Tentou resistir ao debate, mas finalmente a ficha caiu

DESTAQUE POLÍTICA
  • Nyusi cedeu à pressão dos veteranos e inicia ritual de sucessão
  • Chegou ao Comité Central sem falar de sucessão e foi obrigado a largar o osso
  • ACLIN fez cair a ficha de Nyusi. Só depois da pressão deles é que aceitou que acabou
  • Simulou vista grossa às críticas de Monteiro, Guebuza, Chissano e Graça, mas no fim…

A liderança da Frelimo reiterou em diversas ocasiões que não estava na agenda do Comité Central (CC) o tema da sucessão. Mas, contra todas as expectativas, grande parte das intervenções, das reuniões dos órgãos sociais até a abertura do próprio Comité Central, não contornou o tema da sucessão. O Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, parecia o único a evitar e a se irritar quando abordado sobre a sucessão, como bem se viu na reunião da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN), no decurso da intervenção de Óscar Monteiro, quando elevou os ânimos e interrompeu a intervenção daquele veterano. “Óscar, Óscar… esta já está, tem mais alguma coisa?”, perguntou Nyusi, aparentemente irritado ao ser apresentado o “elefante na sala”. “Não, camarada Presidente”, respondeu Óscar. Já à porta fechada, Óscar viria a ser secundado por Graça Machel e Américo Fumo. Este último viria ainda se juntar a Joaquim Chissano e Armando Guebuza que insistiram no tema durante o Comité Central, fazendo com que o assunto fosse debatido abertamente, o que culminou, finalmente, com a indicação do roteiro para a sucessão, caindo assim a ficha de uma administração que tentou contornar o tema até as últimas consequências.

Contra todas as expectativas, todas as intervenções, seja nas reuniões dos órgãos sociais e até na abertura do próprio Comité Central, na sexta-feira, não contornaram o tema da sucessão. Um dia antes, na reunião da ACLIN, Óscar Monteiro deu o primeiro “grito dos veteranos” que viria ser secundado por Graça Machel, Américo Fumo (à porta fechada). Já no Comité Central, Joaquim Chissano e Armando Guebuza exigiram que o assunto fosse discutido abertamente e que se saísse dali com o assunto encerrado.

São intervenções que tiveram seus efeitos e influenciaram para que o tema estivesse na agenda. No fim, apesar de todo esforço de contorná-lo e uma dose de recados de Filipe Nyusi no encerramento, a liderança acabou se conformando e teve que aceitar indicar de forma clara o ritual que vai ser seguido até se encontrar o candidato.

Segundo fez saber Filipe Nyusi, dentro de dias, a Comissão Política vai elaborar a proposta de candidatos, para depois ser encaminhada ao Comité Central (CC), que se reunir em extraordinário numa data ainda não conhecida.

Chissano e Guebuza tiveram uma posição coincidentemente convergente a ponto de dar garantias de que o tema estaria esclarecido em dois dias. Nyusi não deu espaço para este esclarecimento e manteve a necessidade de discutir “o perfil”, visto como “fuga” do essencial.

Apesar da crítica directa de Guebuza, e outros veteranos, Nyusi buscou uma saída menos lesiva à sua reputação já questionada e não quis assumir uma posição de fraqueza de quem foi encontrado distraído no conforto de quem pensou ter tudo no controlo.

As críticas de fora (ACLIN) e a pressão dos veteranos não se fez sentir no segundo dia e no fim do CC, onde quase que não se falava da sucessão. O discurso de encerramento, mostrou um Nyusi a tentar buscar forças no discurso “Unidade – Crítica – Unidade” para dar a sensação de controlo do processo.

“Mais uma vez os membros do Comité Central souberam focalizar o debate de forma geral sem emoções, nem impaciência, que sabemos que reinam em algumas pessoas nos círculos de opinião pública nacional e internacional”, disse Nyusi,

Na perspectiva deste, cada processo da sucessão é único e não se deve influenciar pelos processos anteriores. “A Frelimo é um partido sexagenário e maduro, que sabe conduzir seus processos de transformação e adaptação às dinâmicas de cada momento da sua história, ciente de que os processos políticos não são estáticos e nem devem ser vistos como os anteriores”, reagiu.

Fora dos esforços na busca de um candidato que garante protecção ao actual chefe do Estado, diz-se que Nyusi estará a tentar proteger o próximo inquilino da ponta vermelha do controlo de grupos de influência, parte do qual ligado ao crime organizado, que sempre tira proveito destes processos para depois controlar o Presidente.

Um processo curto envolve menos custos de campanha interna, menos tempo para fazer acordos de compra e venda, consequentemente, menos favores, como aqueles que colocaram Nyusi e Privinvest (financiamento a campanha) de costas voltadas num tribunal. Esta é uma das narrativas que tenta ser construída. Mas não vende para certas alas, num momento em que a Frelimo encontra-se fragmentada em grupos. Por outro lado, a demora pode ser uma estratégia de “gestão por cansaço” aos que cedo mobilizaram-se e criaram Gabinetes de Candidatos. Manter a campanha, em meio a incerteza, gera a aflição que neste momento é quase palpável nos candidatos confessos.

