Luca Bussotti
Parece que, nas últimas semanas, os “perfis” se tornaram a moda preferida dos dois maiores partidos de Moçambique, Frelimo e Renamo. Nas artes, o perfil é um rosto visto de lado, portanto incompleto, que esconde a outra face da cara. Metaforicamente, o perfil corresponde, grosso modo, à personalidade e características de alguém. De qualquer forma, nunca esta palavra diz respeito a uma pessoa na sua plenitude humana, com elementos físicos, morais, intelectuais e, no caso específico, políticos. Isso deixa vislumbrar a ideia de que o “perfil” que Frelimo e Renamo confiaram que os respectivos órgãos dirigentes delineassem deve ter, dum lado a cara do candidato, doutro a cara do partido. E quem votará no candidato da Frelimo deve saber que do outro lado sempre haverá o partido, ao passo que quem votará pela Renamo tem de ficar a saber que do outro lado da cara do candidato também haverá o símbolo do partido Renamo. E justamente sobre a Renamo é interessante focar a atenção, em consideração da agitação interna que está neste momento caracterizando o maior partido de oposição.
Um dos aspectos salientes na escolha da candidatura sempre foi o relacionamento de poder entre o candidato – e depois o presidente eleito – e o partido (ou a coalizão de partidos) que lhe apoiou. Desta vez não está sendo diferente: quer na Frelimo, quer na Renamo existem perfis que foram descartados de antemão (ou quase) antes de o tal de perfil ser desenhado. Na Renamo é o caso de Venâncio Mondlane. Não interessa, aqui, fazer uma análise sobre as razões de uma e de outra parte sobre como isso se tornou possível: o que mais interessa sublinhar é que a Renamo está despejando um potencial eleitoral assinalável (o do Sul de Moçambique e o de grande parte dos jovens em todo o país) que, sem a presença nas suas listas do deputado Venâncio Mondlane, é destinado a direcionar-se para outras formações políticas de oposição, provavelmente concorrentes e não aliadas da Renamo. A capacidade de liderança se mede também e sobretudo na medida em que o líder sabe bem utilizar as melhores energias do seu partito. Quando isso não acontece, significa que algo deu errado nos mecanismos internos, sobretudo depois de resultados eleitorais de considerável importância, como aqueles das autárquicas de 2023.
Hoje, já sabemos quem poderá concorrer (poucos) e quem não (muitos dos potenciais candidatos) à presidência do partido. Entretanto, o suposto perfil do candidato já é conhecido, mas nada sabemos do programa político que ele irá apresentar internamente e, sobretudo, aos cidadãos. Em particular, preocupa a situação de Cabo Delgado. Com a saída da SAMIM, uma União Europeia que, de momento, parece não querer desembolsar os 20 milhões de euros suplementares para apoiar as necessidades militares de Moçambique, com um problema enorme com relação a um Ruanda acusado cada vez mais de financiar o grupo M23 para desestabilizar um dos principais países da SADC, a República Democrática do Congo, ninguém sabe como a luta contra o terrorismo será levada a cabo. Seria interessante se o candidato da Renamo esclarecesse esta questão: a quem pedir ajuda? Será viável prosseguir com o apoio do Ruanda? E as armas necessárias para continuar a combater no terreno de Cabo Delgado serão compradas aonde e a quais condições? Na Turquia, na China, na Europa, na Rússia, ou aonde?
Segunda questão: o país está mergulhado há anos numa pobreza crescente, em paralelo ao crescimento de uma elite extremamente rica e abastada. Até hoje, não existe uma política específica para resolver esta questão, limitando o fosso entre ricos e pobres. Investimentos de vulto em várias áreas, desde a emergia até as areias pesadas, estão destruindo grande parte do meio ambiente, despejando inteiras comunidades para fora de seus locais de vivência. Sobre este tema, qual seria a receita da Renamo e do seu futuro presidente e candidato? Políticas liberais, que deixam tudo ao mercado, ou políticas específicas, direcionadas para elevar o nível de vida das camadas mais pobres, impondo um sistema tributário mais justo e eficiente em que os mais ricos paguem mais do que os mais pobres? E finalmente, os recursos necessários para melhorar os níveis do sistema público da saúde, educação e transportes serão buscados aonde? Ainda pedindo ajuda e clemência aos países “amigos” ou procurando incrementar a produção e, portanto, as receitas locais, respeitando o meio ambiente e os direitos das comunidades locais?
Terceiro: os mecanismos institucionais em Moçambique não funcionam devidamente. Se a base da democracia é constituída pelas eleições, não podemos continuar a assistir a processos fraudolentos e pouco transparentes. Qual é a proposta da Renamo para ultrapassar esta situação? Será que não é possível introduzir, duma vez por todas, o voto eletrônico, ou outro mecanismo que garanta que os votos contabilizados nas assembleias de voto cheguem de imediato à CNE central, sem passagens intermediárias, onde muitos votos se perdem e outros se acrescentam? E ao nível institucional: todos concordam que os poderes do Presidente da República são excessivos, que não existe uma lei sobre o conflito de interesses entre quem desempenha um cargo público e seus interesses privados, que a Assembleia da República só existe para ratificar as leis propostas pelo executivo, que o poder judiciário também está sendo influenciado pelo governo, que as oposições não são tuteladas em parlamento por faltar qualquer mecanismo de check and balance. Quais seriam as propostas da Renamo sobre tais questões?
Pessoalmente não estou muito interessado em perfis, mas sim em propostas concretas sobre como dar vazão a estes (e muitos outros) problemas. E acredito que qualquer eleitor que não pertença a nenhum partido político tenha de escolher um candidato consoante sua agenda, suas propostas e a sua ideia de país. O perfil do candidato será esclarecido respondendo a tais questões. Fora disso todo o debate ficará concentrado em questões pessoais que não podem interessar à maioria dos Moçambicanos.
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