Moradores de Mudada recorrem à Filipe Nyusi e organismos internacionais para reaverem seus direitos

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Cansados das falsas promessas da Dugongo
  • Diferendo com a empresa de capitais chineses-moçambicanos data do ano 2017
  • Filipe Nyusi é presidente da Frelimo, acionista moçambicano da Dugongo

Depois de vários encontros entre a comunidade de Mudada, nativa do local onde está implantadada a fábrica de Cimentos Dugongo, a direção desta empresa e autoridades locais sem um resultado satisfatório, aquela comunidade decidiu escrever uma exposição ao Presidente da República, Filipe Nyusi, e algumas organizações da sociedade civil nacionais e internacionais, pedindo intervenção para que sejam cumpridas cabalmente as promessas feitas pela empresa aquando das negociações, dentre as quais uma indeminização justa e uma série de benfeitorias.

Esneta Marrove

Tudo ou Nada, é como os moradores do bairro Mudada, na localidade de Missivene, no distrito de Matutuine, província de Maputo, caracterizam a remessa ao Presidente da República, Filipe Nyusi, da petição sobre o diferendo que os opõe à empresa Dugongo Cimentos e a administração de Matutuíne.

Num documento de 8 páginas, a que Evidências teve acesso exclusivo, as mais de 120 famílias de Mudada explicaram à Filipe Nyusi, por sinal Presidente da Frelimo, que é um dos accionistas da Dugongo Cimentos, sobre o calvário a que estão voltados desde que a empresa iniciou com a exploração de matérias-primas para a produção de cimento nos locais que outrora foram o seu lar.

Segundo a carta em posse do Chefe de Estado moçambicano, que deu também entrada na Procuradoria-Geral da Repúlica, o Gabinete do primeiro-ministro, estando ainda em contactos com as Nações Unidas e instituições Internacionais de defesa dos Direitos Humanos, desde 2007 que a população aguarda por um reassentamento justo, tendo em conta que a empresa Dugongo Cimentos prometeu indeminizar as famílias, construir casas, reassentar a população e criar uma série de benfeitorias, incluindo serviços sociais básicos.

Casas de reassentamento apresentam rachas e a zona é propensa a inundações

Até aqui, segundo os nativos, a Dugongo Cimento tem se furtado de cumprir parte significativa das suas promessas, grande parte das quais feitas durante intermináveis reuniões em que na companhia dos seus parceiros nacionais, os chineses prometeram mundos e fundos para convencer os donos da terra a cederem as suas terras para a implantação da empresa.

De tudo que foi prometido, o que se pode ver no local são casas de reassentamento que começam a acusar desgaste antes mesmo de estarem completamente prontas e com todas condições para serem habitadas.

Os nativos acusam a empresa de ter construído casas de baixo padrão técnico e arquitectónico, com problemas de segurança por conter rachas e crateras incorrigíveis, e erguidas   numa zona propensa à inundações, conforme documentam imagens anexadas ao documento.

“Ninguém aceitou receber as casas numa primeira fase, sendo que após a pressão da secretária do bairro, a senhora Sara Mucave, fomos recebendo as chaves, mas meia volta não aguentamos viver dentro das casas, tendo algumas pessoas com melhores condições, abandonado e se dirigido a África do Sul ou outros bairros da Matola”, lê-se na carta da população.

As negociações entre os nativos e a empresa para o cumprimento das promessas quase sempre não produzem resultados, tudo porque, segundo a população, a empresa corrompeu as autoridades locais.

A população acusa igualmente a secretária do bairro de ter se apropriado indevidamente de seis casas e de recebido altas somas de dinheiro de compensação em nome de pessoas familiares seus, que não tinham espaços em Mudada.

São 17 anos de humilhações – Justino Jasse, representante da comunidade

Por outro lado, a população acusa igualmente a entidade e as autoridades administrativas locais de conivência para que não sejam pagas as respectivas indemnizações nos termos legais, sendo que alguns foram obrigados a assinar documentos de recepção de valores que oralmente sabiam que eram compensações das plantas das machambas, mas no documento aparecia que eram valores globais, aproveitando-se do analfabetismo jurídico da maioria da população.

“Quando a Dugongo chegou aqui em Matutuine, vivíamos nas nossas casas, na Paz. Nunca tivemos problemas de enchentes de água nas nossas casas, as nossas machambas produziam como deve ser, tínhamos energia eléctrica, comíamos e dormíamos na tranquilidade. Depois eles chegaram e nos tiraram tudo e ainda nos humilham como se fôssemos os mais miseráveis dos seres humanos, com o nosso dinheiro, e até dizem que podemos queixar onde quisermos que nada vai acontecer, pois eles são a Frelimo”, acusa Justino Jasse, um dos representantes da comunidade.

Numa das mais repugnantes e desumanas acções levadas à cabo pela Dugongo Cimentos e pela secretária do bairro, relatam os nativos que foram obrigados a desenterrar o que restava dos seus ente-queridos, sepultados nas campas familiares com as próprias mãos, tendo ocorrido casos em que exumaram corpos que estavam ainda em processo incompleto de decomposição, como por exemplo a senhora Luísa, que viu o corpo do seu pai desintegrar-se entre as suas mãos.

Se não tivermos resposta satisfatória, iremos a tribunais Internacionais

A população de Mudada está ciente de que parte da empresa Dugongo é pertencente à alguma elite moçambicana, daí não ter dúvidas de que o à vontade da empresa, da secretária do bairro, do chefe do posto e da antiga administradora de Matutuine, Júlia Nwito, sejam resultado do proteccionismo ao alto nível que eles detém.

Na carta ao Presidente da República, os nativos dizem que não vão descansar até que sejam devidamente compensados pelos danos morais, ambientais, económicos, culturais e sociais causados pela empresa, podendo levar o caso à court internacional que versa sobre os direitos humanos.

“A maior parte do valor dado tinha a ver com as machambas. Há muito dinheiro que ficou nos bolsos de alguns. Vão reembolsá-lo.  Nunca vamos descansar, mesmo que nos intimidem, mandem cães em formato de pessoas para nos assustar. Acreditamos que o Presidente da República terá consciência de resolver, mas se não o fizer, continuaremos a lutar fora do País pelo futuro dos nossos filhos e pela nossa dignidade”, finalizou.

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