que estiveram no lado do presidente Tshisekedi, que ganhou as eleições e eles autorizaram algum material de publicidade com a minha cara, mas enfim, são coisas lá do Congo, não tem nada a ver com Angola.

E nós não podemos… as eleições são dos Congoleses, nós Angolanos não podemos ajudar a campanha das eleições do Congo. Nem da África do Sul eu vos disse que estive com o secretário-geral, estava a falar comigo lá, estava a me contar a história da percentagem das eleições da África do Sul, como ele prevê que o ANC com 45% e o Malema com 10%, enfim, e acho que o ANC vai precisar os 10% do Malema, enfim, para fazer 50% para governar, enfim.

E eles me perguntaram se eu também tinha essa visão em Angola, eu disse que não tinha essa visão porque… O nosso partido é unido, e coeso, temos um candidato, temos um líder, e nós até no MPLA estes dias não estamos a falar de candidato, porque ainda estamos com um ano ou dois anos até que as eleições aconteçam.

Então vamos agora em 2025, vamos começar a pensar, em 2026 temos o congresso do partido onde vamos definir o jogo todo. Agora as pessoas devem ficar calmas, serenas, ainda não estamos a falar de quem vai subir, quem vai substituir e quem vai sair.

“A oposição da Frelimo é Fraca”

Este ano, Moçambique e a África do Sul têm eleições. Recentemente, houve eleições municipais e mostraram que esses dois partidos libertadores estão a perder o eleitorado. As eleições deste ano nos dois países vão mostrar o que pode vir a ser Angola. Consegue estabelecer essa ligação entre o MPLA, a Frelimo, ANC e essa perda da confiança do eleitorado?

– Isso é o que respondi agora, que a Frelimo, o MPLA, o ANC, a SWAPO têm esses problemas. Os problemas que o MPLA, o ANC e a SWAPO têm não são problemas individuais, das pessoas, dos líderes.

São problemas sérios, porque vieram da luta armada, da independência e continuaram a ganhar as eleições. E nessas eleições tiveram promessas. Prometeram mundos e fundos. Quando tu prometes mundos e fundos, as pessoas esperam que tenham esse tipo de… Aquilo que a Frelimo prometeu, aquilo que o MPLA prometeu, aquilo que o ANC prometeu, o povo espera colher. Quando não colhe, é claro que tu vais ter sempre problema. Vai ser desacreditado. Até o próprio antigo combatente, tem os seus filhos que agora estão com 30, 40 anos, querem ver o resultado da militância do pai. Quando não vê o resultado do seu pai, o que é que cria na sua consciência? Cria descontentamento, porque o pai deu isso, deu aquilo, e até hoje não foi apoiado, então eu também como filho já não vou mais apoiar o Frelimo ou o MPLA.

E esses partidos não têm problema com a oposição, pois a oposição desses partidos é fraca. A oposição da Frelimo é fraca, a oposição do ANC é fraca, a oposição do MPLA é fraca. Mas os próprios partidos, que estou a te dizer, têm a própria guerra entre si lá dentro.

Há problemas internos que eles, próprios partidos, têm que sentar e resolver. Se eles conseguirem resolver esses problemas entre si, é claro que o partido vai mais à frente, vai ver organização, e vai…

Porquê? Eu vou te dizer o que aconteceu com o MPLA em 2022? Alguém vai dizer assim: A UNITA teve a possibilidade de ganhar, o povo votou pela UNITA. Não, esquece isso. O povo angolano tem experiência, sabe o que e aonde vai votar. Quem prejudicou o MPLA foi o próprio MPLA. Os militantes do MPLA não foram votar, abstiveram-se. Quando os militantes do MPLA, que é o primeiro voto de confiança do seu partido, não votam, o que é que dá?

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