Cassamo Nuvunga defende que o Governo deve rasgar contratos com multinacionais chantagistas

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Activista social estica a corda e sugere modelo dos Emirados Árabes
  • Nuvunga diz que houve precipitação no arranque da exploração dos recursos naturais
  • “Estamos muito pouco focados na formação de quadros que condizem com o potencial do país”
  • Estranha que TotalEnergies não tenha condicionado seu investimento em Afungi à capacidade militar

No entender do activista social e presidente da Comunidade Acadêmica para o Desenvolvimento (CADE), Cassamo Nuvunga, Moçambique é um país rico, por isso os seus governantes precisam de ter capacidade e uma verdadeira noção do potencial de riqueza que o país oferece ao invés de se atrapalharem com as “pequenas” reservas de gás que, recentemente, entre a década oitenta e princípios de 2000, foram descobertas. Na entrevista que se segue, Nuvunga  observa que está cada vez mais fácil introduzir o divisionismo nacional introduzido de forma sutil pelos inimigos da pátria, o que de certa forma criou no seio dos governantes um discurso que se percebe cansado e desequilibrado dada a facilidade com que são desviados da verdadeira agenda de governação para compreenderem aspectos ligados a interesses para além do desenvolvimento de Moçambique. De acordo com Cassamo Nuvunga, esta dinâmica discursiva e até de justificativa da instabilidade militar, política e económica de Moçambique tem como principal objectivo desconcentrar o Governo sobre o potencial económico do país e ainda a necessidade de o Estado moçambicano concentrar-se em respostas eficientes para a verdadeira capacidade de defesa da pátria, da construção de uma capacidade nacional técnica de resposta aos investimentos e ainda o conhecimento cabal do potencial moçambicano, quando falamos de recursos minerais de grande relevância mundial. Na transcrição que se segue dos excertos mais importantes, o académico defende, por outro lado, que se concentrar na defesa da pátria, construção do capital humano nacional e no potencial de recursos de Moçambique deve ser a verdadeira agenda do Estado de Moçambique.

Duarte Sitoe

Aquando da descoberta dos enormes jazigos de gás natural na bacia de Rovuma, província de Cabo Delgado, Moçambique foi rotulado como um país abençoado. No entanto, à semelhança do que acontece no grosso dos países africanos, os recursos minerais são sinónimo de maldição para a Pérola do Índico.

Desde Outubro de 2017 que a província de Cabo Delgado, onde se localiza o projecto tido até então como o maior investimento estrangeiro da história do continente africano, debate-se com o terrorismo, fenómeno que obrigou a TotalEnergies a abandonar o seu projecto.

Não se sabe ao certo o que está por detrás dos ataques dos insurgentes, mas há correntes que defendem que os mesmos querem fazer de Cabo Delgado um território autónomo para posteriormente explorar os recursos naturais.

De acordo com Cassamo Nuvunga, Moçambique perdeu cerca de 18 anos como nação para se preparar para a apropriação da exploração dos seus recursos minerais e energéticos completamente desconhecidos e que estão para além das descobertas recentes em Cabo Delgado, tendo referido que o país está despreparado para responder ao cenário de exploração dos recursos.

“Há todo um cenário de concentração por um território que não representa verdadeiramente o potencial de recursos que o país possui. Mas isto ocorre devido à precipitação na autorização para a exploração destes recursos em territórios completamente despreparados em termos logísticos, sociais, falo da capacidade do Governo de prover segurança, alimentos e formação técnica e científica do povo para responder aos investimentos. A entrada dos considerados Insurgentes em Cabo Delgado, uma palavra que verdadeiramente não se aplica, pois são desestabilizadores, mas porque é atribuída de forma estratégica a estes, pela forma como a media ocidental os denomina, certifica-lhes autoridade sobre suas acções que também podem ser consideradas manifestações populares, quando o cenário é verdadeiramente de desestabilização programada e com interesses claros sobre os objectivos a serem alcançados nesta região. Assim, Moçambique apresenta-se despreparado para responder ao cenário de exploração de seus recursos”, declarou.

“Moçambique devia ter capacidade militar equivalente ao investimento”

Para Nuvunga, Moçambique encontra-se num cenário de despreparo na exploração dos recursos naturais porque não incluiu três factores, nomeadamente contra inteligência e capacidade militar; capacidade técnica e científica (educação aplicada de forma estratégica) e visão e objectivos estratégicos nacionais de curto, médio e longo prazo, na sua agenda de governação.

Quando falo de contra inteligência e capacidade militar não estou a falar de uma segurança do Estado que se pretende reactivar, estamos a falar de uma contra inteligência que segue o ritmo do país com base na sua agenda e visão estratégica, que respeita, defende e acompanha a capacidade intelectual do povo, observando com proporcionalidade os riscos, os perigos da associação do estado moçambicano com seus parceiros economicamente fracos e fortes, tendo clareza dos benefícios que Moçambique colhe e dá aos seus parceiros de forma harmónica. A contra inteligência não deve aconselhar positivamente relações entre Estados como Moçambique sem ganhos claros para ambos países e nem apoios de qualquer tipo que os países interessados não colhem ganhos proporcionais aos investimentos comerciais ou sociais no território nacional, de forma a garantir a soberania do estado e colocar cada parceiro no seu devido lugar sem particularidades que se considerem especiais para uns em detrimento de outros se estes não observarem os critérios que mencionei”, declarou, para posteriormente referir que o Executivo devia ter sido mais calculista em relação a Cabo Delgado.

