- Europeus continuam a assobiar para o lado
- Moçambique pede material letal para combater terrorismo, mas deixa tudo ao critério da UE
- Wilker Dias acredita que a UE pode estar a dar armas, mas não pode falar aos quatros ventos
Os 27 países da União Europeia, que gastam, desde Fevereiro de 2022, biliões de dólares em apoio militar letal e não só para a Ucrânia se defender da agressão russa, ainda se mostram reticentes em relação ao fornecimento de apoio letal para as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas se defenderem contra um braço local do Estado Islâmico que actua em Cabo Delgado. Na semana passada, respondendo a uma pergunta do Evidências, a União Europeia (UE) referiu que só vai dar resposta cabal sobre o envio ou não de equipamento letal depois da avaliação da primeira fase do programa de apoio que consiste em treino militar e fornecimento de viaturas, uniformes e outros meios, mas que não incluem armas, numa altura em que os militares têm se queixado de falta de meios à altura do poderio bélico do inimigo. Entretanto, o analista Wilker Dias desconfia que os europeus podem estar a dar mais uniforme, capacetes e bebedores às tropas moçambicanas e que só não divulga aos quatro ventos por temer consequências ao nível do seu próprio território.
Duarte Sitoe
Depois de vários anos a recusar o auxílio internacional para combater o terrorismo na província de Cabo Delgado, o Governo abriu as portas para as “forças amigas” apoiarem as Forças de Defesa e Segurança a combaterem os grupos armados que desde Outubro de 2017 semeiam luto e terror naquela parcela do país.
A Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SAMIM) e as tropas ruandesas receberam luz verde para colocarem botas no terreno e combater o terrorismo, enquanto a União Europeia e os Estados Unidos da América tiveram aval para trabalhar na formação dos militares moçambicanos.
Para além da capacitação das FDS, o apoio da União Europeia no combate ao terrorismo na província de Cabo Delgado inclui milhões de euros em equipamento não letal, com destaque para fardas, capacetes, bebedores, equipamentos de visão nocturna e meios circulantes.
Numa altura em que os terroristas intensificaram ataques em alguns distritos da província de Cabo Delgado, há cada vez mais relatos de militares moçambicanos queixando-se de falta de armamento sofisticado e moderno para fazer face à capacidade bélica do inimigo, que estranhamente se apresenta com metralhadoras mais eficientes, enquanto os soldados nacionais portam velhinhas AKMs.
Isso acontece num contexto em que apesar de os sectores da Defesa e Interior receberem anualmente uma parte significativa de dotações financeiras do Orçamento do Estado, há pouco investimento em equipamentos sofisticados. A última vez que o Governo investiu de forma séria na aquisição de armamento foi através da ProIndicus, ora sabotada e desmantelada.
Na semana passada, interpelado pelo Evidências, o ministro da Defesa Nacional, Cristóvão Chume, pediu o mesmo apoio que a UE tem dado a outros países que enfrentam o terrorismo nos seus territórios, ou seja, armamento letal.
“Reforçamos a necessidade de que não basta simplesmente o apoio em Moçambique no treino de pessoas, provisão de equipamentos não letais, mas é importante, considerando que o terrorismo que temos em Moçambique é internacional, então os esforços que a União Europeia tem dado para outros países que sofrem do mesmo fenómeno poderiam ser partilhados com Moçambique e prover equipamento letal, mas é uma questão que deixamos ao critério da União Europeia para continuar com as consultas internas, quem sabe se poderíamos ter resultados para a segunda fase do programa que temos com a UE”, declarou Chume à margem da visita do Comité Político e de Segurança da União Europeia ao país.
Na resposta a uma entrevista do Evidências a esse respeito, Delphine Prank, presidente do Comité Político e de Segurança da União Europeia, disse que neste momento não está contemplado o fornecimento de armas.
No entanto, deixou uma luz de esperança, destacando que o envio de equipamento militar letal será avaliado depois da avaliação da primeira fase do programa de apoio a Moçambique contra o terrorismo na província de Cabo Delgado.
“A própria união europeia também pode ser a próxima vítima dos terroristas”
Numa entrevista concedida ao Evidências, o analista Wilker Dias referiu que a União Europeia, por mais que apoie Moçambique com material bélico, não vai tornar público porque esta situação pode trazer consequências para o seu território.
“Esse tipo de poio, principalmente bélico, numa circunstância como esta diplomaticamente dificilmente existe a probalidade de ser falado aos quatro ventos que, por exemplo, a União Europeia vai dar armas a Moçambique para combater o terrorismo. Um apoio público de combate ao terrorismo pode trazer consequências ao nível do próprio continente europeu”, declarou.
Para o analista, a cautela da União Europeia em relação ao fornecimento de material letal tem a ver com o receio de uma provável retaliação por parte do Estado Islâmico no seu território, tal como já aconteceu no passado.
“A própria União Europeia também pode ser a próxima vítima dos terroristas, não se sabe como estão a acontecer as coisas tacticamente. É importante que se tenha cautela. O apelo público foi estratégico, mas acredito que a resposta poderá não ser nas mesmas proporções, mais ou menos por força dessas consequências, porque também temos o contexto da guerra entre a Ucrânia a Rússia que a União Europeia manifesta o seu apoio directo a Ucrânia, mas não sabemos quais são as intenções que levam este apoio da UE a Ucrânia, é um contexto completamente diferente do contexto moçambicano que é do combate ao terrorismo, mesmo em outras frentes se formos a fazer uma análise vamos perceber que é algo complementarmente diferente e que não vai de acordo com contexto da realidade moçambicana”, sugeriu.
A Renamo juntou-se, recentemente, às vozes que defendem uma negociação entre o Governo e os terroristas para colocar o ponto na situação de insegurança que se vive em vários distritos da província de Cabo Delgado. No entanto, na opinião do analista, esta proposta está fora de hipótese porque torna-se mais difícil à medida que o tempo vai passando.
“Acredito que não há este espaço, porque se tivesse este espaço já teríamos, numa primeira instância, uma forma de contacto muito mais viável com os terroristas que até uma altura desta, por mais que a gente não saiba o que eles querem, seria aderir a um outro meio de comunicação para que demonstrassem o que eles querem. Eles têm os seus media, que têm veiculado diversas informações, mas até os dias de hoje, praticamente, isso não aconteceu… Há uma essência concreta para a causa desses ataques e isso leva-nos a crer que muito dificilmente haverá uma negociação entre o governo e os terroristas. Por mais que haja essa vontade de se negociar, deverá ser muito complicado. A mensagem de não negociação fica mais clara na medida em que o tempo vai passando”.

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