Lições sobre eleições lusas para Moçambique

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Quando as eleições são livres, justas e transparentes tornam o próprio processo eleitoral simples e animador. É o que se viu em relação a Portugal. Mais de seis milhões de portugueses foram às urnas no dia 10 de Março e já no dia seguinte sabíamos, sem barulho, quem ganhou.

O que acompanhamos é que, no fim, cada um dos partidos fez uma declaração. Para a Aliança Democrática (AD), uma coligação de que faz parte o Partido Social Democrata (PSD), foi da vitória e outras de felicitações ao vencedor e de agradecimento aos eleitores pelo seu voto e mais nada.

Não ouvimos nada que se pareça com rejeição dos resultados, nem algo relacionado com a fraude eleitoral. Nada disso. Vimos, isso sim, os portugueses a abraçarem-se uns aos outros numa verdadeira festa de democracia em que quem ganhou ganhou e quem perdeu perdeu. Uma coisa simples como essa.

Os partidos que perderam eleições, como é o caso do Partido Socialista de Pedro Nuno Santos, estão a preparar-se para fazer uma oposição responsável e convencer aos portugueses de que são uma alternativa política para a governação do país.

Todos os actores políticos aceitaram os resultados com muita naturalidade. A AD, que derrubou o PS do poder, está a fazer alianças com outras formações políticas para a constituição do governo. Tudo feito de uma forma simples e impressionante.

É assim como as coisas devem ser feitas em boa democracia. Moçambique, antiga colónia portuguesa, copia quase tudo que os portugueses fazem, nomeadamente a burocracia, o gosto de ser chamado de doutor por tudo e nada e em termos de leis. Por muito tempo, o país usou o Código Penal de 16 de Setembro de 1886, da era colonial, até 2014.

O que Moçambique não consegue é copiar dos portugueses e da vizinha África do Sul a forma como se organizam eleições verdadeiramente justas, livres e transparentes.

O país tem estado a integrar o grupo de observadores da SADC em sufrágios na RSA, mas até aqui não aprendeu nada. Desde a introdução de multipartidarismo, em 1990, Moçambique nunca teve eleições em que os resultados foram aceites por todos devido a irregularidades e ilícitos eleitorais que caracterizam os processos eleitorais moçambicanos.

Se fossemos nós, moçambicanos, por exemplo, que votámos no dia 10 de Março, seria cedo demais para falarmos dos resultados. Estaríamos a discutir que houve fraude a favor do partido no poder, a queixarmo-nos das urnas que saíram pela janela e das assembleias de voto que ficaram sem luz na hora da contagem dos votos.

Estaríamos igualmente a debruçar-nos sobre agentes da polícia que prenderam delegados de lista dos partidos políticos da oposição em plena votação. De jornalistas que foram impedidos de acompanhar o processo de contagem dos votos e dos presidentes de algumas mesas de votação que se recusaram a assinar editais alegando que estão à espera de ordens superiores.

Estaríamos, por outro lado, a debater casos de editais que desapareceram ou que sofreram viciações dos resultados a favor de um e do outro partido, de boletins de votos preenchidos e introduzidos nas urnas fraudulentamente, bem como da polícia que matou e feriu manifestantes. Isso é que sabemos fazer bem, causar confusão e agitação.

As eleições em Moçambique começam e terminam com barulho. Nos tempos do presidente Afonso Dhlakama, não aceitação dos resultados pela Renamo levou ao retorno da guerra no centro do país.

O que me parece preocupante é o facto de que não há nenhum esforço por parte dos órgãos eleitorais no sentido de garantir que as eleições sejam transparentes. Dá a ideia de que há quem se aproveita da desorganização para reinar.

Só assim se justifica o desinteresse por parte das autoridades moçambicanas em que o país avance, por exemplo, para o sistema de votação electrónica porque, por via disso, não haveria espaço para a fraude e os resultados seriam conhecidos logo a seguir.

Como se isso não bastasse, não há sinais no sentido de despartidarização dos órgãos eleitorais e a constituição de uma Comissão Eleitoral Independente para evitar interferências dos partidos no trabalho dos órgãos eleitorais. Ninguém diz nada a respeito disso. O que é certo é que de eleição em eleição, no lugar de melhorarmos, estamos a regredir, com vozes contestatários da fraude a subirem de tom.

Onde vamos parar com esta situação? Será que é preciso refundar o Estado moçambicano, concebendo outro com novos princípios e valores éticos e morais como solução para os problemas que se levantam? Quem sabe se esse pode ser o melhor remédio ou pura e simplesmente teremos de mudar a nossa forma de ser e estar em democracia?

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