UniZambeze desvia dinheiro de subsídios e submete estagiários de medicina ao trabalho escravo

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Estudantes iniciaram estágios sem contratos depois da ameaça de reprovação
  • MISAU já disponibilizou 51 milhões para pagar os subsídios
  • Mas a Unizambeze alega que usou o dinheiro para pagar dívidas
  • Estagiários paralisaram as activadades em protesto

De acordo com o Decreto n° 58/2004 de 8 Dezembro no seu artigo número 1, os estudantes de medicina ficam obrigados, após a conclusão da parte escolar do curso, a um período de profissionalização nas unidades sanitárias do Serviço Nacional de Saúde (SNS), denominado estágio integrado de prática clínica, mediante contrato ao abrigo do artigo 34 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado em regime de exclusividade. No entanto, os estudantes da Universidade de Zambeze foram obrigados a iniciar o estágio antes de assinar os respectivos contratos, porque aquela instituição de ensino superior alegou que não tinha cabimento orçamental, sendo que, para o efeito, os universitários assinaram uma declaração onde aceitavam que os subsídio seriam pagos com retroactivos.  Os estagiários arrancaram em Setembro de 2023, mas de lá até esta parte os futuros médicos ainda não viram a cor do dinheiro.

Duarte Sitoe

Reina um ambiente de cortar à faca entre os estudantes finalistas do curso de medicina e a direcção da Universidade Zambeze devido à falta de pagamentos dos subsídios de estágio.

Tudo começa em Janeiro de 2023, quando a direcção daquela instituição de ensino superior, que tem a sua reitoria instalada na província da Sofala, orientou aos estudantes para tratarem documentos com vista a celebrar contratos de estágio integrado de prática clínica, ao abrigo do artigo 34 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado em regime de exclusividade tal como está plasmado no Decreto n° 58/2004 de 8 Dezembro.

Em Abril do mesmo ano, os universitários, que estavam a aguardar por uma resposta do Ministério da Saúde no que a regularização dos contratos diz respeito, tiveram uma reunião com o reitor da Universidade Zambeze, Bettencourt Preto Sebastião Capece, na qual questionaram ao mesmo as razões por detrás da morosidade no arranque dos estágios.

De acordo com os estudantes, na resposta Bettencourt Preto Sebastião Capece justificou que a demora devia-se à falta de cabimento orçamental, tendo, na ocasião,  orientado aos mesmos para que assinassem uma declaração comprometendo-se a iniciar o estágio sem contrato e que o celebrariam assim que houver dinheiro e o mesmo seria pago com retroactivos.

O repto lançado pelo reitor foi prontamente recusado pelos futuros médicos que preferiram aguardar pela disponibilidade orçamental. No mês seguinte, ou seja, em Maio de 2023, a direcção da UniZambeze convocou mais uma reunião, na qual revelou que já havia cabimento orçamental para a celebração dos contratos.

No entanto, estranhamente, os dias passaram e os estudantes finalistas não foram chamados, tendo, por isso, procurado esclarecimentos sobre o assunto, mas, debalde, a resposta contrariou o anúncio do reitor.

“Volvidos dois meses, pedimos uma reunião com a direção da Faculdade de Ciências de Saúde datado de 07 de Julho 2023, dirigida pelo Director da Faculdade acompanhado por Director pedagógico da mesma, na qual afirmaram que já não havia cabimento orçamental, contrariando as palavras do reitor datadas de 16 de Maio de 2023. Não satisfeita com a informação, a turma submeteu uma carta ao Gabinete da secretária do Estado na Província de Tete datada de 10 de Julho de 2023 pedindo sua intervenção”, desabafam os estudantes.

Estudantes iniciaram estágios sem contratos, depois da ameaça de reprovação

Enquanto aguardavam pela resposta da Secretaria de Estado na província de Tete, os universitários ficaram a saber, através das redes sociais, que Bettencourt Preto Sebastião Capece disse numa reunião que manteve com o encarregado de educação de uma estudante que os futuros médicos deviam estagiar mediante a assinatura de uma declaração.

Segundo Capece, os estudantes que não aderissem à nova ordem seriam reprovados ou acusados de abandono. Perante esta ameaça, os universitários acabaram aderindo ao estágio mesmo sabendo que estavam a atropelar o que está plasmado no Decreto n° 58/2004 de 8 Dezembro.

