- Liderança da Frelimo estava convicta de que tinha tudo sob controlo e foi contrariada
- Filipe Nyusi se enervou quando o assunto foi levantado por Oscar monteiro
- Mas teve que engolir o orgulho e abrir espaço para discussão que determinou os passos a seguir
- ACLIN quer um candidato que não vai querer inventar a roda e com passado limpo
Reza a história que até ser dado o primeiro tiro que deu início à Luta de Libertação Nacional em Moçambique vivia-se uma total normalidade e a administração colonial estava convicta de que tinha tudo sob controlo, mas quando menos esperava a Frelimo iniciou com a insurreição geral armada que culminou com a libertação de Moçambique. Alguns dos obreiros desta proeza estavam na Escola Central do partido, no último fim de semana, quando usando a mesma estratégia de silêncio, paciência e dar ao inimigo a sensação de aparente controlo da situação “atacaram” a direcção máxima da Frelimo, personificada em Filipe Nyusi e Roque Silva, num momento em que estavam totalmente distraídos e com a sensação de “coisa nostra”. Bastou o primeiro tiro dado, desta vez pelo veterano Óscar Monteiro, para transformar o Comité Central numa zona de guerra com camadas de posições polarizadas e com os nervos à flor da pele devido a introdução “sem nenhum pedido de licença”, do incómodo tema sobre a sucessão, primeiro na reunião da ACLIN e depois no próprio Comité Central.
Reginaldo Tchambule e Elísio Nuvunga
Durante praticamente a semana passada toda, a Frelimo esteve reunida na Matola, primeiro através dos órgãos sociais e depois o Comité Central que, finalmente, realizou a sua III sessão que era há muito aguardada, mas que quando foi anunciada a sua agenda deixou muitos com um sentimento de decepção, pois dos nove pontos de agenda não constava o tão aguardado tema sobre a sucessão.
A Comissão Política dirigida por Filipe Nyusi e Roque Silva havia excluído qualquer chance de discussão em torno da sucessão. Tinha apenas agendado discutir o Relatório da Comissão Política; Relatório do Gabinete Central de Preparação das VI Eleições Autárquicas; Proposta do Plano de Actividades e do Orçamento do Partido para o ano de 2024; Proposta de Regulamento dos Estatutos do Partido; Proposta da Directiva sobre Eleição de Candidatos a Deputados da Assembleia da República, a cabeças-de-lista e a membros das Assembleias Provinciais; Relatório do Comité de Verificação do Comité Central; Balanço do grau de cumprimento do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado de 2023 Informação sobre o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado para 2024; e Diversos.
Entretanto, acabou sendo o tema da sucessão a dominar os trabalhos do Conselho Nacional da ACLIN e parte significativa do próprio Comité Central. O tema foi introduzido à força pelos veteranos de Luta de Libertação Nacional, que numa estratégia coordenada testaram a paciência de Filipe Nyusi e levaram-no a uma crise de nervos, tal como se viu quando perdeu o controlo e interrompeu a intervenção de Óscar Monteiro e mandou-o sentar.
Óscar Monteiro havia sido o homem do primeiro tiro de mais uma insurreição (agora não armada) dos veteranos, parte dos quais estiveram na noite de 25 de Setembro quando se deu o arranque da Luta Armada de Libertação Nacional. Ao seu estilo característico, Monteiro rompeu o silêncio que se estava a arregimentar na Frelimo e propôs que se discutisse o que chamou de “Elefante” que estava na sala e que ninguém queria tocar .
“Camarada Presidente, esta agenda toca questões internas governativas da nossa associação e esses pontos têm que ser discutidos de tempos em tempos, mas não podemos ignorar questões importantes que o país tem que enfrentar. Permitam a expressão de outros. Há um elefante nesta sala, que são as eleições e a sucessão do poder. Estamos demasiado atrasados e arriscamos a vitória se continuarmos neste caminho. A sociedade também tem outras expectativas sobre esta reunião. Infelizmente, o nosso Comité Central não se tem mostrado à altura. O que eu proponho é que nos endereçamos ao problema principal deste país, que é designação do processo de sucessão do camarada Presidente Filipe Jacinto Nyusi. Agradecemos a sua contribuição durante este período”, disse Óscar Monteiro.
