Lançar primeira pedra pela democracia

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Lançar primeira pedra é, hoje, parte integrante da agenda de dirigentes moçambicanos. Pedra que não magoa. Uns, com mais oportunidades do que os outros. Há uma fila de instituições que não arrancam com as suas obras porque estão à espera que um renomado governante vá orientar a cerimónia.

Algumas dessas pedras são tão pequenas que não fica bem que sejam lançadas por determinadas individualidades, a julgar pela sua hierarquia política. Elas deviam, isso sim, ser “jogadas” por figuras hierarquicamente inferiores no governo. Não quero discutir nada disso. Até porque a política tem explicação para isso.

As primeiras pedras dão origem a pequenas e grandes obras. A infra-estruturas públicas, poços de água, estradas, linhas férreas, subestações, aeroportos e outras.

Depois de os empreendimentos ficarem prontos, há uma nova fila de instituições que aguardam pela disponibilidade do dirigente máximo para proceder à sua inauguração.

E ai levanta-se, outra vez, o problema. Será que tem que ser o número um da nação a inaugurar tudo ou algumas coisas como a abertura da delegação de INSS num distrito podem passar para outras hierarquias políticas ávidas em deixar seus nomes gravados nas placas?

Bem, o meu ponto nem é esse. É que se eu tivesse uma oportunidade e poderes suficientes para isso, lançaria uma pedra bem grande, a primeira, claro, cujo protagonismo na inauguração de obra feita seria todo para o povo moçambicano. Refiro-me ao lançamento da primeira pedra para colher uma verdadeira democracia no país.

Uma democracia em que ser membro de um ou do outro partido político não constitui problema. Uma democracia em que ninguém corre o risco de ser morto por falar a verdade ou por dizer o que pensa. Que pode concordar ou descordar de uma opinião. Uma democracia em que ninguém tem medo de dar cara e expressar o seu sentimento.

Uma democracia em que o pensar diferente é bem-vindo, tem o seu valor na sociedade. Em que as ideias não têm cores políticas. Elas valem o que valem independentemente de quem as apresenta, se é de um ou do outro partido político.

Uma democracia pura em que não há os que estão do lado de cá e os que estão do lado de lá e as pessoas não são julgadas em função dos seus posicionamentos ou do seu sentido crítico. Muitos dos intelectuais e não só, alguns dos quais com boas ideias para dar, preferem ficar calados para não serem mal vistos ou mal interpretados.

Gostaria de lançar a primeira pedra para dar origem a uma democracia igual a dos outros países. Uma democracia em que a indicação de quadros para certos cargos públicos seja por competência técnico-profissional ou científica e não na base da cor do seu cartão partidário.

É que, às vezes, quando as cores políticas se sobrepõem à competência, abre-se espaço para a mediocridade. A indicação de pessoas incompetentes que ao invés de organizar, desorganizam. Não acrescentam valor, pois não têm visão sobre as coisas.

Se eu pudesse, semeava uma pedra para todos colhermos uma democracia em que ser membro de um partido diferente não significa que é inimigo, mas adversário político porque, no fim do dia, somos todos moçambicanos e temos os mesmos direitos e obrigações perante a lei.

Uma democracia não doentia como a nossa em que quando convém, somos democratas, mas no terreno percebe-se que de democracia não temos quase nada. Há um movimento oculto no sentido de silenciar vozes dos que procuram actuar dentro das regras democráticas.

Gostaria de semear para ter uma sociedade em que não há espaço para casos como o de um professor na Macia que quase perdia promoção ao ser confundido com membro de um partido opositor, quando, na verdade, era um camarada. Ia ser vítima da semelhança de nomes em relação ao candidato que o seguia.

Do caso de PCA de uma empresa pública, agora extinta, que apesar de bom desempenho, foi exonerado ao descobrir-se que era membro ou simpatizante de um partido opositor. A substituição de um treinador cuja equipa registava bons resultados em nome de refrescamento.

Do caso de um quadro que foi indicado para estar à frente de uma direcção do Conselho Municipal de Maputo que ao descobrir-se que tinha alguma ligação com o maior partido político da oposição, tudo estragou-se. Foi aliciado com uma bolsa de estudo no estrangeiro e quando regressou, já não era director e teve que se arranjar no aeroporto para chegar à casa. Triste não é? Claro que sim.

Infelizmente, os problemas sobre democracia não se resolvem através do lançamento da primeira pedra, mas através da mudança radical da nossa forma de ser e estar e de aceitar as regras democráticas que abrem espaça para que todos digam livremente o que pensam.

Temos que aprender, de uma vez para sempre, a conviver na diferença, a respeitar as minorias e o pensamento diferente. Em democracia não há meio-termo. Ou somos democratas ou não somos. A decisão é toda nossa.

Se queremos continuar a perseguir-nos uns aos outros, a violentar-nos ou matar-nos, a fazermos o jogo de gato e rato porque militamos em partidos opostos, é uma opção. Mas se queremos construir uma sociedade verdadeiramente democrática, é importante a contribuição de cada um dos nós, independentemente das nossas trincheiras.

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