Enquanto os estudantes da Universidade Zambeze arrancavam o estágio mediante a assinatura de uma declaração, os estudantes das outras instituições do ensino superior que ministram o curso de medicina assinaram contratos ao abrigo do artigo 34 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado em regime de exclusividade o que, certa forma, semeou um ambiente de revolta nos universitários da UniZambeze.

Mesmo sem contratos, os queixosos iniciaram o estágio no Hospital Central da Beira em Setembro de 2023, enquanto aguardavam pelo almejado cabimento orçamental.

Quatro meses após o arranque das aulas práticas, os universitários entraram em contacto  novamente com a direcção da UniZambeze com o propósito de se inteirar da sua situação, visto que os estudantes das outras instituições de ensino já estavam a receber os subsídios. Contudo, a resposta voltou a ter como tónica a falta de cabimento orçamental.

MISAU confirma que disponibilizou fundos, mas UniZambeze fez desvio

Perante a insensibilidade da Universidade Zambeze, os estudantes, que durante o estágio enfrentaram dificuldades para adquirir material médico cirúrgico, falta de fundos para comprar bens de primeira necessidade, despesas de transporte e aluguer de casas, decidiram levar o assunto para o Ministério da Saúde.

Na instituição chefiada por Armindo Tiago, os estudantes ficaram atónitos ao saber que, afinal, o Executivo disponibilizou cerca de 51 milhões de meticais em Novembro de 2023 para pagamento dos subsídios, o que, de certa forma, anula a narrativa da falta cabimento orçamental da Unizambeze.

“Em resposta, vimos pela presente informar que a celebração dos contratos é feita mediante confirmação de cabimento orçamental e no caso dos estudantes da UniZambeze, os contratos são celebrados com a Universidade. Assim, comunica-se que o Ministério da Economia e Finanças efectuou uma transferência de 51.165.354,24 meticais aa Unizambeze em Novembro de 2023 para o pagamento de subsídio de estágio”, lê-se na resposta do MISAU, através da Direcção dos Recursos Humanos.

Foi depois da resposta do Ministério da Saúde a carta submetida pelos estudantes que a Universidade Zambeze assumiu que recebeu os 51 milhões de meticais, alegando que usou o valor para pagar as dívidas com alguns estudantes de 2016 e 2017.

No entanto, os queixosos revelam que aquela intuição do ensino superior só tinha uma dívida de um mês com os estudantes que terminara o curso em 2016 e oito meses com os estudantes de 2017, daí que os queixosos entendem que houve desvio de fundos porque o MISAU disponibilizou fundos para os subsídios de estágios dos alunos que hoje trabalham em diversas unidades sanitárias do país.

Devido à falta de seriedade da Unizambeze, os estudantes, apoiando-se no Decreto n° 58/2004 de 8 Dezembro sustentado pelo artigo n° 95/2001 de 23 de Dezembro que frisa que para efeitos e implantação de estágios, salvo indicação contrária, deve ser celebrado um contrato entre a entidade promotora e o estagiário, os estudantes finalistas do curso de medicina decidiram, em Fevereiro do ano em curso, paralisar o estágio até a regularização dos contratos.

“Por não serem respeitados os artigos supracitados, sob orientação do Magnifico Reitor, começamos o estágio com uma declaração que nos concedia o direito de celebrarmos os contratos com efeitos retroactivos, quando haver disponibilidade financeira pelas autoridades competentes. Para nossa indignação, as outras universidades públicas (UEM e UNILÚRIO) já estão com a situação contratual regularizada. Contudo, viemos por este meio, dar a conhecer a Direcção Geral do Hospital, acerca da interrupção do estágio num período indeterminado, a partir do dia 19 de Fevereiro do corrente ano. Com objectivo único de regularizar a situação contratual com a nossa instituição de ensino”.

Contactado pelo Evidências para dar a sua versão sobre o assunto, o director da UniZambeze, Maitu Abibo Buanango, com um tom de quem carrega o mundo pelas costas, foi parco nas palavras, tendo se limitado a referir que não está a autorizado para prestar declarações sobre o assunto.

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