Visivelmente irritado e nervoso, Nyusi interrompeu-o e sugeriu que devia ir directo ao ponto (nessa altura o seu adido violentou jornalistas e obrigou operadores a desligarem as câmeras), ao que aquele veterano, praticamente já sem nada a perder, respondeu “estou a propor que se discuta a sucessão e seja incluído na agenda em prioridade em relação aos aspectos administrativos eu estão aqui”.
Surpreendido pela afronta de Monteiro, Nyusi, que chamou o veterano pelo primeiro nome, ensaiou uma saída imediata, questionando se aquele veterano ainda “tem mais uma coisa importante?”, como que a desvalorizar a sugestão. Em resposta, Monteiro disse “não”, para o alívio de Filipe Nyusi, que imaginava que havia cortado o mal pela raiz e já com as câmeras desligadas tentou impor a normalidade da sessão.
Palavras de Óscar Monteiro ganharam eco e veteranos exigiram não serem tratados por “tu”
Entretanto, Evidências apurou de alguns veteranos que participaram do evento que as palavras de Óscar Monteiro ganharam eco dentro da reunião da ACLIN, com vários antigos combatentes a quebrarem o protocolo e exigirem que o tema não só fosse discutido naquela sessão, mas também na reunião do Comité Central para se quebrar a indefinição.
Encontrado distraído e com sensação de controlo total da máquina do partido, Filipe Nyusi não escondeu o nervosismo, que mostra que não estava à espera da confrontação, de tal sorte que perdeu o decoro e chegou a tratar alguns veteranos por “tu”, o que agitou ainda mais o ambiente na sala.
Incomodados pela forma de tratamento, alguns veteranos protestaram imediatamente, frisando que foram eles que lutaram pela libertação do país para que ele hoje pudesse governar, pelo que não devia os tratar por tu, ou seja, os veteranos pediam respeito ao Presidente.
A partir daí e já se vendo sem saída, o Presidente da Frelimo e seu grupo começaram a “baixar a crista” e admitir a possibilidade de haver discussão do assunto, e foi o que aconteceu, tanto na reunião da ACLIN como no Comité Central.
“Devemos sair daqui com o candidato” – Guebuza e Chissano
Embora o assunto da sucessão não estivesse na agenda principal do Comitê Central, acabou dominando a primeira parte dos dois dias do Comité Central, com os dois antigos Presidentes da República e honorários da Frelimo, Armando Guebuza e Joaquim Chissano a insistirem que “devemos sair daqui com o candidato”, deixando, Filipe Nyusi ainda mais nervoso.
Evidências apurou que contrariamente ao que estava programado, a primeira parte da sessão do primeiro dia acabou deixando de lado sete dos nove pontos da agenda. O debate acabou sendo dominado pela discussão em torno da sucessão, tendo, dentre outros, como pivô dois nomes sonantes do partido, que fizeram eco ao primeiro tiro de Óscar Monteiro.
Trata-se de Armando Guebuza e Joaquim Chissano, que sem contemplações quebraram o protocolo e exigiram que o Comité Central discutisse a sucessão, chegando a sugerir que se devia sair da Matola com o candidato da Frelimo.
“Devemos sair daqui com o candidato”, disse Guebuza, para depois ser secundado por Chissano e Américo Fumo. Em resposta, Filipe Nyusi disse que não tinha certeza se as pessoas estavam preparadas, argumento que foi imediatamente desvalorizado.
Entretanto, sob pressão, Nyusi acabou abrindo espaço para a eleição do candidato, deixando apenas ressalva para que o debate seja dentro de balizas que devem ser previamente estabelecidas. Mas num tom de desgaste chegou a perguntar a Chissano e Guebuza como é que foi a sucessão na “sua vez”, frisando depois que o ritual de sucessão actual não tinha que ser igual ao passado.
Mas no fim, acabou prevalecendo a vontade dos “madalas” que impuseram a discussão de um tema que antes parecia marginal, mas que acabou dominando a sessão do Comité Central.
Como tal, embora os discursos de praxe de encerramento tenham procurado contornar qualquer menção às calorosas discussões, a verdade viria da boca do próprio Presidente da Frelimo, que reconheceu que os camaradas “se bateram” dentro do princípio “Unidade – Crítica – Unidade” e no fim produziu-se o consenso que estabeleceu um roteiro claro da sucessão de Filipe Nyusi, que por causa da pressão dos veteranos deixou de ser um tabu ou “elefante”, parafraseando Óscar Monteiro.