“No caso de Cabo Delgado, compreendo que assim que o Estado moçambicano tomou conhecimento potencial energético e mineral naquela região devia ter tomado na sua agenda de governação a programação dos três aspectos descritos, sendo no caso com urgência a formação e introdução de batalhão de agentes secretos por um período de não menos que 10 anos nas regiões de futura exploração, criando uma economia em ascensão na região dominando e conhecendo população e as suas dinâmicas, o que lhes permitiria saber das possíveis mudanças e agendas estranhas na região, permitindo uma acção que seja estratégica e cabal para estancar qualquer foco de instabilidade no local. No mesmo período estaria também o Estado a formar uma capacidade militar equivalente aos investimentos no local”, defende.

O presidente da Comunidade Acadêmica para o Desenvolvimento estranha que uma multinacional do gabarito da TotalEnergies não tenha condicionado o seu investimento no local a capacidade militar e de inteligência estratégica mensurável.

“O facto destes investidores terem plena consciência da possibilidade de instabilidade no local de exploração dos recursos energéticos, pela experiência em outros países torna estranho a forma como entraram em Moçambique e como hoje condicionam os seus investimentos e regresso à exploração com base na renegociação do contrato e na capacidade de defesa que não inclui a nossa capacidade militar. Hoje, Moçambique deve colocar parte de seus ganhos na exploração do gás, investindo em recursos associados aos 03 factores que mencionei, e deve exigir que qualquer investidor em acção e ou que pretenda investir em áreas de grande activo possa estar condicionado a contribuir na formação militar e de inteligência de forma antecipada e ainda garantir que tem capacidade suficiente de influência sobre os outros Estados interessados pelos recursos e de contra inteligência para antecipar focos de instabilidade no território que se pretende explorar recursos”, sublinha.

“Estamos pouco focados na formação de quadros nacionais”

Cassamo Nunvunga, que dirige uma das agremiações mais interventivas no domínio da educação no país, refere que o Governo não deve ceder à chantagem das multinacionais, defendendo, por isso o Executivo deve rasgar os contratos com as mesmas, ou seja, seguir os passos dos Emirados Árabes Unidos.

“Caso uma das empresas continue criando chantagens contra o Governo, entendo que este deve perder o direito de exploração dos recursos e que o Estado deverá passar à sua gestão com base em exemplos como o dos Emirados Árabes Unidos, entregando a exploração de alguns territórios à Inglaterra ou outro Estado com potencial de investimento, com base no entendimento da sua capacidade de influência para a protecção do território e definir de forma estratégica os ganhos claros para Moçambique com base nos 03 factores e anular qualquer investimento que não tenha proporcionalidade de segurança, enquanto forma capacidade militar estratégica com base em alianças de ganhos mútuos, parcialmente públicos e muito bem definidos. Assim, Moçambique estaria em condições, nos próximos 10 anos, de possuir capacidade militar e de inteligência proporcional aos investimentos, e ainda quadros nacionais capacitados para responderem aos desafios dos investimentos no território nacional, respondendo a uma visão estratégica de curto, médio e longo prazos”, sugere.

Nas entrelinhas, Nuvunga criticou o facto do país estar mais focado na exploração dos recursos naturais ao invés da formação de quadros nacionais que condizem com o potencial de recursos que Moçambique tem.

“Estamos muito focados na exploração do gás e dos recursos no geral, mas pouco interessados verdadeiramente na formação de quadros nacionais que condizem com o potencial de recursos que Moçambique possui e, mais uma vez, fazemo-lo de forma reactiva. As universidades, as escolas e os centros de formação técnico-profissional não seguem uma agenda nacional no processo de criação de cursos e nem tem um horizonte claro e público que apresenta as necessidades de Moçambique associado ao potencial que o país possui. As instituições de formação não obedecem uma estratégia nacional de formação de quadros, no caso uma agenda nacional de formação de quadros, provavelmente porque não existe nenhum programa de incentivo à formação de quadros pelas universidades cofinanciada pelo Governo para responder às mais diversas necessidades que o país possui”, defende.

Indo mais longe, o presidente da Comunidade Acadêmica para o Desenvolvimento aponta que Moçambique deve abandonar a agenda de dependência de donativos e dos interesses de países considerados amigos que na verdade não respondem “cabalmente” aos interesses nacionais, referindo ainda que o país deve urgentemente apostar na formação associada ao sector tecnológico.

“Eu não conheço e acredito que muitos jovens também não conhecem uma estratégia nacional de formação de quadros, quer técnico, quer superior, com metas claras e sectores específicos estratégicos que respondam aos interesses da visão que se pretende de Moçambique, o que deve ser público. Moçambique deve fazer-se com base em planos concretos, tangíveis e públicos, de forma a incentivar os jovens a formarem-se conscientes do potencial de empregabilidade e de empreendedorismo existentes no país. Também, considero que é chegada a hora de Moçambique ter uma agenda específica para a formação associada ao sector tecnológico, que é sem dúvidas, a mais recente e importante meta que o país precisa incluir na sua agenda de forma estratégica e visível, não em conferências, mas nas universidades e instituições técnicas de ensino, o que ainda é fraco”.

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