As uniões prematuras continuam a ser uma pedra no sapato do Governo e das organizações da sociedade civil, uma vez que têm implicações significativas para o desenvolvimento social e a saúde das adolescentes. Em 2019, a Assembleia da República aprovou a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras. Entretanto, as organizações da sociedade civil, que advogam sobre os direitos das mulheres e raparigas, observam que as práticas culturais e pobreza comprometem a implementação do instrumento normativo que visa estabelecer o regime jurídico aplicável à proibição, prevenção, mitigação das uniões prematuras e penalização dos seus autores e cúmplices, bem como a protecção das crianças que se encontrem ou se encontravam nessas uniões.
Esneta Marrove
Em Moçambique, segundo o Inquérito Demográfico e de Saúde produzido em 2011, cerca de 48 por cento das mulheres com idades entre os 20 e os 24 anos já foram casadas ou estiveram numa união antes dos 18 anos e 14 por cento antes dos 15 anos.
As causas subjacentes das uniões prematuras incluem a pobreza, falta de acesso à educação e pressões culturais, sendo que as uniões prematuras têm impactos sérios na saúde das adolescentes, aumentando os riscos durante a gravidez e restringindo oportunidades educacionais e profissionais.
Actualmente, Moçambique consta do rol dos países com maiores índices de uniões prematuras do mundo.
Como forma de acabar ou reduzir este mal, o Governo decidiu, em 2019, lançar a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras 19/2019 de 22 de Outubro. Quatro anos depois, os casos tendem a aumentar em vários cantos do país e as principais causas apontadas continuam sendo a pobreza e práticas culturais.
Para Salomé Mimbiri, coordenadora do Observatório dos Direitos das Crianças no Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC), os factores arrolados empatam a implementação da lei.
“Há famílias que olham para as uniões prematuras como motivo para acabar com a pobreza, daí optam por submeter a rapariga a isso. Numa situação em que os progenitores justificam a pobreza como a principal razão, muitos não pensam na lei, o que não devia acontecer”, disse Salomé Mimbiri.
A coordenadora do Observatório dos Direitos das Crianças no Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança observa que outro factor que influencia o aumento das uniões prematuras é a prática cultural que é muito usada na região norte do país e uma parte da zona sul.
“E chamamos também razão os líderes comunitários porque detém a legitimidade para prevenir e combater este mal, se eles compreenderem todos os males por detrás da uniões prematuras e qualquer tipo de violência contra as mulheres muitas estarão livres”.
Para acabar com as uniões prematuras, Salomé Mimbiri defende maior consciencialização dos líderes comunitários, disseminação da lei e o reforço do caráter criminal da união prematura.
“Este deve ser um trabalho multissectorial, é preciso estimular não só líderes comunitários, mas também os alunos, professores e até mesmo currículos escolares para se perceber que levar a rapariga ou rapaz a casar cedo vai prejudicá-lo futuramente e o país também perderá mais um para a construção de novo amanhã, por isso o Governo e a sociedade civil devem trabalhar juntos”, apelou, tendo acrescentado que a organização que pertence resgatou em 2023 mais de 50 crianças das uniões prematuras.
Por sua vez, Bernardo Jacob, Gestor de casos da Linha Fala Criança, refere que a Lei de Prevenção e Combate das Uniões Prematuras ainda não se faz sentir porque “quem devia proteger não o faz”.
“Os líderes comunitários que servem como guardiões e protectores são os mesmos que têm sido cúmplices, facilitadores e por vezes casam com essas menores. Quando levamos o assunto ao régulo a primeira coisa que pensa em fazer é sensibilizar a família e nunca leva o caso à polícia, e de alguma forma determinam a sentença, por isso dizemos que a lei não tem sido contundente de modo a desencorajar as práticas sociais”, declarou Jacob, acrescentando depois que já registou no corrente ano mais de 255 casos de uniões prematuras.
“Só nos primeiros meses do ano, a Linha Fala Criança registou cerca de 255 casos de uniões prematuras e 10 por dia em todo o país, e maiores casos da zona centro, concretamente na província da Zambézia, Sofala, Manica, Nampula e uma parte de Inhambane na zona sul, parte deles desconhecem os mecanismos de denúncia e a lei”.
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