Mais um NÃO à ditadura das “ordens de cima”

EDITORIAL

Este é um país onde não interessa a racionalidade da decisão, basta que ela venha de cima para que seja cumprida. É assim nas organizações políticas: o mais importante é quem te manda. Nas empresas públicas idem, a filiação política ou apelido politicamente confortável são mais relevantes que as competências.

 

No entanto, nos períodos da transição, quando fica meio evidente que os chefes de ontem não serão os chefes de amanhã a confusão se instala. Um novo centro do poder se estabelece, as ordens de cima passam a ser escrutinadas, não em função da sua racionalidade, mas para se saber se são confortáveis ao próximo emissário das ordens de cima. Um conflito de vária ordem. Foi o que vimos nas eleições internas nos Comités Provinciais, onde nomes propostos a nível mais alto tiveram dificuldades de se eleger, apesar das ordens superiores e até mesmo imposição da Comissão Política. Maputo, Zambézia e Nampula se destacaram neste acto, que veio denunciar a grande distância que separa a administração do partido e os militantes, bem a porta das eleições.

 

Em geral, as eleições internas, que marcaram a distribuição dos assentos e a indicação dos cabeças de lista, foram os melhores indicadores da saúde dos dois principais partidos políticos, a Renamo e a Frelimo. A queda das velhas estrelas, a ascensão de novos nomes e a tensão que marcou o exercício da democracia interna, mostraram esse conflito existente entre os membros e as lideranças, ao mesmo tempo que não esconderam que, afinal, a lealdade, na política doméstica, é para os que têm algo a dar e que quem já está com um pé na saída arrisca a ser desobedecido se quiser impor suas vontades.

 

O conflito veio a ficar mais exposto quando, no caso da Frelimo, a sua liderança, através da Comissão Política, rasgou os estatutos internos, impondo nomes para cabeça de lista, quando de acordo com a diretiva, devia apenas confirmar e escrutinar a integridade dos nomes propostos pelos Comités Provinciais e devolver o processo. É essa postura de se colocar acima das leis que coloca as lideranças cada vez mais distantes das massas que devem liderar. Quando eram as leis do país a serem pontapeadas, estava longe dos militantes pensar que o mesmo cenário viríamos assistir dentro dos próprios partidos.

 

Embora em muitos casos tenha triunfado a vontade das lideranças, principalmente na indicação dos cabeças de lista, a queda dos grandes nomes, constitui essa demostração de decepção dos membros, um certificado de frustração, um abaixo à arrogância, como se viu na Zambézia, onde o nome proposto a nível mais alto, veio a ter apenas 23,5% dos votos, resultado que belisca a autoridade das lideranças.

 

É mesmo para dizer que as eleições internas, apesar de não ser livres de manipulação pelo capitalismo, servem de escrutínio daqueles que prestaram má ou boa governação quando não há intromissão das ordens invisíveis de cima, embora o episódio da Zambézia tenha deixado claro que até as ordens de cima podem ser colocadas em causa quando o desgaste é maior. Na província de Maputo, chegou-se ao cúmulo de repetir a contagem para desmanchar uma fraude colossal que havia feito entrar algumas pessoas no lugar dos verdadeiros eleitos. Os camaradas de Maputo e Nampula, onde houve necessidade de contagem de votos ou repetição de eleições, tiveram que contestar e nalguns casos com ânimos exaltados os resultados, mostrando que sabem com que linhas se coze a fraude. 

 

A Renamo, que vem se mostrando produto da Frelimo, seguiu o mesmo caminho e reelegeu um líder que irá às eleições contestado, antecipando uma derrota que pode vir a colocar em causa sua hegemonia na história da democracia interna.

 

As consequências desta decisão estão a se manifestar bem antes do início, o descontentamento dos membros continua a aumentar à boca das eleições, a liderança não confia em mais ninguém e há denúncias de que são indicadas famílias para posições chaves, num acto que configura nepotismo, agravando ainda mais a situação do partido.

 

Em suma, estes episódios mostram a própria incapacidade dos partidos de conduzir a democracia interna. E o nosso processo eleitoral, caracterizado por períodos pós-eleitorais turbulentos, é exactamente a manifestação do que os partidos são.

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