Corrupção ontem e hoje em Moçambique

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Alguns anos depois da independência nacional, se Moçambique tivesse sido avaliado por organismos internacionais especializados na monitoria de casos de corrupção no mundo, teria tido um bom posicionamento no ranking dos países africanos e do globo com níveis baixos de corrupção.

Na Educação, por exemplo, não era preciso suborno para ter acesso a uma vaga em qualquer subsistema de educação, nem dar “refresco” ao professor para um aluno dispensar do exame. O mesmo acontecia em relação ao acesso ao ensino superior. Bastava fazer a décima primeira classe, entrava na UEM.

Na saúde, idem. Apesar de que a rede sanitária, nessa altura, não se comparava com a actual em que os hospitais ou centros de saúde estão cada vez mais próximos das comunidades, não havia casos de suborno para que um doente fosse bem atendido.

O pouco que existia, quer em termos de unidades sanitárias, quer no que se refere aos medicamentos, era para todos. Não havia consultas especiais, muito menos clinicas privadas. Eram raros os casos de moçambicanos que se tratavam fora do país. Para dizer que quase toda gente era atendida em hospitais públicos, mas ainda assim, não havia corrupção.

Na habitação, entre 1975 e 1977, período em que houve fuga em massa de portugueses do país, qualquer cidadão moçambicano podia ocupar a casa que quisesse e na zona da sua eleição desde que estivesse desocupada. Era só escolher o imóvel e a APIE, órgão do Estado responsável pela gestão de imóveis nacionalizados, era-lhe sem o pagamento de favores.

Hoje, o mesmo país figura na lista das nações mais corruptas do mundo, ocupando o lugar 149. Infelizmente, a corrupção em Moçambique tornou-se modus vivendu. É forma de ser e estar dos moçambicanos. A situação está a um nível tal em que o fenómeno invadiu sectores que nunca se podia imaginar que fossem afectados, como é o caso da polícia e da justiça.

Um estudo encomendado pela USAID indica que os níveis de corrupção no país se situam entre os mais elevados do mundo, ultrapassados apenas pela Bolívia. Segundo a mesma pesquisa, um quarto dos moçambicanos paga suborno para arranjar o emprego e um cidadão em cada 2,2 já foi vítima de corrupção.

É preocupante e vergonhoso saber que a pequena corrupção, considerada dominante, afecta os direitos fundamentais do cidadão, como o acesso ao emprego, à educação, saúde e à segurança. Hoje é prática corrente subornar um agente de autoridade para evitar multa ou para ser solto de uma esquadra, neste último caso, ainda que seja alguém com um cadastro criminal, promovendo a impunidade no país.

Apesar de que a grande corrupção representa uma pequena fracção, o estudo da USAID concluiu que o seu impacto é maior, tanto pelos montantes envolvidos, como pelo poder que tem de corromper o sistema e os processos de decisão do Estado, administrativa e judicialmente.

Quando os juízes se envolvem em esquemas de corrupção, com dois casos frescos de expulsão pelo Conselho Superior de Magistratura Judicial, dá para imaginar a gravidade da situação e o quanto o sistema judicial moçambicano está capturado pelo crime organizado.

Afinal porque é que antes, o país não era corrupto ou pelo menos tinha níveis insignificantes de corrupção e hoje é mestre na matéria? A explicação é muito simples. É que a sociedade de então tinha os seus próprios métodos de controlo, o que incluía vigilância e denúncias populares, sem medo e a dar cara, contra más práticas em instituições públicas. O ambiente político em si não propiciava a prática de corrupção no país.

Por outro lado, fazia-se sentir, a vários níveis, a mão dura do governo quer estimulando a colaboração da população, com plenos poderes para denunciar quem quer que fosse junto de estruturas competentes. Isto para não mencionar os seus próprios sistemas internos de controlo, fiscalização e prestação de contas.

Essa é a grande diferença que existe em relação ao presente. Existe, sim, vontade política para o combate à corrupção, mas falta o essencial, a atitude. Fala-se tanto do fenómeno em discursos políticos bombásticos, mas pouco se faz na prática e no terreno para acabar com o mal.

O combate à corrupção até já fez parte das prioridades de alguns governos do dia, mas no fim do mandato desses mesmos governos verificou-se que no lugar de diminuir, massificou-se cada vez mais. Significa que algo falhou ou o que se devia fazer, não foi feito.

É que por melhor que sejam os discursos, nunca são e nunca serão a solução para o problema. A situação exige políticas concretas. Exige rigor na gestão da coisa pública e, acima de tudo, a prestação de contas. Em última análise, exige a criação de plataformas que permitam a participação activa de todos na denúncia dos corruptos e dos corruptores, com penalizações severas que incluem despromoção do cargo e expulsão do aparelho de Estado.

Facebook Comments