O preço da arrogância do governo

OPINIÃO

Alexandre Chiure

O normal de um ser humano é aprender dos erros que comete no exercício das suas actividades para melhorar o seu desempenho, a sua visão sobre as coisas e a forma como conduz a sua vida.

O mesmo pode dizer-se em relação a um país. Recorre às experiências dos outros. Faz parcerias, acordos de amizade e cooperação. Cultiva relações com os que sabem fazer as coisas de uma forma diferente com o objectivo de evitar cometer os erros do passado.

Infelizmente, o meu Moçambique não parece estar nesse mesmo mundo. Nesse processo de aprendizagem contínua. Tirar lições de erro em erro para que possa fazer as coisas de uma forma cada vez melhor e, acima de tudo, superar-se.

O meu (nosso) Moçambique continua a cometer os mesmos erros de sempre, com os meus (nossos) dirigentes a negarem certas coisas, para depois aceitarem como se nada tivesse acontecido. Ignoram o problema quando ainda pequeno, no lugar de o atacar logo no início e não deixar que se transforme num monstro.

Em última análise, o meu país tem o mau hábito de minimizar certos fenómenos e permitir que, no futuro, ganhem uma dimensão que supera a capacidade interna do país para a sua solução.

Vezes sem conta leva-se muito tempo para tomar decisão ou reconhecer a existência de alguma situação e quando se decide avançar, é tarde demais. É isto que acontece no meu país.

Quando tudo está ainda a começar, ninguém dá importância nas coisas. Não há quem se preocupe em avaliar o que poderá ser o impacto daquilo no futuro para a vida do país. Se não, vejamos:

Caso Renamo

Em 1977, dois anos depois da independência nacional, foi criada a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), chefiada por André Matsangaissa. Afonso Dhlakama, então membro das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), voltou às matas e juntou-se ao movimento por desentendimentos após a guerra de libertação.

Nada foi feito para evitar o conflito entre moçambicanos. No lugar de partir para o diálogo e resolver o problema quanto cedo, perdeu-se tempo a investir numa campanha visando desacreditar a Renamo dentro e fora do país.

Vendia-se a imagem de que se tratava de grupos isolados, sem estrutura, nem comando. Na visão do governo do dia, eram bandidos armados, cheios de piolhos e mostrava-se indisponível a dialogar com eles. Estava a cometer-se um erro ao secundarizar o conflito.

Ao fim de 16 anos de guerra, o governo do dia, suportado pela Frelimo, finalmente aceitou negociar com os ditos bandidos armados para o estabelecimento da paz em Moçambique.

Perdeu-se muito tempo, o suficiente para a guerra alastrar-se por todo o país e que fossem sacrificados milhares de cidadãos inocentes e destruídas várias infra-estra-estruturas económicas e sociais, públicas e privadas. O que nos valeu a arrogância? Nada.

Caso Mariano Nhongo

Com a morte de Afonso Dhlakama, a 3 de Maio de 2018, em Gorongosa, a Renamo elegeu, em congresso, Ossufo Momade, como seu sucessor. Mariano Nhongo e outros generais não reconhecendo o seu novo líder, anunciou a criação de uma Junta Militar, dirigida por ele próprio, que desencadeou ataques contra civis na zona de Muxungue e não só.

Perdeu-se muito tempo a politizar-se o assunto. O governo do dia, esse, ficou num à vontade e de braços cruzados, a defender que a solução para o conflito tinha que sair de dentro da Renamo.

Até parecia algo interno da perdiz, mas, na verdade, não. Quando a Junta Militar mata pessoas indefesas que nada tinham a ver com a Renamo e destrói infra-estruturas é que o assunto transcendia a capacidade de decisão da “perdiz”. O grupo não ofendia a Renamo, mas ao Estado moçambicano sobre quem recai a responsabilidade de defender o cidadão.

Perdeu-se, mais uma vez, a oportunidade de controlar a situação ainda na fase inicial, antes do derramamento de sangue, chamando as partes em conflito para a mesa de diálogo, nomeadamente a liderança da Renamo e as chefias da Junta Militar, com a mediação do governo.

Caso Terrorismo em Cabo Delgado

O terrorismo em Cabo Delgado começou em 2017, com um ataque a uma esquadra em Mocímboa da Praia, o qual foi reivindicado, a seguir, pelo grupo terrorista Al-Shabaab.

Como sempre, as autoridades governamentais ignoraram tudo, incluindo alertas feitos por alguns sectores da sociedade, a exemplo da Comunidade Maometana, sobre a proliferação de mesquitas naquela província e, acima de tudo, de movimento estranho que se verificava em algumas zonas de Cabo Delgado.

Ninguém deu-me o trabalho de investigar a informação disponibilizada. Minimizou-se o assunto. Os ataques eram encarados como sendo crimes comuns e ao alcance da polícia da República de Moçambique. Desmentia-se redondamente que o país estivesse em presença de terrorismo.

Hoje, a situação atingiu um nível tal em que tivemos que recorrer à ajuda militar estrangeira para a busca de solução, com todas as consequências que isso representa em termos de soberania. O país levou um tempão para reagir e, sobretudo, reconhecer que afinal aquilo era terrorismo. A situação complicou-se devido à arrogância de alguns dirigentes do país que preferem embarcar em discursos e triunfalistas no lugar de encarar os problemas de frente.

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