Como tal, a Comissão Política vai submeter dentro de dias os nomes dos pré-candidatos ao Comité Central e anunciar uma data para uma sessão extraordinária do Comité Central, onde o candidato vai ser finalmente eleito.
“Esperamos que dentro de poucos dias este processo encontre o seu desfecho, isto é, nos termos da alínea l) do número 3 do artigo 71 dos estatutos do partido, a Comissão Política submeterá ao Comité Central as propostas referentes às candidaturas da Frelimo, o mais breve possível, tendo em conta o calendário eleitoral”, disse Filipe Nyusi, depois de criticar os que chamou de impacientes, por querem se inspirar em processos passados. Curiosamente, o roteiro que ele próprio anunciou em nada difere do que ditou a sua eleição, sob égide de Armando Guebuza.
Os perfis dos candidatos na visão da ACLIN, OMM e OJM
Na sua habitual mensagem de saudação ao Comité Central da Frelimo, a Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN) traçou a sua visão sobre aquele que deverá ser o sucessor de Filipe Nyusi, destacando que dentre várias qualidades, o candidato da Frelimo não pode ser alguém que vai querer ainda inventar a roda, mas sim dar continuidade ao trabalho já realizado pelos seus antecessores.
“Na óptica da ACLIN, o candidato da Frelimo, para além de carisma, equilíbrio, ponderação, perseverança, astúcia e inteligência para aglutinar as boas ideias, deve ser uma figura com pragmatismo e que domine com propriedade os grandes dossiês do nosso país, tendo em conta os desafios actuais. O candidato da Frelimo deve ainda ser uma figura que inspira confiança no nosso seio, com um passado limpo, conhecedor da história da Frelimo e dos seus heróis, capaz de promover a identidade da Frelimo, a sua memória e ideologia”, disse Fernando Faustino, secretário-geral da Frelimo.
Prosseguindo, Faustino disse ainda que o candidato da Frelimo deve ser alguém com a ambição de vencer, com determinação, com foco e visão holística e integrada na política económica da sociedade moçambicana.
“Deve ser uma figura que nos garante que vai saber valorizar as conquistas da Frelimo. Estando no estado moçambicano, perceba que para a frente é o caminho e que não tem de inventar a roda porque ela já foi inventada. Deve trazer novas soluções para os desafios do país sem destruir os ganhos já alcançados. Vou repetir: Deve trazer novas soluções para os desafios do país sem destruir os ganhos já alcançados”, disse Faustino.
A afirmação de que o candidato da Frelimo tem que ser alguém que perceba que “para a frente é o caminho e que não tem de inventar a roda porque ela já foi inventada”, está a ser interpretada como uma mensagem dirigida a Filipe Nyusi, que durante a sua governação buscou escangalhar grande parte dos projectos do seu antecessor, a ponto de ter afirmado no seu último informe sobre o Estado Geral da Nação que dedicou nove anos de governação a criar “bases sólidas para Moçambique crescer nos anos que se seguem”, como que a implicitamente a dizer que os seus antecessores o entregaram um país sem bases de sustentação.
O enigmático perfil do candidato para a OMM na voz de Isaura Nyusi
Embora se tenha chegado ao Comité Central e reuniões de órgãos sociais sem que Filipe Nyusi ousasse pronunciar-se sobre a sucessão, a primeira dama, Isaura Nyusi, na qualidade de presidente da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), traçou um perfil de candidato.
No entender de Isaura Nyusi, o partido no poder deve escolher um candidato presidencial que responda aos anseios, desejos e expectativas do povo, sublinhando que o processo da escolha do candidato da Frelimo não deve ser marcado pelo mercantilismo.
“O nosso candidato deve ter o perfil do povo para o povo, evitando o processo mercantilismo e vaidade pessoal. Caras camaradas, em suma, cabe a nós, a OMM, garantir a vitória expressiva do nosso partido credível e do seu candidato presidencial”, disse Isaura Nyusi.
Já a OJM, aparentemente à deriva, disse que o candidato deve ter perfil igual ao de Filipe Nyusi e lamentou o facto de não ter poder para conferir-lhe mais um mandato à frente dos destinos do país.
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