- Analistas defendem paridade como solução para aproximar mulheres da Ponta Vermelha
- Nunca houve um candidato do sexo feminino nas eleições gerais em Moçambique
- Apenas 9% dos edis eleitos nas últimas eleições autárquicas são mulheres
- “Alguns homens têm receio de ter mulheres em frente das suas organizações”
Na história da jovem democracia moçambicana nunca uma mulher foi confiada pelos partidos políticos para concorrer às eleições gerais. Quando se caminha a passos largos das VII Eleições Gerais, tudo aponta que nenhum dos partidos, à exceção da Frelimo que ainda tem nomes de mulheres entre os prováveis candidato, vai apostar num candidato de sexo feminino. Com vista a aproximarem mais mulheres da Ponta Vermelha, os analistas políticos defendem que deve haver paridade na lei eleitoral.
Esneta Marrove
No dia 09 de Outubro do corrente ano, os moçambicanos serão chamados às urnas para escolher o próximo inquilino da Ponta Vermelha, governadores provinciais e os seus representantes na Assembleia da República.
Desde as primeiras eleições gerais, realizadas em 1994, nenhum partido apostou numa mulher para concorrer para o cargo de alto magistrado da nação moçambicana e, olhando para o actual cenário político, tudo aponta que no pleito que terá lugar no corrente ano a história voltará a se repetir.
Embora Moçambique seja citado como exemplo de participação política e governativa da mulher, sendo um dos países com mais mulheres a ocuparem cargos de relevo na esfera do Estado, ainda é prematuro considerar este ganho como pico da celebração das conquistas políticas das mulheres, dado que o cargo mais elevado é o do Presidente da República, e Moçambique nunca teve uma mulher na Ponta Vermelha, a residência oficial do Chefe de Estado.
Analisando os dados da história eleitoral de Moçambique, o Evidências verificou que apenas uma mulher esteve tão perto de ocupar este cargo. Trata-se de Luísa Diogo, que foi pré-candidata ao cargo nas eleições internas do partido Frelimo, em 2014. Aliás, consta que ao assumir o cargo de primeira-ministra, Luísa Diogo alcançou até então a maior responsabilidade governativa concedida a uma mulher em Moçambique.
Para o analista político Borges Armando, uma das causas do adiamento da presença de uma mulher a dirigir os destinos da nação moçambicana está relacionada aos estereótipos sociais e culturais ainda patentes na forma de gestão dos partidos políticos.
“Se olharmos para a própria génese dos partidos políticos encontramos que o papel da mulher sempre foi reservado ao de uma mulher que cuida da casa e dos filhos, que está para receber ordens. Mesmo com o facto de termos mulheres na Renamo e no MDM a ocuparem cargos de Secretárias-Gerais, materialmente isso não significa que tenham poder de influenciar processos, se prestarmos atenção aos seus perfis”, considera.
“Alguns homens têm medo e receio de ter mulheres em frente das suas organizações”
Para Borges, os modelos de eleição interna de pré-candidatos dos partidos políticos são elementos excludentes para a indicação de mulheres ao cargo governativo mais elevado em Moçambique e advoga a eleição por competências como solução.
“Na Frelimo há ainda uma geração de antigos combatentes que fazem roda para ver quem vai ficar no cargo de Presidente da República, que fica automaticamente como presidente do partido. E se olhar para estes antigos combatentes, tens alguma mulher que tenha relevância política em condições de ser Presidente da República, sim, mas quem vai aprová-la? Olhas para a RENAMO e MDM e só encontras mulheres a serem colocadas em posições partidárias, mas sem peso e expressão para concorrerem, pois teriam primeiro de ser líderes dos respectivos partidos para que automaticamente fossem candidatas. Quanto aos partidos sem representação parlamentar, o cenário é pior ainda. Há um longo caminho de mudança de mentes para chegarmos a esse nível, finalizou.
Paridade na Lei eleitoral como solução para aproximar as mulheres na gestão de cargos políticos é o que defende a analista política Sónia Mboa.
Sónia, autora e analista política com grande experiência partidária, embora hoje esteja mais ligada à área de consultoria política, considera que Moçambique já demonstrou, num passado recente, vontade política de conceder paridade no Governo. Contudo, para que efectivamente as mulheres estejam cada vez mais próximas à Presidência da República, vê a revisão da Lei eleitoral como possível solução.
“Tínhamos mulheres representadas no Governo em proporções de cinquenta por cinquenta. Era a vontade política do Presidente da República, se o actual Presidente quiser sair em grande e quiser trazer uma nova abordagem seria a aprovação da paridade nos partidos políticos. Se alterarmos a nossa Lei eleitoral e termos as mulheres representadas, seria um grande passo rumo a um desenvolvimento de igualdade de género em Moçambique. É um apelo que as mulheres fazem, que o Governo apresente e aprove a Lei da paridade, as mulheres abraçariam esta causa. Não se pode olhar o cargo da mulher como um favor, a mulher pode, a mulher é capaz de ser candidata”.
Apenas 9% dos edis eleitos são mulheres
A analista considera, igualmente, que existe um certo machismo dos partidos políticos no tratamento da mulher e que tal forma de abordagem de género discrimina a sua participação, visto que poucas mulheres que têm dado o peito às balas são combatidas nas suas organizações.
“Alguns homens têm medo e algum receio de ter mulheres em frente das suas organizações. Temos alguns partidos com as quotas de participação da mulher, mas enquanto não se olhar a participação da mulher nos lugares de decisão continuaremos a ter as mulheres em segundo plano, porque as listas são feitas pelos homens”, declarou.
O desafio de eleição das mulheres aos cargos de tomada de decisão não está apenas relacionado ao cargo do Presidente da República. O Evidências compulsou o Acórdão Conselho Constitucional Nº48/CC/2023, de 23 de Novembro, que proclama os resultados eleitorais e constatou que dos 65 edis eleitos, apenas seis são mulheres, o que representa pouco mais de 9 por cento dos Presidentes de Município em Moçambique.
Por outro lado, em termos de representativos da candidatura ao sufrágio passado, dos 22 partidos partidos políticos que participaram, apenas 24 dos 255 candidatos a cabeça-de-lista eram mulheres, segundo um estudo de Análise às listas de candidatura para as Eleições Autárquicas numa Perspectiva do Género, feito pelo Instituto Para a Democracia Multipartidária (IMD), realizado em Setembro de 2023.
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