Fora de agenda, sucessão domina nos bastidores, veteranos querem palavra

Apesar do silêncio formal (ausência deste ponto na agenda), o contexto impeliu a Frelimo a discutir, apesar da vontade da administração da Frelimo ser de limitar-se no perfil do candidato.

Além de Óscar Monteiro, Guebuza e Chissano, que confessou ter recebido Samora Machel Jr., destacaram-se as intervenções de Teodoro Waty, que deixou claro que Nyusi não tem qualquer “chance de continuar”.

São os veteranos a buscar opinar num processo em que, na sua maioria, não poderão influenciar nos próximos ciclos, que, tradicionalmente, se repetem a cada dez anos. É que em quase meio século (49 anos) da governação da Frelimo, este grupo encontra, já no fim da idade, a resistência dos jovens, o que pode ser consequência do seu erro em 2014, afinal, limitou os critérios do perfil do sucessor de Guebuza a mero regionalismo e indicação de um filho de combatente, preterindo outros juízos para o conteúdo do cargo, o que é visto, em sectores conservadores, como o primeiro fracasso da tentativa da mudança geracional na Frelimo.

A idade não perdoa e os novos actores políticos também não. Se o tempo não permite que os veteranos tenham uma próxima vez para endossar ou influenciar a indicação de um candidato que lhes transmita conforto, os actuais donos do poder querem a todo custo evitar a influência destes, relegando-os a um papel marginal. Em termos numéricos, os libertadores são relevantes para endossar, mas a sobrevivência dos candidatos no crivo dos membros do Comité Central já não é determinada por estes, mas sim pelos mais jovens que tem um sentido de voto mais comercial e clientelista, ou seja, direccionado muitas vezes a quem pode pagar e não ao mais competente.

Por exemplo, a ACLIN tem um peso de menos de 20% no Comité Central, mas, ao mesmo tempo, dependendo da dinâmica dos acontecimentos, estes assumem uma posição de força que, em tempos idos, já chegou a ser determinante neste tipo de processos, afinal, ‘‘não se brinca com generais’’.

Como que a limitar a participação e influencia destes, os actuais donos da situação procuram contornar os históricos. A discussão tardia da sucessão na Frelimo comprime os espaços de debate sobre o perfil do candidato e reduziu a participação dos veteranos neste processo.

Não foi a primeira vez do tema da sucessão

Lembre-se que na 19ª Sessão ordinária da Comissão Política, em Fevereiro, Alberto Chipande foi advertido que o tema não estava na agenda, quando queria trazer a discussão da sucessão. Aquela não seria a primeira vez que a actual administração da Frelimo relegou a estes veteranos um papel marginal, ao mesmo tempo que Nyusi impõe que o processo de escolha do seu sucessor decorra em “alinhamento com a direcção do partido”. O isolamento os veteranos, tidos como ala conservadora, se viu igualmente quando pediram a criação de um Conselho de Anciões no Congresso, que poderia servir de reserva moral tal como acontece no ANC e noutros movimentos políticos congéneres.

As consultas sobre as tendências não significam participação, quando não permitem debate do tema. O Executivo de Nyusi foi marcado pelo abandono destes da vida política, alguns mesmo para não se misturarem a uma governação atabalhoada. O caso mais ilustrativo foi a renúncia de Graça Machel do assento do CC, no XII Congresso, por não se identificar com a tendência dos valores da nova Frelimo.

Para uma geração que sempre esteve na linha de frente para influenciar tanto nas políticas públicas e principalmente nos processos de administração da Frelimo, o isolamento representa marginalização e “angústia”, disse um veterano, advertindo-nos que “só valemos quando temos opiniões válidas, não por dever histórico. Mas quem ouve essas opiniões?”.

O silêncio ou silenciamento dos “madalas” agudiza-se num contexto em que a governação foi marcada de perseguição aos que pensam diferente e fechamento dos espaços de debate de temas candentes.

Num contexto de uma oposição sem expressão política para beliscar o poder da Frelimo na presidência, é seguro afirmar que o sucessor de Nyusi representa a última esperança para os poucos veteranos libertadores, ainda em vida, com a idade na orbita dos 70 e 80 anos, dar o último grito. Não haverá mais uma década, nem um outro processo de sucessão onde estes terão o poder de dizer agora é a minha vez, como se viu com Alberto Chipande há dez anos. Ou com Feliciano Gundane, que cogitou reivindicar a sua vez depois de Filipe Nyusi, mas questões de saúde não lhe permitem participar activamente do processo ora em curso.

Nem Alberto Chissano, Mariamo Matsinhe, Graça Machel, Guebuza, Rebelo, Gundane, Pachinuapa, Chipande (os últimos três em constantes queixas de saúde) entre outros nomes que configuram na lista dos antigos combatentes na primeira pessoa, terão o vigor e força física de influenciar na Frelimo um candidato revestido dos valores que constituem a base que a Frelimo foi perdendo.

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