Volvidos alguns dias depois do Presidente da República, Filipe Nyusi, secundado pelo ministro da Defesa, referir que os terroristas atacam em pequenos grupos de três ou quatro elementos e depois fogem, fontes das Forças de Defesa e Segurança (FDS) desmentem o discurso oficial e acusam o Governo de estar a faltar com a verdade sobre o que realmente está a acontecer no Teatro Operacional Norte (TON). A título de exemplo, os no último sábado os terroristas atacaram o distrito de Quissanga com mais de 500 homens, obrigando a principal posição da Unidade da Intervenção Rápida (UIR) que estava ali estacionada com cerca de 40 homens a recuar para salvar as suas vidas.
Apesar de todos esforços do Governo para provar que a situação tende a voltar ao normal na província de Cabo Delgado, os terroristas continuam a protagonizar ataques e com um número maior de efectivo, o que contraria o discurso que tem sido propalado pelo Presidente da República e Ministro da Defesa Nacional.
A título do exemplo, no último ataque ao distrito de Quissanga, segundo alguns elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) que foram obrigados a recuar e abandonar a posição para poupar as suas vidas por estarem largamente em desvantagem numérica e de meios, o grupo armado tinha nas suas fileiras mais de 500 homens, incluindo mulheres e crianças, usados como escudos humanos.
“Na sexta-feira para o sábado estivemos com a força local a nos dizer que os terroristas estavam a entrar numa aldeia próxima da vila sede em grupos separados. A força local estimou o grupo em cerca de 500 homens e com as mulheres e crianças totalizavam cerca de 700 indivíduos. Quando eram duas horas da madrugada fomos alertados para estarmos em prontidão e quando deram seis horas, os terroristas estavam a se distribuir do bairro onde estavam até a sede distrital, chegando até Quissanga Praia. Estavam bem munidos, mais que nós proprios que somos a força regular do Estado”, desabafou um dos agentes da UIR.
Os elementos da UIR contaram ao Evidências que os insurgentes, que nas suas incursões se fazem acompanhar por mulheres (incluindo grávidas) e crianças aparentemente a usá-los como escudos humanos, foram contabilizados através de um drone lançado pelos soldados sul – africanos.
“Ligou-se para os sul-africanos e quando estes lançaram drone conseguiram localizar o grupo e confirmaram o numero de cerca de 700 pessoas”, sublinha outro agente.
Recuar para salvar vidas
Ao se aperceber que o inimigo estava em maior número, a base da Unidade de Intervenção Rápida, composta por 38 homens, solicitou reforço junto do Comandante – Geral da Polícia da República de Moçambique, Bernardino Rafael, sendo que o mesmo deu ordem para recuar.
Isto explica a razão pela qual os terroristas praticamente passearam na vila de Quissanga, sem nenhuma resistência, tendo saqueado bens, orientado uma reunião com a população e confecionado alimentos para depois comerem com os que tiveram sorte num autêntico a vontade, como atestam vídeos e fotos feitas circular no passado sábado. Os terroristas só se retiraram horas depois.
“O nosso comandante ligou para o Bernardino Rafael a pedir reforço porque não queria perder nenhum homem. Eramos 38 para lutar com mais de 500 pessoas. Abandonamos a posição porque o Comandante Geral da PRM disse para recuar porque não era da nossa capacidade e não queria perder homens. Abandonamos, fomos nos instalar numa certa mata, tentamos recuperar o comandante distrital, enfermeiros e técnicas de educação e procuramos um barco que nos pudesse tirar de Quissanga para a Ilha do Ibo, sem sabermos que os terroristas tinham colocado seus olheiros”, contou um dos militares sobreviventes.
Já no distrito de Ibo, refugiaram-se em Quirimbas e quando estavam a tentar tirar botas para repousarem e cuidarem da sua higiene, receberam um telefonema de fontes locais a informarem que os terroristas estavam a aproveitar a maré morta para chegarem as Quirimbas no seu encalço, mas em número menor.
“Estavam em maior número e com armas de última geração”
Encurralados, decidiram então montar uma emboscada aos terroristas que já estavam em menor número, mas foram traídos pois os terroristas tiveram informação e montaram sua própria contra-emboscada, o que levou a uma confrontação que resultou na perda de alguns elementos da UIR, incluindo o comandante da Companhia e o comandante distrital de Quissanga.
“Não tínhamos como enfrentar os terroristas naquelas condições. Estavam em maior número e com armas de última geração, por isso tivemos mesmo que abandonar. Tivemos que tirar aprumo, abandonarmos, a única coisa que não deitamos são armas. Nos juntamos com a população enquanto pedimos reforço. Quando descobriram que nos juntamos a população começaram a revistar as pessoas. Procuravam nos tirar camisas para verem quem portava marca de arma. Felizmente, estávamos com o chefe do posto de Quirimbas, conseguimos um barco que nos levou para a Ilha de Ibo, mas no meio do caminho recebemos chamados com números dos nossos colegas que não tiveram sorte e foram capturados. Percebemos que era o inimigo e não demos a nossa localização”, disse.
Os agentes da UIR foram resgatados por um navio da Marinha de Guerra, de uma unidade de fuzileiros navais instalados na Ilha de Milambo. Exaustos, sem botas e apenas de boxers e camisetas, aqueles homens foram contactados pelas suas chefias ordenando que regressassem à frente de combate.
“Depois de sermos resgatados pelos fuzileiros navais, as nossas altas individualidades querem nos mandar onde há confusão na Ilha do Ibo, mas para fazermos o que? Estamos cansados, nem temos botas, nem temos aprumo. Aqui onde nós estamos, só estamos de boxers e camisetas”, desabafou outro agente das forças especiais da polícia, pedindo aos jornalistas para que publiquem a verdade sobre o que está a acontecer em Cabo Delgado.
Aliás, o militar não tem dúvidas de que o Governo tem dado falsas informações sobre a real situação do terrorismo na província de Cabo Delgado.
“Esse é o nosso grito de socorro. Queremos que a comunicação social nos ajude, porque muita coisa que acontece aqui em Cabo Delgado não chega aos moçambicanos. Que o nosso grito de socorro chegue a todo país e mundo. Assim, que estamos a falar, na África do Sul está a se falar do que acontece no TON, mas aqui não se diz nada. Neste momento, tudo que mais queremos é voltar para casa. O nosso Governo disse que os terroristas atacam quando são dois ou três, mas não foi isso que vimos em Quissanga. Eram mais de 500 homens para uma unidade com 38 elementos. Os nossos colegas tombaram em combate e não queremos seguir o mesmo caminho. Queremos voltar para as nossas casas”, revelou.
Refira-se que, segundo o militar, dos 38 homens que faziam parte daquela companhia, apenas foram resgatados 25, o comandante morreu e os restantes ou estão mortos ou estão feridos e perdidos nas matas. Os terroristas usam telefones dos agentes capturados ou mortos para ligarem simulando resgate com o intuito de saberem da sua localização.
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