- Há políticos e polícias envolvidos no tráfico de drogas
- PGR aposta no reforço da capacidade do SERNIC e cooperação internacional
- Nyusi quer contribuição de todos para que Moçambique esteja livre de drogas
- Presidente do TS diz que se justifica a criação de uma força tarefa para o tráfico de drogas
Moçambique foi tido durante muito tempo como corredor do tráfico internacional de drogas, mas aos poucos está a transformar-se de país de transito para país produtor de diversos tipos de substâncias psicotrópicas, incluindo as consideradas pesadas. A confirmação veio da boca da Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, que denunciou que o tráfico de drogas já tem teias na Polícia da República de Moçambique (PRM) e nos meandros políticos, embora sem citar nomes.
Duarte Sitoe
De acordo com a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, a principal rede de entrada de drogas em Moçambique está ligada à máfia paquistanesa, que introduz principalmente o haxixe e a heroína vindos do Afeganistão. Mas há outros fortecedores e tipos de drogas que entram no território nacional e são comercializados internamente ou nos países vizinhos.
É com esta preocupação que o sector do judiciário escolheu o lema “Reforçando o Papel do Judiciário no Combate ao Tráfico de Drogas” para a abertura do ano judicial e, diga-se em abono da verdade, a procuradora Geral da República usou a ocasião para colocar a boca no trombone, com recados para dentro do judiciário, da política e do sector castrense.
Na sua intervenção, Biatriz Buchili descreve Moçambique como um país que evoluiu de local de trânsito para um centro de produção, fazendo ainda notar que o tráfico de drogas estendeu as suas teias nas intuições públicas, sobretudo nas fileiras da Polícia da República de Moçambique.
“Como Judiciário, devemos continuar a reforçar a integridade das instituições e os mecanismos do combate à corrupção, pois esta é um dos instrumentos usados pelo crime organizado para concretização das suas acções, daí que o tráfico de droga tenha a capacidade de estender as suas teias nas instituições públicas, incluindo no seio da polícia, das magistraturas, da advocacia, dos actores políticos e das esferas económica e social, manipulando as agendas das instituições e comprometendo o Estado”, declarou Buchili.
A cooperação é, segundo Beatriz Buchili, que se mostrou preocupada com indivíduos que vendem drogas nas imediações das escolas, comprometendo a saúde e o desenvolvimento das crianças, uma das armas para tirar Moçambique na lista do tráfico internacional de drogas.
“Estamos, infelizmente, inseridos no tráfico internacional de droga e não podemos pensar numa solução unicamente nacional. Devemos lançar mão aos diversos mecanismos de cooperação internacional e, aliás, temos estado a efectuar, fazendo o aproveitamento não só dos mecanismos formais como também informais, com enfoque para os diversos fóruns internacionais em que as nossas instituições se mostram representadas”, sugeriu.
A procuradora-Geral da República defendeu, por outro lado, o reforço da capacidade institucional da Polícia da República de Moçambique (PRM) e do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), tendo, por isso, sugerido a implementação com maior celeridade do Plano Estratégico do SERNIC, concluído em Março de 2023.
“Enquanto Ministério Público, assumimos o compromisso de fortalecer a nossa atuação na direção da instrução preparatória e exercício da ação penal contra a criminalidade organizada e transnacional, onde se insere o tráfico internacional de droga, o terrorismo, o rapto, o branqueamento de capitais, entre outros, tornando o nosso país livre deste flagelo, garantindo o crescimento harmonioso das nossas crianças, dos jovens e adolescentes”, disse.
“Não há milagres na luta contra o tráfico de drogas. Ou há logísticas, ou contamos com a sorte”
Por seu turno, o Presidente da República, Filipe Nyusi, que na sua intervenção sugeriu diálogo no sector da justiça, tal como o Governo tem tido com os empresários com vista a fortalecer ainda mais o sector, reconheceu que, apesar da implementação das leis que definem o regime jurídico aplicado ao tráfico e consumo de drogas, o país ainda tem muito a fazer para combater este mal.
“As Forças de Defesa e Segurança estão a fazer a sua parte ao longo do mar quando estão a atravessar de um lado para o outro. As organizações também, incluindo o gabinete de combate à droga, estão a fazer a sua parte com significativo sucesso. Exortar a todos integrante do sector da justiça para o bem dos nossos jovens, para o bem do nosso belo país cada um de nós na sua área de actuação deem a sua contribuição activa por um Moçambique livre das drogas. O tráfico de drogas não pode merecer contemplações no nosso sector da justiça”, exortou.
No entender da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) o grande problema que o país enfrenta é a fragilidade económica e institucional de lutar contra o tráfico de drogas, que se agrava por termos fronteiras porosas e uma costa marítima de mais de 2700 km, defendendo, por isso, que a luta contra esse mal deve ser conjunta.
“Não há milagres na luta contra o tráfico de drogas, ou há condições logísticas, ou vamos contar com a sorte ou com o cálculo da probabilidade, ou, ainda, com a denúncia popular. Portanto, qualquer luta contra este mal deve ser conjunta e envolver a comunidade internacional. Sozinhos, não tenhamos ilusões, seremos terra onde em vão se semeará, mas nada se colherá”, referiu o bastonário da OAM, Carlos Martins.
Por sua vez, o presidente do Tribunal Supremo, Adelino Muchanga, revelou que o número de processos-crime relacionados com o tráfico ilícito e consumo de drogas tem aumentado nos últimos anos, tendo passado de 491 processos entrados nos tribunais em 2021, para 659 no ano de 2022 e 964 novos processos em 2023.
O aumento dos processos relacionados com o tráfico ilícito e consumo de drogas reflecte a prevalência deste tipo em Moçambique, contudo, Adelino Muchanga aponta que este cenário exige uma atenção redobrada do Estado e de todo o aparelho de combate ao crime organizado, incluindo os tribunais.
“As leis devem ser adequadas à realidade cada vez mais evidente da ameaça crescente de precursores químicos, definindo com clareza os critérios da sua posse. Tendo em conta a nossa situação geográfica, as afinidades sócio-económicas e a natureza global do tráfico e consumo ilícito de drogas, há que reforçar a cooperação internacional e regional, através do desenvolvimento de redes de articulação com países que perfilam nas principais rotas do narcotráfico e estabelecer acordos que estabeleçam mecanismos expeditos de auxílio mútuo, de entrega controlada e de extradição de traficantes”, disse o presidente do Tribunal Supremo, para depois defender a criação de uma força multiossectorial para lidar com o tráfico de drogas.
“Considerando que recolha e tratamento da prova constituem a alma do processo-crime, mostra-se urgente um alteração legislativa visando dotar as diversas unidades da Polícia da República de Moçambique, designadamente, a Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial (PCLF), bem como as unidades da Marinha de guerra, de unidades de investigação criminal, com competências para, na sua específica área de actuação, proceder à recolha, preservação e custodia de evidências, pois são aquelas entidades que, antes do SERNIC ou do magistrado do MP, chegam ao local dos acontecimentos, por terem maior representatividade no território nacional. Em último caso, poderá justificar-se a criação de uma força tarefa, de composição multissectorial, para especificamente lidar com o fenómeno”.